terça-feira, 27 de novembro de 2012

Prometheus


Ridley Scott voltou aos primórdios e, mais de 30 anos depois, reentrou no universo do seu velho Alien (1979). Prometheus foi idealizado, há mais de uma década, como um 5º episódio da saga, mas, pelo caminho, Scott teve outras ideias, e resolveu fazê-lo uma prequela. Não uma prequela exactamente engajada na história, mas apenas prévia temporalmente, compartilhando o universo e elementos comuns, mas independente na história.

Prometheus é, sem dúvida, ficção científica de bom nível. Visualmente chega a ser extraordinário, capitalizando, em melhor, tudo o que é legítimo esperar do orçamento de um blockbuster sci-fi. O trabalho de Ridley Scott é excelente. A realização é sempre sóbria, inteligente, até elegante. Ao contrário do que poderia ser expectável, resiste à tentação de fazer um filme de excessos, pesando muito bem o espectáculo da acção, e sendo relativamente cirúrgica no horror, o que a valoriza bastante.

Já o argumento de Damon Lindelof (Lost), tendo qualidade, perde-se num certo labirinto. Tem muitas ideias, muitas pistas, mas uma imensa dificuldade em concretizá-las, deixando demasiadas pontas soltas sem nexo e sem resposta, e desaproveitando algumas ideias muito boas (a dimensão mitológica criatura-criador, a questão de fé, etc). O filme seduz, com uma sugestão de grandiosidade, de mistérios a revelar, mas acaba por não estar à altura no desfecho. De qualquer forma, não está em causa que o thrill é interessante e bem escrito, e que não abusa de grandes clichés.

Sem grandes prestações individuais, Noomi Rapace foi uma boa lead, tensa, reactiva e sempre genuína, acabando por assinar uma das cenas de horror do ano. Fassbender também passou bem, no registo mecânico, entre o levemente diabólico e o indecifrável.

No global, é justo reconhecer que, sem ser o filme genial que insinua várias vezes, Prometheus está longe de ser um blockbuster qualquer.

7/10

Guardiola e o Brasil. A História à espera de ser


Foram feitos um para o outro.

O futebol quente do toque, da finta, sempre com um sorriso gozão na cara. Sem correrias, sem violências, só com um copo na mão e a bola colada ao samba dos pés. Tudo o que for possível fazer com uma, eles sabem. Magia em cada metro do campo. Crescem assim, está-lhes nos genes. O futebol nasceu em Inglaterra, mas só no Brasil é que ficou a cores.

Ao seu encontro, um filósofo. O treinador que desconstruiu o jogo até ao seu elemento nuclear. Tudo pela bola, nada contra a bola. Não correm os jogadores, ela é que corre. O primado da técnica, da inteligência e do critério. "Joga bonito", entretenham as pessoas. O treinador que, qual feitiçaria, teve mais posse em todos os jogos que fez como profissional. O homem que, enquanto crescia na fábrica de sonhos de La Masia, inventou o tiki-taka que, qual urânio enriquecido, valeu, em 4 anos, 2 Ligas dos Campeões, 3 Ligas Espanholas e mais 8 títulos, fora o Europeu e o Mundial espanhóis dos quais tem os direitos.

Tudo a tempo de que, na iminência do glorioso Mundial do Brasil, pudessem estar aí os dois, livres um para o outro. O Mundial com que o Brasil sonha há anos, um Mundial cujo conto de fadas se compõe todos os dias, o conto de fadas do pentacampeão que anda desencontrado há uma década, só para ter descoberto o seu novo Pelé, Neymar, Neymaravilha, um predestinado protegido a todo o custo na pureza do Brasileirão, à espera que chegue a hora de liderar a selecção mais jovem de sempre (Óscar, Ganso, Pato, Damião, Moura, tantos tão novos, e ninguém nos 30) rumo ao deslumbramento do mundo e à vingança do Maracanazo, meio século depois.

