quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Clássico é decisivo?


Claro que é, e com nota dramática para o Benfica.

Impressionante a forma como a equipa de Jesus desabou antes do Clássico. Acho que ninguém poderia suspeitar que uma derrota meramente infeliz na Rússia pudesse afectar tanto a carreira da equipa. Num ápice, o Benfica perdeu um campeonato quase certo, abrindo uma incrível luta a três, e vai ter de encarar uma semana que tem potencial para engolir tudo o que foi feito até agora. Talvez o derby não seja decisivo matematicamente, mas, em 5 dias, é facto que se joga a época do Benfica. Se o perder, os três pontos não serão menos do que um verdadeiro abismo, sem falar da equipa em farrapos que irá receber o Zenit, nuns oitavos-de-final grosseiramente acessíveis. Mesmo se empatar, o entusiasmo também passa para o adversário. Toda a gente se lembra como é que o Benfica reagiu à pressão na época passada, e Jesus saberá melhor do que ninguém que nunca poderia ter perdido estes 5 pontos. Agora, a única maneira de sair vivo é ganhar o derby e eliminar o Zenit.

O Porto chega ao jogo de 6ª numa situação que não constaria nem nos seus sonhos mais coloridos, mas não só pelos deslizes do adversário: há necessariamente mérito de Vítor Pereira na resiliência da equipa. Afinal de contas, o Benfica não pode estar a fazer um campeonato de paixão, e o Porto um pavoroso, quando, à entrada para o último terço da Liga, estão ambos empatados. Que um tem jogado melhor do que o outro, sem dúvida, mas o Porto também só perdeu um jogo, e teve a compostura necessária para, depois de Barcelos, e com a avalanche do City pelo meio, ganhar os três jogos até ao Clássico. A equipa estava de joelhos, à espera do KO, mas nunca deitou a toalha ao chão. Claro que, depois das saídas desoladoras da Taça, da Champions, e da UEFA, também Vítor Pereira joga quase tudo no derby e, em caso de derrota, será impossível levá-lo a sério. Mesmo assim, este Porto tem um trunfo indiscutível sobre o adversário: chega à fase decisiva depois de já ter caído, e de já ter arranjado maneira de se recompor, pelo que já está calejado. Se perder, acredito que se mantenha nos calcanhares do Benfica até ao fim, algo que, nas mesmas circunstâncias, duvido muito que a equipa de Jesus seja capaz de fazer.

Por fim, o Braga. Duvidei de Leonardo Jardim tal como duvidava de Domingos, e, em ambos os casos, falhei completamente. Com os antecessores que teve, o melhor elogio que lhe posso fazer é dizer que este é o melhor Braga que já vi jogar. Mistura o bom futebol de Jesus com a senhoria dos últimos dois anos, e permitiu pôr talentos como Hugo Viana, Hélder Barbosa ou Lima no nível mais alto da carreira. Vemos a qualidade de jogo, a confiança, a superioridade natural, as 9 vitórias seguidas, e percebemos que este Braga vai mesmo lutar pelo título. Notável, como tudo o que tem sido feito na presidência de António Salvador.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Óscares, 84 - review


Os Óscares cumpriram a fatalidade de serem previsíveis de uma ponta à outra, o que torna tudo um tanto ou quanto melancólico. É inevitável abordá-los com a maior das expectativas, portanto, quando não há fuga ao guião, faltou sempre qualquer coisa. No fim de contas, The Artist monopolizou mesmo a festa, e foi o grande vencedor da noite: Hazanavicius e Dujardin são vitórias perfeitamente adequadas, mas Melhor Filme veio por arrasto, num hábito muito intrínseco da cerimónia: the winner takes it all. The Artist é bom, é oscarizável, é um ganhador honorável, mas rivalizava com 2 ou 3 filmes claramente melhores.


Curiosamente, a maior surpresa da noite foi a vitória de Meryl Streep: quase toda a gente é capaz de imaginá-la como vencedora crónica, mas a verdade é que a Academia a tinha na prateleira há, imagine-se, 30 anos!, desde 1983, pese o recorde de 17 nomeações. Foi, "apenas", o seu terceiro Óscar, em cuja aceitação Streep não escondeu nem a surpresa, nem uma certa acidez, mas foi uma vitória mais densa do que as restantes, e inteiramente merecida.


Apesar da previsibilidade, foi, no resto, a melhor cerimónia dos últimos anos, e muito superior à do ano passado. Primeiro, pela apresentação: confesso que estava à espera de mais qualquer coisa da parte de Billy Crystal - mais chama, melhor piada -, mas, mesmo assim, deu e sobrou para envergonhar quem lá pôs James Franco no ano passado. Acredito que Crystal não seja para continuar, porque há espaço para a novidade, mas - e na impossibilidade de ter um Gervais, pela própria idiossincrasia dos Óscares -, o formato só pode ser este: glamour e leveza, próprios de um mestre de cerimónias. Quem sabe se Hugh Jackman não regressa (e que deus afaste os Eddy Murphys deste mundo).


Em segundo lugar, foi um ano de grandes momentos em palco, o que não é especialmente comum: belíssimas as subidas de Octavia Spencer (a primeira e mais genuína ovação de pé!) e de Christopher Plummer, mas também a sensibilidade de Streep, a bonacheirice de Dujardin e o sentimento de Asghar Farhadi, o iraniano que venceu Melhor Filme Estrangeiro, sobre a cultura de um povo acima da cortina política.

E, finalmente, o que foi, para mim, o melhor da noite: a realização. Foi, possivelmente, a mais bem conseguida desde que me lembro de ver os Óscares, porque fez a diferença. Os clipes casuais, com personalidades a falar sobre o que o cinema representa para si, e as introduções às categorias, com depoimentos dos nomeados, foram de um bom gosto e de uma envolvência absolutamente extraordinários.

A nível de vitórias pessoais, só não me falhou o mestre Woody Allen, de ontem em diante o senhor supremo dos Argumentos Originais. Não lhe interessará grande coisa, ele que não é homem de Óscares, e que voltou a faltar ontem, mas o que conta é que nunca ninguém tinha ganho três. Pena que Moneyball tenha perdido Argumento Adaptado, mesmo que fique nas boas mãos de Alexander Payne.


Para flashbytes, necessariamente o chavascal de Sacha Baron Cohen na passadeira vermelha e, claro, Angelina: deusa.

