domingo, 25 de setembro de 2011

Ratos e Homens


Não é novidade que, além de me ter oposto a ambos nas eleições recentes, também não gosto de nenhum deles. Não por alguma quezília em particular, mas pelo passado e pela repetida postura em questões atrás de questões. Passos Coelho foi nado na JSD, e criado do berço para chegar onde chegou. Poucas coisas me repugnarão mais em política. Tornou-se primeiro-ministro sem qualquer currículo de relevo, absolutamente mal rodeado e com ideias perigosas no meio da sua desorientação. Cavaco Silva é tudo o que a política tem de mau. É o homem que mandou neste país em 15 dos últimos 25 anos, sendo obviamente um dos mais grosseiros culpados do estado a que se chegou, mas que continua mesmo assim, em todas as oportunidades, a menosprezar essa abominável "classe política" da qual ele, cidadão-intelectual-professor, evidentemente não faz parte. Cavaco é o anti-carisma em pessoa, o presidente que só é competente porque nada faz e honesto porque nada diz, que vive para se proteger e que falha em todos os momentos que se impõem.

Nos tempos em que o buraco da Madeira é mais do que a ordem do dia, era inevitável que as duas mais importantes figuras de Estado se pronunciassem. Até porque são, imagine-se, dois figurões do partido do cacique em questão. E é aqui que faço a minha ressalva.

Na sua primeira grande entrevista como Primeiro-Ministro, Passos Coelho comportou-se como um. Claro que gostava de tê-lo visto passar a certidão de óbito a Jardim em directo, ter dito que por ele era outro o candidato do PSD na Madeira e que incentivava os madeirenses a não votarem nele, mas a política não é assim. E, no que poderia ser a sua posição, Passos foi absolutamente exemplar.

Disse que não fará campanha com Jardim nas Regionais porque a irresponsabilidade deste foi inadmissível, e um PM não pode sancionar esse tipo de comportamento. Disse que tudo isto tem custos reforçados no momento em que se vive, que é uma vergonha a nível internacional e que nunca poderia ter acontecido. E defendeu, sobretudo, que casos como este não podem de maneira alguma ficar sem responsabilização, tal como que o desenvolvimento da Região não justifica de maneira alguma uma aberração como esta.

Passos ganhou o meu respeito. No momento em que tinha de tomar uma posição, fê-lo com todas as letras, arrasando as falácias jardinistas e traçando a linha que se exigia. Pode até parecer pouco, mas facto é que nenhum antes dele o tinha feito e, simbolicamente, é imenso. Jardim perdeu a cobertura do seu próprio líder, e chegará mais sozinho do que nunca às eleições.

Ao mesmo tempo, temos o oposto. Em três semanas com o buraco na ordem do dia, a crescer nos jornais todas as manhãs, a única coisa que ouvimos do Presidente da República foram umas sibilantes linhas a dizer que a situação afecta a credibilidade do país e não pode repetir-se. Num momento de crise aberta, o garante do bom funcionamento do Estado voltou a comportar-se como o rato que sempre foi, recusando-se a tomar uma posição de força ou sequer a fazer uma mísera comunicação ao país. Preferiu andar a semana escondido nos Açores, a ver se se esquecem dele, no abissal vazio político que é.

Até para ele, passar por isto sem abrir a boca é desolador. Como um dia disse Daniel Oliveira, Cavaco "é a política em tudo o que ela falhou, o símbolo mais evidente de tantos anos perdidos."

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Green Cauldron

O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever.

"(...) Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver."

Saramago, discurso de aceitação do Nobel, 7 de Outubro de 1998, em Estocolmo

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

"Enquanto não tomarem consciência não se revoltarão, e enquanto não se revoltarem não poderão tomar consciência"

"Eu limito-me a dizer que a esquerda em Portugal não tem vergonha na cara. Toda a gente sabe que foi a esquerda, o Partido Socialista, o PCP e os comunistas do Bloco de Esquerda que puseram Portugal na situação em que está, e se a Madeira tem hoje dívida, teve que a ter para poder resistir aos roubos que o Partido Socialista fez à população da Madeira. Quero dizer que a luta continua e que se a Madeira tem hoje uma dívida pública como tem foi para resistir à esquerda e derrotar sempre a esquerda."

Alberto João Jardim, depois do anúncio do buraco

A Madeira está na bancarrota.

Não era preciso estar para percebermos a gravidade da situação, mas fala por si. Nas últimas semanas descobrimos que a dívida da região duplicou só nos últimos 5 anos, devendo andar perto de uns pornográficos 8 mil milhões de euros. Também descobrimos que, em ano de um sufocante aperto de cinto, só o desvio deste ano - 500 milhões - já é o dobro do que era suposto, porque o Governo Regional teve de andar a apagar uns fogos devidos ao monstruoso lobby da construção civil que o domina. A região já teve de pedir um plano de resgate e a derrapagem ameaça o próprio acordo da República com a troika.

Jardim, por seu lado, continua a encher a boca para falar. Disse estes dias que na Madeira há obra feita, no continente só dinheiro gasto. Jardim gasta compulsivamente o que não tem, constrói o que não pode, alimenta a máfia que o rodeia, engorda o monstro que é o regime e ainda tem tempo para se vangloriar disso. No auge, até passámos a saber que as transferências devidas ao 20 de Fevereiro afinal não foram para tratar os efeitos da catástrofe, mas simples liquidez para a máquina.