A selecção das selecções, jovens, magia e um prodígio. O Barça, mas com mais sol, mais alegria e a falar português, uma profecia destinada a fundir o Brasil e Guardiola, e a fundir o futebol num mesmo conceito. Dizem que não, que Guardiola prometeu aos filhos, que Guardiola quer o ano sabático, que é impossível, que talvez Scolari ou Muricy ou Tite. Eu digo que, à História, não se diz não.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Serviço público obrigatório


Mais um privilégio de episódio do Momentos de Mudança, na SIC.

Uma chicotada de realidade, um apelo e uma provocação ao que deve ser a juventude em Portugal, a seguir as passadas do entusiástico Miguel Gonçalves, entre as suas corridas pelas universidades portuguesas, os seus projectos pessoais e uma visita atordoante a São Francisco, para conhecer o lendário Silicon Valley.

Um enaltecimento a chegar-se à frente, a acreditar em si próprio e a vingar pelo mérito. As universidades e a vintena de anos como os viveiros onde se nos deve exigir génio, risco e aposta, como a única grande saída para um país impreparado, sem cultura de excelência e parco em oportunidades, que desconfia dos estudantes. No fim de contas, o futuro não é o que o país pode fazer por nós, é o que nós temos de fazer dele. E ele será tão bom como nós pudermos ser.

Inspiração a cada frame, em mais um retrato sensacional de Cândida Pinto, João Nuno Assunção (jornalistas) e Jorge Pelicano (imagem), mandatório dos 15 aos 40.

Crónica de um fim anunciado


O fim choca em si, mas não se pode dizer que seja inesperado. Depois da catástrofe de início de época, o ano do Real resumia-se a um estranho jogo de equilibrismo numa linha fina e sem rede. Era preciso ganhar sempre, jamais voltar a falhar, e ficar a contar com que, algures num par de vielas dos próximos longuíssimos meses, o Barça pudesse sangrar.

A realidade foi ainda mais madrasta do que o cenário. O Barça de Tito, quando era legítimo especular com dores de mudança, tornou-se numa máquina ainda mais alucinante do que já era costume, num quase totalista de pontos sem dias maus. O Real, por seu lado, foi-se aguentando como pôde, esteve à altura no Camp Nou, salvou a Champions, sobreviveu uma e outra vez a analgésicos, mas nunca escondeu uma verdade hostil: a de que o falhanço lhe espreitava a cada esquina. Não mudou nada de verdadeiramente substancial em relação ao ano passado, e, no entanto, não houve forma do Madrid encontrar-se. Uns quantos golos fora de horas andavam a adiar o inevitável, mas a segunda visita a Sevilha finalizou o que a primeira tinha começado. Já nem um milagre dará esta Liga a Mourinho.

O problema não é não ter acompanhado este Barça, é não ter estado à altura do que era legítimo exigir a um campeão. 4 empates e 4 derrotas no fim de Novembro podiam arruinar qualquer época. Se o adversário é o Barça, põem-lhe mesmo um ponto final. A esta distância, os 6 meses que se seguem são, no mínimo, assustadores. A Champions, ainda por cima, só volta em Fevereiro, e ver o Real a bater-se por um segundo lugar, durante meses a fio, é um cenário que roça o insuportável.

Mourinho fica numa situação sinceramente fragilizada, que não imagino como poderá gerir no futuro próximo. Ter 25 jornadas à deriva pela frente, a viver para a miragem da Liga dos Campeões, parece demais, até para ele.

domingo, 25 de novembro de 2012

12 Angry Men (1957)


Uma prova sublime de como não existem filmes novos e velhos. Uma grande história é sempre intemporal, e o grande cinema não é mais do que um punhado de grandes histórias que valerão sempre a pena.

1h30 filmada numa única sala. 12 homens sem nome. Um júri reunido para ajuizar um homicídio em primeiro grau da parte de um jovem descendente de imigrantes. Nenhum malabarismo, nenhuma conspiração. Um filme tão puro quanto possível: a câmara brilhante de Sidney Lumet, interpretações vertiginosas (Henry Fonda um ícone, Ed Begley febril, Lee J. Cob electrizante), e um texto perfeitamente genial de Reginald Rose.