Foram os Óscares, um dia quero ser eu. Quem sabe 2013.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Euro 2012: A última chamada


Paulo Bento já tinha dado a entender que, grosso modo, quem falhasse a Polónia, estaria muito provavelmente fora do Europeu.

A grande notícia foi, pois, a primeira chamada de Nélson Oliveira, sinceramente inesperada. O miúdo do Benfica - 2º melhor jogador do Mundial de sub-20 - é um talento de todo o tamanho, que só não é titular porque está no melhor plantel da Liga. Não se saberá se muito ou pouco influenciado pela ausência de Danny, mas Bento demonstrou sensibilidade e, nas suas próprias palavras, dota a equipa de um avançado diferente, que traz valor acrescentado. Não tem a leitura de Postiga, nem serve de referência como Hugo Almeida, mas tem potencial para arrasar qualquer um dos dois: é mais rápido, mais pujante, e o único capaz de jogar de trás para a frente no último terço do campo. Estar com um pé nos 23 é uma óptima notícia para a Selecção, e até deverá contribuir para que Jorge Jesus lhe dedique mais atenção nos próximos meses.

Pelo contrário, a ausência de Hugo Viana é incompreensível, vendo o nível a que está a jogar há meses. A única réstia de esperança é que tenha sido poupado para o derby entre Braga e Guimarães, mas custa-me a crer, e a verdade é que o seleccionador nunca o chamou. Hoje, Viana junta maturidade e fiabilidade à leitura e à técnica, e, para mim, a sua canhota encaixaria como uma luva no próprio meio-campo titular. Admito que Manuel Fernandes foi bem recuperado, pelo que dizem do seu crescimento no Besiktas de Carvalhal, mas com Carlos Martins e Rúben Micael a terem épocas tão pobres em Espanha, é impensável que o prejudicado seja Viana.

Outra dúvida era ver como Paulo Bento lidaria com os mais velhos, e foi respondida de forma clara: Quim, Nuno Gomes, e, de forma mais distante, Deco e Liedson, terão chances exíguas de ir ao Europeu. É a afirmação definitiva de um novo ciclo, que se compreende, apesar de, na minha opinião, os três últimos ainda poderem fazer a diferença a partir do banco.

No resto, baliza, centro da defesa e extremos são áreas pacíficas, mas fica alguma apreensão pelas laterais. Bosingwa é caso encerrado, mas a lateral-direita é, hoje, o ponto fraco da equipa: João Pereira não é fiável, e Nélson não é jogador de Selecção. Com Paulo Bento a definir, e muito bem, que só pretende levar 3 suplentes para o quarteto defensivo, Ricardo Costa é minimamente aceitável, pela polivalência do costume, mas, do mal ao menos, Sílvio ou Eliseu são claramente mais jogadores que Nélson, e com muito melhor passado recente.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Óscares, 84 - preview!


Grande espectáculo em perspectiva, desde logo porque em metade das grandes categorias não existem vencedores antecipados. Nalgumas - Actor, Actriz e Argumento Adaptado -, está mesmo tudo em aberto. The Artist é o grande favorito para Filme, Actor e Realizador, mas, nos Globos, Hazanavicius perdeu para Scorsese na Realização e, nos Critics Choice Awards, Dujardin foi batido por Clooney como Melhor Actor, daí que o monopólio nos principais prémios não seja crível. Como se não bastasse, há cereja no topo da cerimónia: a apresentação regressa à classe de Billy Crystal, depois do grosseiro erro de casting do ano passado:



As expectativas não poderiam ser melhores. Como sempre, seguem os bitaites para os vencedores mas, muito mais importante, sobre quem esses deviam ser:

FILME (vi 9/9)
Há muito tempo que não escondo o meu favorito: 2011 teve muitos filmes bons, mas só um verdadeiramente groundbreaking. The Tree of Life não vai ganhar o Óscar, mas é o filme mais colossal do ano, e estar na corrida até ao último minuto será, pelo menos, a réstia de justiça para a obra-prima de Malick. The Artist, que ganhou tudo até agora, é o vencedor anunciado, e é praticamente impossível que o Óscar lhe escape. Apreciei-o bastante, e o galardão ficará bem entregue, mas as minhas segundas opções eram Midnight in Paris, The Help e The Descendants.

ACTOR (4/5)
Jean Dujardin ou George Clooney, numa das categorias mais disputadas da noite. Clooney teve uma das prestações da carreira, em The Descendants, e já venceu o Globo de Ouro Drama e o Critics Choice, mas, ainda assim, é Dujardin (The Artist), que ganhou o Globo de Ouro Musical, o Sindicato de Actores (SAG) e o BAFTA, quem sai na dianteira. Não haverá vencedor injusto entre ambos, mas também eu torço pelo francês, que foi verdadeiramente icónico.

ACTRIZ (2/5)
Meryl Streep ou Viola Davis, outra disputa fervente da noite, e mais imprevisível do que a categoria anterior: Meryl venceu o Globo de Ouro e o BAFTA, Viola o Critics Choice e o SAG. São ambas perfeitamente sensacionais, num ano que é portentoso a nível de interpretações. Depois de ver The Help, mentalizei-me de que seria impossível não torcer por Viola Davis - uma actriz tremenda, sempre num nível altíssimo, e que nunca ganhou -, mas Meryl Streep é absolutamente arrasadora em The Iron Lady. No Domingo, terei de torcer pelo 3º Óscar da sua carreira.

ACTOR SECUNDÁRIO (4/5)
Não parece haver discussão quanto à vitória de Christopher Plummer, por Beginners, que ganhou absolutamente tudo até agora. O meu vencedor, contudo, seria sempre Nick Nolte, pela sua performance majestosa em Warrior. Plummer tem uma daquelas interpretações sempre muito caras à Academia, de um homossexual que se assume aos 74 anos, mas Nolte é perfeitamente arrepiante, na pele de um pai à procura de redenção. Do meu ponto de vista, também Max von Sydow, por Extremely Loud & Incredibly Close, seria melhor vencedor.

ACTRIZ SECUNDÁRIA (4/5)
Também aqui tem vigorado a unanimidade, quanto à vitória de Octavia Spencer (The Help). Gostei dela, mas, para mim, é uma categoria inquinada desde o primeiro momento, pela ausência de Shailene Woodley (The Descendants). A jovem de 20 anos foi a revelação do ano, e, depois da presença nos Globos e nos Critics Choice, falha de forma atroz os prémios da Academia. Para mim, foi ela a Secundária do Ano. A vitória de Olivia aceita-se, sobretudo porque é possível que seja o único prémio para um filme tremendo como The Help, mas não veria com maus olhos a vitória de Bérénice Bejo, por The Artist.