A tudo isto o delirante chefe de regime responde com a mais rasca das demagogias. Não pede desculpa, não faz um único acto de contrição e nem sequer se dá ao trabalho de arranjar uma má justificação. Goza simplesmente com a nossa cara, impune como sempre. Limita-se a despejar barbaridades que deviam envergonhar qualquer madeirense com um mínimo de vergonha na cara.

Durante todos estes anos a Madeira tem funcionado à boa maneira soviética. Culto cego do chefe, partido e governo a serem uma e a mesma coisa, repressão à oposição e à imprensa, e máquina do regime a ser a mão silenciosa que tudo move. A tudo se condescendeu sob a bandeira da autonomia e da obra feita. Hoje a Madeira está na bancarrota. Não era preciso, mas vemos que a obra só foi feita com dinheiro que nunca poderia ter sido gasto o que, em última instância, ameaça sacrificar a própria autonomia.

Daqui a um mês há eleições e temos um pé no abismo. A culpa não é da sorte, da crise, da República ou de um Executivo que mantém um silêncio humilhante para proteger o seu partido. A culpa nem sequer é de Jardim. Os únicos culpados são quem o continua a eleger há 35 anos. A 9 de Outubro poderemos todos escolher entre um regime podre e um mundo novo. Como numa história de Orwell, dizem-nos há gerações que não há vida para além do PSD, que não há uma única alma opositora capaz, e as pessoas inculcaram isso. Hoje não têm desculpa.

A 9 de Outubro os madeirenses poderão escolher entre ser maiores e melhores, e ter o respeito do país e o respeito por si próprios, ou entre continuarem afogados nesta mesquinhez que há tantos anos nos consome. Se voltarem a optar por ela, então não merecem mais. Demonstrarão que são um povo domesticado e condenado a carregar o carrasco até ao dia em que ele morrer. E, acima de tudo, que são tão pequenos como tudo isto.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O caso Ricardo Carvalho


Não sei se meteria as mãos no fogo por algum jogador numa situação semelhante. Mas por Ricardo Carvalho pensaria duas vezes.

À parte o facto de ser o melhor defesa-central que vi jogar, Carvalho sempre pareceu muito longe de um criador de casos. Não me lembro de qualquer incidente ao longo da sua carreira, tal como não tenho memória de qualquer manifestação de homem truculento, impulsivo ou complicado de lidar.

Numa palavra, Carvalho sempre foi uma materialização de classe. O que é tanto mais notável na posição onde joga. Sempre teve um perfil sóbrio e cordato, inspirador de confiança, tal como sempre foi um líder em todos os clubes onde jogou, com a fiabilidade própria de um.

Por tudo isto foi absolutamente chocante ouvir que decidiu abandonar um estágio da Selecção, renunciando à mesma em definitivo. Pior, alegadamente porque não seria titular no jogo com Chipre.

Há pouco mais de um ano, na casa dos horrores em que a Selecção se tinha tornado, não me surpreenderia. E não hesitaria em dizer de que lado estava a razão. Mas isso foi noutra vida, e quem manda agora é alguém que não posso desconsiderar. Tinha esperança que alguma explicação razoável caísse do céu, mas Paulo Bento fez hoje a derradeira cisão: disse que Carvalho desertou, traindo os colegas e o país, e que só o fez por perder a titularidade. Tal como disse que, com ele, Carvalho nunca voltará à Selecção.

Não se compreende. Bento disse que nem chegou a falar com ele, Carvalho garantiu, em comunicado, que nunca se sentiu tão humilhado, depois de um treino em que jogou do lado dos suplentes. Sem a influência de factores externos, e sendo o que parece, é impensável e desolador. Mau para Portugal, que perde o patrão da defesa e aquele que ainda era um dos melhores centrais da Europa; pior para Carvalho, que será lembrado não por ter sido um dos melhores defesas a vestir aquela camisola, mas por ter saído pela porta dos fundos, amuado, retorcido e muito mais pequeno do que alguma vez foi.

Lifeless eyes


"Japanese submarine slammed two torpedoes into our side, Chief. We was comin' back from the island of Tinian to Leyte... just delivered the bomb. The Hiroshima bomb. Eleven hundred men went into the water. Vessel went down in 12 minutes. Didn't see the first shark for about a half an hour. Tiger. 13-footer.

(...) What we didn't know, was our bomb mission had been so secret, no distress signal had been sent. They didn't even list us overdue for a week. Very first light, Chief, sharks come cruisin', so we formed ourselves into tight groups. (...) The idea was: shark comes to the nearest man, that man he starts poundin' and hollerin' and screamin' and sometimes the shark will go away... but sometimes he wouldn't go away. Sometimes that shark he looks right into ya. Right into your eyes. And, you know, the thing about a shark... he's got lifeless eyes. Black eyes. Like a doll's eyes. When he comes at ya, doesn't seem to be living... until he bites ya, and those black eyes roll over white and then... ah then you hear that terrible high-pitched screamin'. The ocean turns red, and despite all the poundin' and the hollerin', they all come in and they... rip you to pieces. You know by the end of that first dawn, lost a hundred men.

(...) Noon, the fifth day, a Lockheed Ventura saw us and he come in low and three hours later a big fat PBY comes down and starts to pick us up. You know that was the time I was most frightened... waitin' for my turn. I'll never put on a lifejacket again. So, eleven hundred men went in the water; 316 men come out and the sharks took the rest, June the 29th, 1945. Anyway, we delivered the bomb."

Quint (Robert Shaw), Jaws (1975)