O juízo e a honestidade intelectual dos homens, a perversão e a linha fina por onde tem de subsistir o sistema ideal, os preconceitos, as afectações pessoais e o carácter necessário para avaliar o primado da dúvida razoável.

 Uma obra-prima.

sábado, 24 de novembro de 2012

O meu reino por um médio


Há 5 ou 6 equipas na Europa das quais se pode dizer, com certeza, que jogam realmente para ganhar tudo. O United, como é evidente, é uma delas. Com a liderança da Premiership a um fio, e o grupo da Champions ganho, a época está a correr bem, e o ataque, não só tem deslumbrado, como tem ganho, muitas vezes por si só, jogos atrás de jogos.

Apesar disto, há uma coisa que tem de perturbar todos quantos vêem os jogos da equipa de Ferguson: a pobreza inacreditável do seu meio-campo, que tem sido mais ou menos negligenciado a nível de reforços ao longo dos últimos anos. Esta época até poderia ser diferente, já que Kagawa foi resgatado ao Borussia por 25 milhões. Infelizmente para o Manchester, o talentoso japonês, que até começou muito bem a época, teve uma lesão complicada, e voltou a escancarar a vulnerabilidade do sector. Old Scholes e Magic Ryan, realisticamente, já só são jogadores de balneário. Carrick é um trinco de parcas ideias, Fletcher não tem talento que chegue, Cleverley continua a ser um ponto de interrogação, e Anderson é um case study perturbador, de um criativo genial que se tornou num operário mais ou menos inexpressivo.

Os 7 avançados de luxo têm dado para quase todas as encomendas, mas, ao ver o Manchester jogar, chega a ser agonizante a falta de rasgo na cabeça da área. Diria mesmo que, qualquer médio titular, de qualquer uma das melhores equipas europeias, jogaria de caras no meio-campo de Ferguson. Com Ozil, Modric, Yaya, Silva, Óscar, Hazzard, Bastian, Kroos, Goetze, ou com uma perna de qualquer médio do Barça, é possível que o United fosse totalista de pontos na Premier League. Em Janeiro, não pode haver nada na mente de Ferguson que não o reforço sério do sector porque, mesmo que o seu ataque continue a desafiar quase todas as leis, dificilmente se ganham títulos sendo rudimentar a criar jogo nas costas dos avançados.

In the Name of the Father (1993)


Verdadeiramente brilhante.

Daniel Day-Lewis, então com 35 anos, e já depois do primeiro Óscar, é avassalador, na sua encarnação de personagem própria de um artista plástico, camaleónico, poderoso e emocional. Acompanham-no, à altura, um Pete Postlethwaite de extrema grandeza e empatia (faleceu no ano passado), e uma Emma Thompson com engenho e carisma, também no início dos 30.

A realização de Jim Sheridan é genuína e inteligente, capaz de concretizar cenas de um nível altíssimo quando elas se proporcionam, e a banda sonora evidencia-se, com excelente música de época e com o magnífico single "You Made Me the Thief of Your Heart", cantado por Sinead O'Connor e escrito por Bono, e que foi nomeado para o Globo de Ouro de melhor Música Original.

Finalmente, a adaptação de argumento da história verídica de 4 norte-irlandeses erradamente condenados por um atentado à bomba em Londres, em 1974, no pico do separatismo que opunha a Irlanda do Norte à Inglaterra, é genial. Terry George (que escreveria depois Hotel Ruanda) e o realizador Jim Sheridan fazem do livro de Gerry Conlon (personagem de Day-Lewis) um texto perfeito para o ecrã, com classe e consistência a reproduzir a cadeia de acontecimentos, com uma aposta bem medida nos momentos certos, e com uma pessoalidade e uma densidade nas personagens absolutamente fantástica, que faz de um evento histórico, igualmente uma história comovente sobre paternidade, e sobre a descoberta de si próprio, de um lugar no mundo e daquilo em que se acredita.