REALIZADOR (5/5)
Para mim, é a categoria mais rica da noite: 5 trabalhos notáveis de realização, que engrandeceram o ano de forma indiscutível. O grande favorito é Michel Hazanavicius (The Artist), que até agora só não ganhou o Globo de Ouro, perdido para Scorsese. Torcerei, necessariamente, por Terrence Malick (The Tree of Life), cujas probabilidades ínfimas de reconhecimento serão, aqui, um tudo ou nada superiores do que em Melhor Filme, mas admito que, a confirmar-se, Hazanavicius será um vencedor de corpo inteiro. Se não for para nenhum dos dois, nova surpresa de Scorsese seria bastante aceitável, porque Hugo é um trabalho mais de realização, e Midnight in Paris, de Woody Allen, de argumento, apesar de ser globalmente melhor. Alexander Payne seria a vitória mais estranha.

ARGUMENTO ORIGINAL (4/5)
O grande Woody Allen (Midnight in Paris) sai na pole-position, e para tornar-se no primeiro homem de sempre a vencer três vezes a categoria de Argumento Original. Até agora, e num belo ano para realizadores-argumentistas, só perdeu o BAFTA para Hazanavicius, mas, sinceramente, não considero que tenha adversário à altura: perder este Óscar era uma injustiça proverbial. Allen é um génio por quem vou estar a torcer avidamente, e que merece o tal recorde gravado a ouro na História dos Óscares.

ARGUMENTO ADAPTADO (5/5)
É a única categoria que já teve três filmes a serem distinguidos na época dos prémios: Alexander Payne (The Descendants), venceu o Sindicato de Argumentistas; Steven Zaillian e Aaron Sorkin (Moneyball), ganharam o Critics Choice; e Tinker Tailor Soldier Spy triunfou nos BAFTA. É o Óscar mais imprevisível da noite, ainda que me pareça que a corrida se vá fazer entre os dois primeiros, porque TTSS, além de ser um filme fraco, ganhou o Prémio da Academia Britânica, ou seja, a jogar em casa. The Descendants é um argumento (e um filme) globalmente superior, que sem este Óscar corre o risco de ir para casa de mãos vazias, o que seria criminoso. Moneyball, no entanto, tem centelha de génio. A vitória de ambos seria de enaltecer... mas daria o Óscar a Zaillian e Sorkin (este último que venceu no ano passado, com The Social Network).

ANIMAÇÃO (4/5)
Não me lembro de outro ano tão pobre em Animação: de nenhum dos nomeados pode dizer-se que faça a diferença. Não cheguei a ver Tintin, e ainda estou chocado com a presença de Kung Fu Panda 2, mas o mediano Rango, que venceu o Critics Choice e o BAFTA, já tem mão e meia no Óscar. Eu, pelo contrário, dá-lo-ia ao sedutor 2D dos espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal: Chico & Rita.

Na madrugada de Domingo para Segunda, a partir da 1 da manhã, saberemos.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

J. Edgar


Não é um filme que se despreze, mas é de trato muito difícil.

A vida é a do mítico John Edgar Hoover, fundador e presidente do FBI durante 48 anos (1924-72), que é retratado, por um lado, como um vanguardista, que inventou a estrutura moderna do FBI, e, por outro, como um homem conservador, orgulhoso, possessivo e profundamente assombrado pela sua sexualidade. Clint Eastwood exagera na penumbra e na austeridade, mas, ainda que não seja o seu filme mais inspirado, arranca várias cenas muito boas. O calcanhar de Aquiles é, porém, a inacessibilidade do argumento de Dustin Lance Black (que ganhou o Óscar, por Milk), que enfatiza a homossexualidade, mas quer falar de tudo ao mesmo tempo, e descura a história política de Hoover, em benefício da sua personalidade. O resultado é o filme tornar-se cansativo de assimilar, tendo um protagonista muito complexo e uma acção política razoavelmente superficial.

Verdadeiramente de alto nível só a performance de Di Caprio, que não se cansa de mostrar, vez sobre vez, um talento e uma versatilidade extremos: o desassossego e a insanidade do seu Hoover são coisa ao alcance de muito poucos. É de pasmar que se criem polémicas pela ausência de Gosling nos Óscares, e se ache que a de Di Caprio é normal.

J. Edgar ficou aquém das expectativas; Di Caprio não.

6/10

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Hugo


Um dos bons filmes do ano.

Sobressai, acima de tudo, a realização brilhante de Scorsese, que já lhe valeu o Globo de Ouro. Foi o seu primeiro filme em 3D, e o velho Marty saiu-se com a mestria de sempre, inventando um filme que é visualmente irresistível, do ambiente e da luz com que filma a Paris dos anos 30, à verdadeira grandiosidade dos cenários. Tudo em Hugo tem um brilho, um mistério e uma vertigem profundamente poéticos, como numa fábula idílica, e isso é mérito evidente da realização.

O argumento adaptado do consagrado John Logan (Gladiator, The Last Samurai) chega a ser muito bom, mas também é agridoce. A história do pequeno Hugo Cabret, um orfão que vive nos labirínticos intra-muros da Estação de Paris, é sobejamente empática. A sua vida dentro das paredes da estação é sedutora, a relação com um velho e misterioso lojista é bem conseguida, e a caminhada para descobrir o seu lugar é belíssima. O filme deriva, contudo, para uma homenagem aos primórdios do cinema que, mesmo que com bom gosto, baralha a acção, e desilude quanto à alma que seria necessária para fechar superiormente uma história como esta.

Asa Butterfield (The Boy in the Striped Pajamas), de 14 anos, é muito bom. Hugo tem várias semelhanças estruturais com Extremely Loud & Incredibly Close - a orfandade de pai, a busca por respostas no seu espólio e a descoberta de si próprio no processo -, mas, aqui, o protagonista é uma clara mais-valia: capaz de transmitir um propósito, Butterfield comove-nos pela sua extrema maioridade e abnegação. É um senhor, para quem estão reservadas grandes coisas no futuro.

Hugo é uma bela história, muito bem realizada e com um excelente protagonista. Para ser extraordinário, ficou a faltar-lhe génio no desfecho.

7/10

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Extremely Loud & Incredibly Close


Fraco.

O filme prometia uma certa pureza aventureira, apesar de se inspirar na premissa comum do filho que vai seguir pistas deixadas pelo pai que morreu, mas não é competente, muito devido a um argumento (adaptado) que é cansativo e redundante, autoria, imagine-se, de Eric Roth, que já criou, entre outros, obras do nível de Forrest Gump, Benjamin Button, The Insider ou Munich. A preponderância do 11 de Setembro é desnecessária e de mau gosto, a densidade da síndrome de Asperger no miúdo pesa muito - e o estreante Thomas Horn, de 14 anos, não consegue agarrar o filme -, a acção é conduzida de uma maneira superficial, e, ainda por cima, não acaba de forma satisfatória.

Salva-se, apenas, o trato da família a uma criança que é especial, mais a curta personagem de Tom Hanks, e, sobretudo, a performance de Max von Sydow, justamente na corrida para Melhor Secundário este ano.

De resto, Extremely Loud & Incredibly Close é só um daqueles filmes nados e criados para os Óscares - além dos nomes já citados, a realização é de Stephen Daldry (The Hours, The Reader), e o elenco ainda tem Sandra Bullock, Viola Davis ou John Goodman... -, e que só lá chegou por isso, já que o resultado final não justifica minimamente a nomeação para Melhor Filme.

5/10

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CAN 2012: a equipa


Melhor Jogador: Chris Katongo, Zâmbia (29 anos, Henan Jianye, da China)


Revelação: Pierre Aubameyang, Gabão (22 anos, Saint-Étienne, emprestado pelo Milan)

EQUIPA
GR: Aymen Mathlouthi, Tunísia (27 anos, Étoile du Sahel, da Tunísia)
DL: Kily Álvarez, Guiné Equatorial (28 anos, Langreo, 4ª divisão espanhola)
DC: Ecuele Manga, Gabão (23 anos, Lorient)
DC: Didier Zokora, Costa do Marfim (31 anos, Trabzonspor, da Turquia)
DL: Jean-Jacques Gosso, Costa do Marfim (28 anos, Orduspor, da Turquia)
MA: Chris Katongo
MC: Isaac Chansa, Zâmbia (27 anos, Orlando Pirates, da África do Sul)
MC: Houssine Kharja, Marrocos (29 anos, Fiorentina)
MA: Gervinho, Costa do Marfim (24 anos, Arsenal)
AV: Pierre Aubameyang
AV: Emmanuel Mayuka, Zâmbia (21 anos, Young Boys, da Suíça)

Menção honrosa:
MC: Samba Diakité, Mali (23 anos, QPR, da 2ª divisão inglesa, emprestado pelo Nancy)
MC: Younès Belhanda, Marrocos (21 anos, Montpellier)
MO: Mbark Boussoufa, Marrocos (27 anos, Anzhi, da Rússia)
EXT: Max Gradel, Costa do Marfim (24 anos, Saint-Étienne)
EXT: Eric Mouloungui, Gabão (28 anos, Nice)
AV: Youssef Msakni, Tunísia (21 anos, Espérance Tunis, da Tunísia)

Fazer esquecer a Megan. Não era para todas.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

The Iron Lady


É o filme mais subvalorizado do ano, e, possivelmente, a melhor biografia que já vi.

The Iron Lady é um retrato extraordinário de uma mulher extraordinária, que ilustra o presente assombrado de uma Margaret Thatcher no limite da demência, enquanto conta a sua história pessoal e política. O argumento de Abi Morgan (que, este ano, também assinou Shame) simpatiza com a líder - a conotação política pode, aliás, ter explicado boa parte do pudor com que o filme tem sido recebido -, mostrando-a como uma estadista maior do que os políticos tarefeiros, que subiu a pulso, e que só estava comprometida com o que entendia ser melhor para o país, mas não se esgota aí. Na verdade, considero que é honesto o suficiente para que qualquer um possa tirar as suas conclusões, sabendo distinguir o que admirar - a rectidão, a apologia do trabalho e da competência, e a vontade de fazer a diferença -, do que é a impraticável falta de sensibilidade política. É isso que o torna notável. A respeito do funeral de Álvaro Cunhal, Sousa Tavares escreveu que, ainda que não partilhem os mesmos ideais, as pessoas respeitam quem acredita nalguma coisa. É dessa forma que o leio.

Phyllida Lloyd, que só tinha no currículo um filme bem distinto - Mamma Mia! -, tem uma realização brilhante. Desde logo, porque abarca quase toda a vida de Thatcher em pouco mais de 1h30, sem acharmos que foi simplista, ou que meteu tudo ao barulho sem critério: consegue, pelo contrário, ser densa, aproveitando a riquíssima caracterização da protagonista, e deixa-nos a sensação de que a história não podia ser melhor contada. Depois, as narrativas entre-cortadas de passado e presente são feitas com conta, peso e medida, e, em vez de confundirem tudo - como em Tinker Tailor Soldier Spy, que investe no mesmo, mas de maneira infeliz -, dão uma óptima dinâmica. Por fim, a cereja no topo do bolo é a liberdade criativa com que se filma a demência. Enorme trabalho da britânica de 54 anos, acompanhado pela excelente banda sonora de Thomas Newman (Shawshank Redemption, American Beauty ou Cinderella Man e, este ano, também The Help).

Seja qual for a leitura, certo é que há unanimidade sobre uma coisa: Meryl Streep é providencial. Pode parecer crónico vê-la avançar para a 17ª nomeação, mas quem duvida só tem de ver o filme. Streep é um manual vivo de majestade na representação, e torná-la Thatcher correu tão bem como poderia ser concebível. Tem tudo: altivez, imponência, vulnerabilidade, coração e capacidade para nos arrepiar. Viola Davis foi brilhante em The Help, mas Streep é mesmo a Melhor do Ano.

Há coisas que não se percebem. O fracasso de The Iron Lady é uma delas.

8/10

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

E se o país fosse como Mourinho e Ronaldo?


Nem o campeonato estava perdido depois da derrota no Bernabéu, nem está ganho agora. É bom não esquecer que o adversário é, provavelmente, a melhor equipa da História, e que uma coisa que parecia impossível há um par de meses - ganhar-lhes uma prova de regularidade - não será, agora, um mero passeio triunfal.