In the Name of the Father foi nomeado para 7 Óscares (Filme, Realizador, Actor Principal, Secundário, Secundária, Argumento Adaptado e Edição), e, mesmo não tendo ganho nenhum, é um indiscutível must-see.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um Obama branco


"Todos sabem que o silêncio do Presidente da República é de ouro, hoje a cotação do ouro foi 1730 dólares por onça, uma onça são 31 gramas, mais 1,7% do que a cotação do ouro naquele dia de setembro em que a generalidade dos portugueses ficou a saber o significado da conjugação de três letras do alfabeto português: "tê, ésse, u" (TSU)"
Excerto do stand-up de Cavaco, ontem à noite

Heróis do mar, ainda há esperança! O desemprego sobe, os salários baixam, vão-se os subsídios, aumenta o IRS, o IVA e o ar na rua, os jovens emigram, a troika puxa-nos a trela, temos greves todos os dias e estamos quase a incendiar a Assembleia. Mas afinal há esperança, nação valente. Não que já não soubéssemos todos que, ao menos, temos o privilégio de ser liderados por um estadista nestes tempos amargos. Deus dá as piores batalhas aos seus melhores soldados, e a nós, reencarnou-nos o Afonso Henriques, deu-nos um John Connor do futuro para velar por nós, pôs-nos no Palácio o segundo líder mais carismático do Ocidente, e segundo se não estiver num dia bom, o Obama que se amanhe.

Ontem, estava num dia bom, graças a deus. O povo até amanheceu mais contente, o dia até pareceu mais bonito na rua. O Cavaco não falou, nobre povo!, o Cavaco fez piadas num jantar. Foda-se, é que já nem tristeza, nem frustração, nem falta de dinheiro deveis sentir! Muito menos fome, nação imortal, ou não soubéssemos que o nosso Grande Líder passa ele próprio as passas do Algarve, e ontem fez de luz da nossa vida só com uma côdea de pão bolorento no estômago, ou provavelmente nem isso.

Na Grécia, o Presidente Papoulias (83 anos) disse isto há um par de meses: "Não aceito insultos ao meu país feitos pelo senhor Schäuble. Não aceito isso como grego. Quem é o senhor Schäuble para ridicularizar a Grécia? Quem são os holandeses? Quem são os finlandeses? Teremos sempre orgulho em defender não apenas a nossa liberdade, não apenas a liberdade do nosso país, mas a liberdade de toda a Europa." Que exibicionista barato. Nada que se compare à dignidade do beato Cavaco, que, nesse mesmo dia, estava custosamente de pijama, debaixo dos cobertores, a tentar congeminar uma boa piada ou duas, só para nos aliviar a dor assim que possível, ou seja, daí a uns 6 meses, quando saísse da Alegoria da Caverna em que vive.

O Conquistador fez de nós um país, o Rei-Poeta lançou-nos as bases modernas, o Príncipe Perfeito fez de nós a potência global. Daqui a 100 anos lembrar-se-ão do Obama branco, do Presidente que, conta a lenda, vivia numa torre como a Rapunzel, e tinha feito um voto de silêncio como a Irmã Lúcia, mas que, quando se dirigia a um país em agonia com a segunda maior crise económica do século, país cuja única certeza era que não podia contar com ele para nada, ainda era patriarca para consolar os conterrâneos, com nada menos do que umas piadas pseudo-paliativas sobre o seu impensável e insuportável vazio político.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O que ganhámos


A um quarto-de-hora do fim, a minha frustração era que ninguém estivesse a ver. Que ninguém fosse ver, que ninguém ouvisse falar. Estávamos a jogar no mítico St. James Park, estádio de um dos históricos ingleses, com mais propriedade do que se estivéssemos a treinar na nossa própria casa. Confiança, moral, alegria de jogar, de tocar a bola, capacidade para olhar o adversário de frente, ir para cima, tentar a sorte, tentar ser feliz, tentar não ir embora sem deixar no campo, no maior dos palcos, o quanto merecíamos estar ali. Que jogão estava a fazer o Marítimo. Com muito mais posse de bola, muito mais remates, infinitamente mais atitude. 6 milhões de euros para nós, 90 para eles. O Krul, o Coloccini, o Ben Arfa, o Cissé, o Ba do outro lado. Uma brutalidade. E nós a sermos aquilo tudo, e a perdermos pela única infelicidade de ataque deles.

Amanhã teria sido só mais uma derrota. Desta vez, porém, fechámos a cara e fizemos o que tínhamos e o que não tínhamos para este não ser só mais um jogo sem história. Não ganhámos, estamos fora, não vamos abrir telejornais. Mas o golo do Fidélis vai recordar este Marítimo com o respeito que merece, vai emprestar a admiração devida às crónicas, e vai fazer com que aquela gente se lembre que, numa noite fria da Liga Europa, houve uns tipos sem dinheiro mas com um coração do tamanho do mundo, a quem o grande Newcastle não chegou a conseguir ganhar.

Hoje acabou o sonho. 0 vitórias, 2 golos marcados, não há muitos milagres no futebol. Talvez acabemos em último do grupo. De certeza é que valia a pena fazer tudo outra vez. E, com um nó na garganta, enquanto ouvia a nossa gente a gritar Marítimo no silêncio da Premier League, só pensava que quem me dera ter estado hoje no St. James Park, a honrar mais um agigantamento deste tremendo grupo de jogadores. Perdemos a aventura nos resultados, mas ganhámos uma infinidade nos campos. Mostrámos ao Brugges e ao Bordéus e ao Newcastle que, mesmo que o orçamento 10 e 15 vezes inferior não nos faça ganhar no fim, até lá, podemos ganhar seja a quem for. A prova de dignidade e de grandeza não se paga, e é a razão porque, de uma ilha pequenina do Atlântico para o mundo, qualquer um de nós sabe o orgulho que é poder dizer que somos do Marítimo.

Hoje não ganhámos nada, mas, enquanto escrevíamos mais um dos dias para explicar o que é o verde e o vermelho, começámos a ganhar o que pode ser o Marítimo do futuro. Saímos disto melhores, e saímos com a certeza de que é uma obrigação voltar ao lugar onde merecemos estar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mancini ainda acreditou no Pai Natal


O Campeão Europeu decidiu estrear ontem uma equipa com 5 defesas, perdeu feio, ficou com um pé fora da Champions e perdeu o treinador esta manhã. Mancini deve ter achado piada porque, hoje, na iminência do seu City, a equipa mais cara do mundo, falhar a Liga dos Campeões rotundamente pelo segundo ano seguido, também ele achou que receber o Madrid com 5 defesas era uma ideia de valor.

Na primeira meia-hora, o Real deu um festival que podia ter rendido 5 golos, e garantido a Mancini o mesmo destino do conterrâneo Di Matteo. Depois de Benzema, Nastasic salvou em cima da linha, Khedira picou a relva em vez da bola, ninguém conseguiu aproveitar o incêndio de Ronaldo na ala esquerda, ao som dos seus tão queridos assobios, e o Real perdoou. O italiano teve, então, a epifania de voltar a jogar com 4 defesas, fazer entrar um trinco e regressar ao esquema habitual.

O Real moderou-se e o City cresceu, mas nunca o suficiente, até que Arbeloa fez um penalty e foi expulso. Com um quarto de hora para jogar em superioridade (e as pontas finais são uma especialidade citizen), Mancini deve ter sentido que talvez o seu Natal tivesse chegado mais cedo. Não chegou. O City não merecia ter perdido no Bernabéu, mas hoje podia ter sido trucidado. A estrelinha que então faltou a Mancini, teve-a hoje, e mesmo assim o City não foi bom o suficiente.