No entanto, ter, a meio de Fevereiro, 10 pontos de vantagem para este Barcelona, é impensável. O Real só poderia ganhar um campeonato à melhor equipa de sempre se fosse perfeito, e é exactamente isso que tem sido. Quem acha que esta liga é resultado de um Barcelona "mais fraco", não faz a menor ideia: cada milésimo desta dezena de pontos é mérito integral de um Real que tem sido estratosférico, e que ameaça todos os recordes da História da Liga Espanhola, um Real que percebeu que tinha de ser muito melhor do que o melhor, para poder triunfar. Um Real que só o tem sido, sublinhe-se, graças aos dois maiores intérpretes de todos os tempos do Desporto português, dois extra-terrestres que nasceram para ganhar, e dos quais o país se devia orgulhar incondicionalmente, muito, mas muito mais do que o faz.

O Barça ameaça cair não porque se desmotivou, ou porque está diferente, mas porque nem a melhor equipa de sempre acreditou que o adversário se pudesse transcender tanto. Quem viu os últimos anos, quem percebe o que é este Barcelona, sabe que o campeonato que o Madrid está a fazer é uma irrealidade, cujo verdadeiro alcance só perceberemos daqui a muitos anos.

Sporting: uma tragédia que não acaba


"A saída de Domingos é uma questão que não faz sentido"
Godinho Lopes... no Domingo

Não é discutível que Domingos tenha falhado, como escrevi aqui recentemente. Mesmo na lógica de um projecto que não era, como é evidente, para meio ano, estar, à 18ª jornada, a 16 pontos do líder e a 8 do pódio, fora das meias-finais da Taça da Liga e na final da Taça só com todos os favores do mundo, é desolador. Domingos teve melhores meios que os antecessores, mas falhou, e é verdade que os sinais no imediato não eram encorajadores.

O problema é que, no Sporting, toda a gente falha. E ver a figura deplorável que Godinho Lopes fez de si próprio, depois do que disse anteontem, explica quase tudo. A direcção chegou a enganar - investimento, bons jogadores, bom treinador - mas, no momento do tudo ou nada, mostrou que não está à altura. Não é assim que se gerem equipas, e assim não se ganha nada. E para ter um exemplo, nem era preciso ir muito longe: bastava olhar para o Norte, e para a protecção que é dada a um treinador 10 vezes inferior a Domingos. Para Godinho Lopes, Luís Duque, Carlos Freitas, ou seja lá quem for que manda neste Sporting, salvar a pele foi mais importante. Será o clube a pagar por isso.

Sá Pinto não é uma aposta arriscada nem espirituosa: é, pura e simplesmente, a única aposta possível num momento em que nenhum treinador digno desse nome aceitaria o cargo. Na impossibilidade de ter alguém com trabalho a falar por si, a direcção agarrou-se à única coisa que podia garantir: o sportinguismo. Sá Pinto será um treinador-adepto, um apaixonado, mas é preciso mais do que vontade para triunfar, e olhamos para os últimos treinadores campeões - Villas-Boas, Jesus, Jesualdo, Trapattoni -, e parece que este já não é o tempo dos agitadores. A realidade é que se o Sporting tinha chance de conseguir alguma coisa no médio-prazo, seria sempre mais com Domingos do que com Sá Pinto. Para a direcção, contudo, os problemas do clube vão-se resolver pondo na rua o melhor treinador que estará ao seu alcance em muitos anos.

Por último, Domingos: fizeram-lhe um favor. É ele quem ficará melhor no meio disto tudo, saindo quase tão imaculado como entrou.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CAN 2012: Uma final épica, e o "espírito dos mortos que ainda está em Libreville"


Em 1993, o melhor grupo de futebolistas da história da Zâmbia morreu tragicamente num acidente de avião, ao largo do Gabão. Essa equipa viria a ficar a um único ponto do Estados Unidos-94, e, até agora, o país nunca chegou a jogar um Mundial. Ontem, exactamente no Gabão, a Zâmbia venceu incrivelmente, e pela primeira vez, uma Taça das Nações Africanas. Esta semana, quando todo o grupo foi benzer-se ao mar, em homenagem, o capitão Katongo disse que o espírito daqueles mortos estaria com eles. Com mais ou menos misticismo, ver uma equipa inteira de jogadores profissionais ajoelhada e a rezar em voz alta antes de um penalty decisivo, e assistir, depois, à lembrança eufórica da "geração perdida" foi qualquer coisa de inesquecível.

Tudo na vitória da Zâmbia foi arrepiante. Os Chipolopolo, ou "Balas de Cobre", como são conhecidos, foram underdogs do início ao fim e, sem um único jogador de nomeada, abateram o Senegal, o Gana e a Costa do Marfim. Nunca os tinha visto, e, portanto, nunca poderia imaginar o que valiam. A Zâmbia mistura os melhores mundos do futebol africano: por um lado, foi absolutamente inteligente a abordar o jogo, segurando-o com linhas de 4 defesas e 4 médios que pareciam betão; por outro, é uma equipa talentosa e contagiante, capaz de esticar o jogo num carrossel de velocidade e técnica, e disputá-lo num ritmo de parada e resposta, sempre de igual para igual, com a colossal Costa do Marfim. Hervé Renard (43 anos), ou o "Feiticeiro Branco", como lhe chamam na Zâmbia, até aqui com uma carreira discreta, fez um trabalho brilhante, por tudo o que se vê e, muito especialmente, pela química com os jogadores, tão incontornável no fim.

A Costa do Marfim tinha tudo a perder, e perdeu. Egipto, Camarões e Nigéria falharam a CAN, Marrocos, Senegal, Gabão e Gana falharam a final, e a equipa nem teve de sujar as mãos com nenhum deles, não tendo sofrido sequer um único golo em toda a competição. Faltava a final. O mais ingrato é que os marfinenses não foram displicentes, pretensiosos, nem jogaram mal: tiveram foi o azar de encontrar outra grande equipa, mesmo que, à partida, poucos fossem capazes de o ver. Na fábula da apaixonante Zâmbia, doeu, ainda assim, a falência de um Golias: Drogba perdeu o penalty mais importante da sua vida e deixou fugir, aos 33 anos, a chance de ganhar a primeira CAN da sua brilhante carreira. É impossível não nos rendermos aos zambianos, mas poucas seriam as vezes em que a queda de um gigante compadecesse tanto.