Individualmente, Xabi Alonso fez uma monstruosidade de jogo. Um metrónomo em todos os momentos, brutalmente inteligente a compassar a equipa, capaz de entregar qualquer bola no pé a 50 metros, mesmo que tivesse uma floresta à frente. O seu jogo nos 15 minutos de inferioridade do Real foi um tratado. O primeiro regresso de Ronaldo a Manchester não passará a História, mas foi ele quem encheu o campo, quer a deslumbrar na primeira meia-hora, quer a chegar sozinho para a defesa do City, quando foi preciso. Ridícula a forma como só lhe marcaram 1 de cada 2 faltas que sofreu. Finalmente, no City, foi Silva quem carregou toda a ilusão. Começou mal a época, andou lesionado, mas está a regressar ao nível prodigioso do ano passado. A forma como solta a bola no último terço é coisa de outro mundo, que faz da equipa, não raras vezes, bem mais capaz do que é.

Pelo segundo ano seguido, o City volta a ser um desastre europeu. Desta vez, o agora campeão inglês nem foi capaz de esperar pela última jornada para fazer as malas, e precisou da graça de mais um passeio do Borussia em Amesterdão, para não perder até a vaga na Liga Europa. No cargo, Mancini é, de vez, o dead man walking que sempre pareceu. Resta saber se ainda é capaz de fazer um campeonato tão extraordinário que o aguente até ao Verão.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Não se vai a Turim tentar enganar uma Velha Senhora


Grande exibição do Campeão Italiano, a lembrar as velhas grandes noites europeias de que andava arredado há anos demais. Extrema personalidade, segurança de si, uma ideia de jogo atractiva, grandes intérpretes e a sua proverbial cultura de vitória. Tudo junto, rendeu um 3-0 redondo, que só peca por escasso, e que nunca esteve em causa.

O Chelsea foi a Turim reinventar a roda. Sabendo que o empate deixava a equipa em condições favoráveis, Di Matteo acreditou que um esquema estranho de 5 defesas e sem ponta-de-lança, podia ser suficiente para trancar a única grande equipa europeia que joga sempre com 3 defesas. Quando ainda se andava pelo jogo de pantufas, uma jogada genial de Óscar até podia ter mudado a história, mas Cech só conseguiu parar as duas primeiras bolas bianconeri com selo de golo. Assim que Quagliarella fez o 1-0, os londrinos foram varridos do mapa, e arrastaram-se envergonhados pelas dezenas de minutos que se seguiram. A imagem simbólica acontece à passagem da hora de jogo: Di Matteo mexe na equipa pela primeira vez, tira um defesa, mas recusa fazer entrar o seu único ponta-de-lança. No minuto seguinte, Vidal matou o que havia para matar.

No seu elegante 3-5-2, que lhe valeu um campeonato sem derrotas no ano passado, e que colocou 6 titulares na Itália vice-campeã da Europa, a Juve chega a ser senhorial. Ainda não tinha sido nesta Champions, complicou até a vida com um empate incompreensível na Dinamarca, mas hoje deixou tudo claro. Gigi Buffon, já com 34 anos, continua a ser tão monumental como sempre. Barzagli e, sobretudo, Chiellini e Bonucci são centrais do nível da imortal escola italiana. No ataque, são muitas e boas as soluções: Quagliarella, Giovinco e Matri, mais o joker Vucinic, têm todos golos nas botas, educados por uma vida no contra-relógio do Calcio.

É no miolo, no entanto, que irradia o génio da equipa. A jogar mais de trás, Pirlo controla, com a sua batuta invisível na mão, todo e qualquer pensamento da equipa. O que acontece do meio-campo para a frente, foi ele que concebeu 5 segundos antes. L'Architetto continua tão bom como sempre, e é razão mais do que suficiente para se desejar toda a fortuna a esta Juve. Com uma facilidade natural para aparecer na área, surgem, à sua frente, Marchisio e Vidal. O italiano mais técnico, o mais avançado dos três, Vidal mais explosivo, a fazer tudo rápido na sua passada larga, ambos com golos generosos, sempre bem compensados pela disponibilidade física dos alas.

Na última jornada deste segundo grupo da morte, um empate em Donetsk apura a Juve, e o Shakhtar em primeiro, desterrando o Campeão Europeu para a Liga Europa. Continua a poder cair para qualquer um, mas Di Matteo devia ter sabido melhor. Quem se recusa a jogar, escreve quase sempre a sua própria sorte.

sábado, 17 de novembro de 2012

Os tortuosos caminhos do Chelsea de Di Matteo


Ter sido Campeão Europeu com a equipa do ano passado, é uma daquelas coisas que só acontece mesmo uma vez na vida. Debater-se-á para sempre se não foi mais sorte ou mera aleatoriedade do Universo, e quem viu sabe que teve decerto de ambos, mas se há alguma coisa garantida no futebol, é que não há nenhum campeão que não o mereça. Ter-se estreado como treinador principal no navio a afundar que era aquele Chelsea, e ter aguentado ser pior do que quase todos os adversários que apanhou, para, no fim, ganhar a melhor competição de clubes do Mundo, não é coisa que possa ser menosprezada.

Aquela Champions saiu da pele de Di Matteo, e parece justo dizer que provavelmente não teria acontecido sem ele. Sucede que, no futebol, não há passado nem há gratidão. Não pode haver. E, mesmo quem fez a vénia ao treinador italiano, foi forçado a relativizar o seu sucesso. Com tudo a ruir à sua volta, às vezes à parte de qualquer razão, foi ele, de facto, quem encontrou o caminho. Os campeões, porém, não costumam germinar de circunstâncias anormais, antes pelo contrário, e a normalidade está muito longe de ser uma coisa mais fácil. Escolher os jogadores certos, pensar uma equipa, e concretizá-la em campo, subsistir às provações de um ano inteiro e nunca falhar. No caos, quando não há nada a perder e quando não esperam nada de nós, a transcendência propicia-se; a verdade é que as épocas das grandes equipas dependem de condições bem menos líricas - resiliência, pragmatismo, maturidade -, que só se manifestam se houver capacidade genuína.

Di Matteo não ficou porque confiavam nele; ficou por decreto, porque não se despede um Campeão Europeu, seja esse estigma mais ou menos justo para com ele. O conjunto, contudo, respondeu cedo. O Chelsea foi a primeira grande equipa inglesa desta época: 8 vitórias nos primeiros 9 jogos, liderança com uma folga simpática para os rivais, possivelmente o melhor futebol da Premiership. Hazzard chocou de tão bom, Mata explodiu autenticamente no ano de afirmação, o miúdo Óscar revelou-se com sustento, e a defesa sofreu pouco e marcou que se fartou.

Parecia uma paisagem mais do que suficiente para se trabalhar em cima, e arrancar para uma grande época com naturalidade. O Chelsea, porém, pareceu sempre duvidar de si próprio, inexplicavelmente. Mesmo num início tão promissor, perdeu as supertaças, a Europeia sendo triturado pelo Atlético. Depois, e apesar de estar num grupo difícil, não se conseguiu afirmar na Champions. Lidera, mas a qualificação está longe de estar assegurada. Finalmente, é a Liga que está a escorregar por entre os dedos. A equipa não ganha há um mês (2 empates e 2 derrotas), e uma vantagem que chegou a ser de 4 pontos, é hoje um 3º lugar com 4 pontos de atraso.