Quando o futebol lembrar 2012, este Zâmbia-Costa do Marfim lá estará, num lugar de honra. A CAN acabou da única maneira que lhe faria justiça: com paixão em estado puro.

Zâmbia - A equipa merece que se abra a boca de espanto. Fiável a defender é, contudo, no momento da construção ofensiva que tudo se ilumina. Chris Katongo (29 anos, joga na China) foi a figura maior, e já considerado o Melhor Jogador da CAN: é um capitão de corpo inteiro na extrema direita, consistente e constante, cheio de força, finta e faro pela baliza. Emmanuel Mayuka (21 anos, Young Boys) é a outra grande estrela, no coração do ataque. É agil e um mestre a jogar de costas para a baliza, a mover-se pela frente de ataque e a baralhar marcações, senhor de uma magnífica recepção de bola. Rainford Kalaba (25 anos, joga no Congo), que já passou por Braga, Gil Vicente e Leiria, completa o virtuosismo do trio de ataque, sendo o mais técnico e esguio, e fazendo uso de um remate fácil. Isaac Chansa (27 anos, joga na África do Sul) é um médio extraordinário, que chega ao ataque numa passada larga mas com pés de veludo, para abrir o livro numa explosão de técnica. E Félix Katongo (27 anos, joga na Zâmbia), irmão de Chris!, foi um substituto de luxo, a agitar todo o meio-campo ofensivo na sua condição de número 10.

Costa do Marfim - O melhor foi Max Gradel (24 anos, Saint-Etiénne), que saltou do banco para dar uma alma do tamanho do mundo aos marfinenses. Foi jogar para a extrema-esquerda, e fez um estrago tremendo, no seu jogo profundamente técnico, de desequilíbrios e diagonais. Didier Ya Konan (27 anos, Hannover) também entrou na 2ª parte, e trouxe intensidade ao miolo, para o que contribuiu a sua grande facilidade em aproximar-se da área. Em ambos os casos, mérito para as mexidas do técnico François Zahoui. A tempo inteiro, o melhor foi Gervinho, sempre ligado ao jogo, sempre difícil de parar (é ele quem ganha o penalty).

The Artist


À partida, a minha receptividade não era a maior. Discordava de quem falava num filme de grande coragem, por fazer-se um mudo em 2011, e de quem dava a entender que a forma do filme valia, por si só, o elogio: é que apostar num filme destes é, realmente, criativo... mas o risco era zero. Se fosse razoável, o revivalismo seria sempre apreciado; se fosse mesmo bem feito, tornava-se num hit, porque, afinal de contas, tinha-se feito aquilo com um mudo.

Certo é que The Artist é um filme surpreendente. Queria dar à sua forma uma importância relativa, mas salta à vista o brilhantismo da realização de Hazanavicius. O francês também escreveu o argumento - um drama romanceado sobre resistência à mudança, orgulho e decadência, com a matrioshki de ser um filme mudo sobre filmes mudos -, mas o que torna o resultado especial é a sensibilidade e a classe da sua realização, que não esconde a devoção pelo género, e que é capaz de compor todos os momentos do filme como uma peça de arte, alicerçada na poderosa banda sonora que se exigia. No fundo, Hazanavicius foi capaz de desmistificar todos os preconceitos: The Artist não é um filme mudo porque sim, mas um dedicado trabalho de autor, que presta uma respeitosa homenagem a um género perdido, e que, mesmo sem uma trama de cortar a respiração, constitui uma notável experiência cinematográfica.

Jean Dujardin é absolutamente icónico. Carismático, teatral e a encher o ecrã sem abrir a boca, é um verdadeiro figurão de revista daqueles tempos, que nos deixa na dúvida se, de facto, não terá sido teletransportado da Hollywood dos anos 20. A disputa do Óscar com Clooney será um duelo de titãs, mas, para mim, é mesmo ele o melhor actor do ano. Bérénice Bejo também merece a sua nomeação, numa performance entusiasta, de uma agilidade e alegria contagiantes. E, finalmente, vénia seja feita a Uggie, o Jack Russel Terrier que já tinha entrado em Water for Elephants, e a Omar Von Muller, que o criou e treinou: é um pequeno espectáculo e, em Cannes, até recebeu uma Palma de Ouro.

Na disputa mais do que anunciada com The Descendants para Melhor do Ano, tenho de escolher o filme de Alexander Payne mas, independentemente do que aconteça, The Artist é uma obra belíssima, que merece por inteiro o reconhecimento que está a ter.

7/10

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Vá lá que, de vez em quando, nos deixam jogar


Esta época, em sete jogos contra os grandes, só acabámos com onze jogadores em campo três vezes... e ganhámos sempre. Cada um tira as suas conclusões. À 18ª jornada, e depois de perder uma referência que rendeu 15 golos na primeira metade da época, o Marítimo continua a fazer o melhor campeonato da sua História, e segue no 4º lugar, à frente de quem investiu 10 vezes o nosso orçamento anual na sua equipa de futebol. Pelo resto, fala o banho de bola de hoje.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

CAN 2012: E, de repente, houve Costa do Marfim


A grande dúvida era saber se, quando chegasse a hora, a Costa do Marfim estaria à altura. E esteve, de facto. No jogo mais exigente de uma prova que tem sido, pelo menos, simpática, os marfinenses puxaram dos galões e mostraram o que vale a máquina. Se depois da Guiné sobraram dúvidas, agora é difícil não imaginar uma Costa do Marfim campeã africana: percebemos porque é que a equipa não sofre golos - força impressionante do quarteto da defesa, grande disciplina nas laterais, mais o pêndulo Zokora -, e vimos, finalmente, o que vale estarem ligados ao jogo, ao mesmo tempo, Yaya, Gervinho, Kalou e Drogba. Ficaram-se pela obra de arte de Gervinho, mas só por acaso, porque houve futebol para números gordos.

O Mali não foi, mesmo assim, o bobo da festa. A equipa de Alain Giresse valorizou o espectáculo, e contribuiu, indiscutivelmente, para a grande primeira-parte de Libreville. Os malianos perderam muito do jogo pela falta de capacidade defensiva e, em boa parte, de maturidade competitiva, mas, mesmo escasseando-lhes talento individual, foram uma belíssima surpresa a nível de estilo: privilegiam sempre o toque curto, e jogam um futebol apoiado que é atraente e os protege das suas fraquezas. Até a Costa do Marfim ter trancado o jogo em meados da 2ª parte, o Mali poderia ter sido feliz numa mão cheia de grandes jogadas, às quais só faltou mais do que o gigante Diabaté na frente. O velho Kanouté teria valido pela vida na cabeça do ataque.

Com a queda chocante do Gana nas meias-finais, será preciso um cataclismo para que Drogba não vença, aos 33 anos, a primeira CAN da sua carreira.

Costa do Marfim - Jogo de nível muito alto de quase toda a gente. O melhor em campo terá sido Yaya Touré. O colosso do City pegou no jogo, arrastou a equipa consigo e foi especialmente fracturante a aparecer na área adversária. Gervinho merece necessariamente o destaque pelo monumento de golo: sprint, classe a definir mas, sobretudo, o nó cego que meteu o defesa maliano numa cova. Numa exibição exemplar a nível defensivo, brilharam ainda Zokora, a âncora invisível, e Jean-Jacques Gosso (28 anos, Orduspor), um verdadeiro camião na lateral-direita.

Mali - Defesa e ponta-de-lança pobres, mas um grande pentáculo a meio campo (a equipa jogou em 4-5-1). Keita, claro, foi o farol, sempre com a bola colada ao pé, naquele seu jeito de monge paciente, mas ficaram na retina Yatabaré (26 anos, Guingamp), o mais rápido, pela direita, e Samba Diakité (23 anos, QPR), muito forte, mais no miolo. Nenhum especialmente desequilibrador, mas todos com muita noção dos momentos do jogo, numa teia de valorização da posse de bola à qual só faltou definição à frente da baliza.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O dia em que até eu tive vergonha de festejar uma derrota do nacional


Não vou bancar hipocrisia nenhuma: o nacional estar fora do Jamor é uma vitória em qualquer dia do ano. Ainda assim, até para mim é inenarrável a verdadeira espoliação com que o Sporting chega à final da Taça. O penalty-fantasma precedido de fora-de-jogo com que Pedro Proença salvou a época do Sporting devia arrasar qualquer um, no clube ou em qualquer grande português, que tenha um pingo de vergonha na cara. A fazer do choradinho o modo de vida, o Sporting chega ao Jamor depois de duas eliminatórias que foram autênticas aberrações terceiro-mundistas. O futebol português é um verdadeiro circo, e só o é porque somos todos palhaços conformados.

P.S. - Na flash-interview, nem uma pergunta a Domingos sobre o penalty. A comunicação social complacente e contaminada é, necessariamente, um dos maiores culpados pelo estado de coisas.

Não pôde ser para nós, que seja para vós, Briosa




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Downton Abbey, season 1


A distingui-la numa palavra, seria sempre requinte. Downton Abbey é a história de uma imponente família nobre da Inglaterra rural do início do século XX, e esbanja classe do contexto ao tratamento de toda a acção. O argumento é um monumento, e dá-nos uma imagem notável do que era o modo de vida, os costumes, os preconceitos, as mentalidades e as novas descobertas desses anos. A devoção pelos detalhes é qualquer coisa de apaixonante, e, em muitos aspectos, Downton Abbey é quase uma lição de História.

Além disso, no sumo propriamente dito, a série evidencia-se por uma característica que distingue as melhores: pegar num contexto normal, sem espectacularidades ou exageros, e tecer um retrato absolutamente brilhante das relações humanas. Fala de legado, no Senhor que precisa de preservar a obra da sua vida e não a pode deixar às próprias filhas, de ter de viver à altura das expectativas, de respeito e reciprocidade entre nobres e servos, e da extrema dignidade de quem serve, da inveja que é transversal, e da maldade que não se pode conter, da perda de quem nos é mais querido, da falta de linearidade das histórias de amor, e da amargura por acções irreflectidas e por oportunidades perdidas. Ainda melhor é a classe pura com que fala de tudo isto, quase sempre de uma forma subtil, em metáforas e pequenas linhas segredadas, numa expressão ou num olhar comprometido.

Hugh Bonneville (Robert Crawley, Lord of Grantham) é um belíssimo lead, um homem profundamente apaixonado pela sua família e pela sua Downton, moderno, justo, averso a questiúnculas e em quem se pode confiar, muito fácil de lidar e profundamente empático. "Conversar" com ele é quase sempre abrir os horizontes. Jim Carter (Mr. Carson) é o imponente mordomo-chefe, a imprescindível força motriz de toda a casa, reverente e austero, mas com um bom coração e um grande sentido de justiça. Brendan Coyle (John Bates) é o escudeiro pessoal de Lord Grantham, um homem que ficou coxo em combate, amargurado, assombrado e sóbrio, mas que é um exemplo de integridade e uma profunda inspiração para quase todos com quem se cruza. Maggie Smith (Condessa-Viúva de Grantham) fecha o leque de melhores actores, na sua condição de matriarca absolutamente cáustica, nobiliárquica imponente e defensora dos velhos costumes. O romance entre Michelle Dockery (Lady Mary Grantham, filha primogénita do Lorde) e Dan Stevens (Matthew Crawley, o parente da cidade e legítimo herdeiro) tem, também, um valor muito próprio.

A primeira temporada (2010, de 7 episódios) acaba na antecâmara da I Guerra Mundial, pelo que melhor aperitivo era impossível para a que se segue, e a season 3 já foi confirmada para Setembro deste ano. É muito difícil não ficar rendido a Downton Abbey.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sometimes the truth isn't good enough


Acreditei, até ao último segundo, que Contador não fosse condenado. Não alguém tão bom como ele. Contador foi o segundo melhor ciclista que vi nestes anos todos, só atrás de Armstrong. Mais do que um prodígio em cima da bicicleta, das tácticas ou da equipa, era a superioridade da atitude que o distinguia de quase todos: Contador não era o melhor só porque tinha talento, era o melhor porque só sabia correr para ganhar. É daquelas coisas que não se aprende, tem de nascer connosco. No pelotão internacional dos últimos anos, talvez se equiparassem a ele em talento, em capacidade de sacrifício ou em resultadismo; nunca em mentalidade.

A condenação de hoje é desoladora. Não chega, porém, para me converter. Escrevi aqui, em tempos, que se Contador caísse, perdia-lhe todo o respeito, e o ciclismo deixava de fazer sentido; a verdade é que não consigo. Contador dopou-se e mais um gigante deixou-nos ficar mal, tornou-se mortal como nós. Mas páro, lembro-me dele a correr sempre contra todos, porque nunca precisou de ser o tipo simpático ou o bom perdedor, lembro-me dele a atacar quem fosse preciso, mesmo sem ser preciso, e penso no quão inconcebível é ter Schleck a ganhar um Tour e Scarponi um Giro, depois de andarem a cheirar a sua roda, apavorados, durante três semanas.

Contador descredibilizou a sua profissão, e desiludiu e perdeu a consideração de muita gente, mas até as lendas têm o direito de ser humanas às vezes. E grandeza competitiva não há doping nenhum no mundo que possa dar.

Agradecemos todos


Ninguém faz milagres sozinho, mas, ao vê-lo jogar, é legítimo que os portistas ponham todas as fichas nas suas botas. Lucho continua a ser um espanto, e continua a tornar melhores todos à sua volta. Poucos seriam os jogadores cujo regresso engrandecesse tanto um campeonato.

A falência dos heróis


Apaixonante, o Gabão foi poético até no momento de cair: só podia ser Aubameyang a entrar para a galeria de Baggio, Terry ou Gyan, de todos os grandes que, um dia, falharam o penalty mais importante das suas vidas. A CAN 2012 ficou irremediavelmente mais pobre.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Que não falte nada ao nosso futebolzinho


Não bastava, obviamente, que na aberração que é o formato da Taça da Liga, os grandes fizessem 2 dos 3 jogos em casa, incluindo o terceiro e decisivo. Nem sequer que o Benfica, hoje, já estivesse a ganhar. A meia hora do fim, e no momento em que o Marítimo ataca, o mesmíssimo Soares Dias que nos pôs vomitavelmente fora da Taça de Portugal, achou que uma disputa no ar sem um pingo de intenção de agredir, valia vermelho directo. Nunca é demais no futebol português, nunca. Interessa é que, no fundo, estamos todos mais contentes - nós, a SIC e a Bwin - porque no dia 21 de Março vai poder ser transmitido o único clássico do ano em canal aberto.

Nos primeiros 14 jogos da época nenhum jogador do Marítimo foi expulso; nos últimos 12 - que incluíram três jogos com o Benfica, e um com Porto e Sporting -, foram 7. O nosso azar é impressionante.

CAN 2012: Costa do Marfim-Guiné Equatorial


A Costa do Marfim foi uma desilusão. O dream team da CAN não tem estilo nem atitude; é, na verdade, uma equipa sobranceira e pretensiosa, que não valoriza o espectáculo, limitando-se a contar com que as suas individualidades brutais garantam o serviço. Os marfinenses bateram a Guiné Equatorial quase sem esforço - uma selecção milagreira de um país com 700 mil habitantes, que chegou aos quartos-de-final na sua primeira participação, com titulares da 4ª Divisão Espanhola! - mas, à parte Drogba, foram sempre uma equipa perfeitamente descomprometida com o jogo. Mesmo a continuar assim, com matéria humana que dava até para discutir um Campeonato da Europa, a Costa do Marfim arrisca-se sempre a ser Campeã Africana. Não duvido é que, nas meias-finais, Gana ou Tunísia possam ser uma surpresa muito amarga para a geração de ouro marfinense.

Costa do Marfim - A equipa deixou uma má imagem, mas nunca por causa do seu líder: Drogba continua a ser um futebolista extraordinário e uma verdadeira inspiração em campo. É ele a candeia que alumia o caminho, e se ontem não chegou para contagiar os colegas, foi, em boa parte, porque arrumou ele próprio a partida, com dois golaços. A outra nota de destaque foi Max Gradel (24 anos, Saint-Étienne), um box-to-box entusiasta, e com muita facilidade em arrastar a equipa consigo.

Guiné Equatorial - Numa equipa totalmente modesta, que nunca conseguiu discutir o jogo, Kily Álvarez foi o nome que saltou à vista: é um lateral direito de alta rotação, com uma condição muscular a lembrar Maicon, que enche o campo nos seus vaivéns, sendo poderoso a defender e a vida da Guiné a atacar. O incompreensível é que jogue, aos 28 anos, no pequeno Langreo, um clube da... 4ª divisão espanhola. No Verão, deve mudar de vida.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

War Horse


É o filme mais infeliz da carreira de Spielberg.

War Horse é uma aberração, na qual não acreditaria se me contassem. O filme é um devaneio perturbador sobre humanizar um cavalo, e conta a história da vida desse cavalo que, por acaso, mete pelo meio uma Guerra Mundial. Não sei qual era a ideia de Spielberg, mas ainda me custa a crer que tenha sido ele. O cavalo só não fala: de resto, cria grandes laços e é ouvinte de toda a gente, é hiper-altruísta e sacrifica-se por outros cavalos, tem todo um jogo de olhares, tem um fraquinho por ser um MacGyver fazedor de impossíveis, e tem mais histórias da guerra do que quase todos os homens que alguma vez por lá passaram.

O pior de tudo é, sem dúvida, a relação quase carnal do protagonista com o bendito cavalo. A ideia era contar uma história de companheirismo diferente, e fazer do cavalo o melhor amigo do homem, mas falhou rotundamente: é infeliz nos planos, no toque, na química, na adoração, em tudo. E não se pense que o filme chega, sequer, a enganar: os primeiros 20 minutos fazem questão de deixar logo a nu a psicose que ainda estava para vir nas duas horas seguintes. War Horse não tem argumento, não tem empatia e não tem personagens: tem um cavalo antropomórfico, e as ilações um bocado perturbadoras que se achou de tirar da sua história de vida.

A única coisa boa do filme é a cinematografia de Janusz Kamiński, colaborador de Spielberg há 20 anos. Celine Buckens, uma estreante de 16 anos, é a única que merece reconhecimento a nível interpretativo. Só há uma grande cena - de um britânico e um alemão nas trincheiras, perto do fim - e, de quando em vez, a realização de Spielberg, mas à volta é tudo tão esquisito que até fica mal destacar.

War Horse é, pura e simplesmente, uma das piores coisas do ano. A nomeação para o Óscar de... Melhor Filme poderia preencher o anedotário da Academia para 2011.

4/10

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Da grandeza



Caldeirão dos Barreiros, há mais de 60 anos. Então como hoje, só havia verdadeiramente uma equipa na Madeira