Continua tudo em aberto, claro, e o Chelsea merece crédito pelo que já jogou este ano. Ao mesmo tempo, é inevitável que exista uma certa nuvem sobre Di Matteo. O plantel curto foi uma péssima ideia (a inexistência de um suplente para Torres é absurda), e ideias como a de hoje, de ir rodar o seu parcimonioso plantel ao estádio de uma das equipas mais fortes da Liga em casa, não ajuda. A capacidade de Di Matteo para pragmatizar a equipa no próximo mês, e garanti-la à altura, perante a consistência dos rivais de Manchester e face à decisão na Champions, determinará, necessariamente, se é ele, ou não, o homem certo para o lugar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sem apedrejar a polícia não vamos lá


Faz-me muita confusão o entusiasmo das pessoas sempre que há fogo e pedradas às portas da Assembleia. O "isto agora é que vai ser a sério", "se não for assim não vamos lá", "eles agora vão ver", e afins mais pseudo-românticos do léxico das revoluções. As pessoas gostam de encher a boca para dizer que isto só se resolve é com o exército, ou com batatada e com coisas partidas e a arder. E falam sempre com uma certa convicção bacoca, com ignorância disfarçada de maturidade, com uma falsa e insuportável altivez de milhafre ferido na asa, como se soubessem melhor e falassem em custosa consciência, e aquilo não fosse só papagaiada que fica bonita no facebook, desde o sofá de casa. Como se um país onde, de repente, toda a gente agarrasse em calhaus na rua e atirasse a casas, carros e lojas, e incendiasse esta merda toda, e se trocasse a democracia por um estado de sítio militarista qualquer, fosse um país melhor para se viver.

Não sou partidário de manifestações, muito menos de greves, especialmente quando são sacadas em catadupa, como se de uma brincadeira corriqueira se tratassem, e, ainda por cima, quando são exploradas por classes que deviam ter mais vergonha na cara, com todo o sector dos transportes à cabeça. Contudo, respeito sinceramente quem faz greve em consciência, e vai às manifestações. Quem faz greve porque já só vê a sua vida a andar para trás, porque uma vida de trabalho lhe vale cada vez mais nada, ou pior do que isso. Quem tem os filhos na mesa à espera de comer, e já não sabe quando é que lhes vai falhar. Quem quer ter uma oportunidade de começar, e, se for um dos sortudos, arranja trabalho escravatório. Não tenho dúvidas de que a grande parte dos que saem à rua, sai porque precisa, e isso, pura e simplesmente, não se julga, porque amanhã pode calhar a qualquer um de nós.

Agora, sob nenhum prisma, as greves e as manifestações devem ser uma coisa de que se goste. Uma coisa onde se veste a camisola, onde há essa aberração chamada piquetes, para demover quem quer trabalhar, ou um caos que apreciamos à noite na tv, e nos dá aquela tal chama heróica. Greves e manifestações são uma infelicidade, um último recurso, que nos devia afectar, e que devíamos todos desejar não ser necessário. Não são um circo nem um filme giro. São uma coisa séria com um objectivo pragmático: fazer-se ouvir com o civismo próprio de uma democracia.

Parece-me razoável dizer que atirar entusiasticamente pedras da calçada à polícia, e meter 21 agentes no hospital, é um episódio triste, que não dignifica a democracia, nem faz nada por nós. Não é fácil ver, depois, a polícia a carregar em força o justo pelo pecador, e assistir à casa dos horrores em que aquilo se tornou, com idosos, e todos quantos estavam lá a bem, a sofrerem por tabela. Diabolizar, porém, a polícia, achar que aquilo podia ter sido controlado com um par de palmadas a 2 ou 3 rapazes mal-comportados, é absurdo. As pessoas têm tanto o direito de manifestar-se, como o dever de o fazer civilizadamente. Quem acarinha estes espectáculos tristes de foguetes e pedradas, não tem moral para condenar quem está lá a fazer o possível para garantir, a quem joga pedras, que ainda há limites, e que o poder ainda não caiu na rua. Isto ainda não é o terceiro mundo e, ao contrário do que muita gente parece pensar, não estávamos melhor se fosse. Oxalá não seja preciso nos arrependermos primeiro, antes de percebermos todos isso.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Argo


A primeira grande desilusão do ano.

Para mim, era um dos 10 mais esperados de 2012. A história verídica do resgate de 6 funcionários da embaixada americana em Teerão, aquando da Revolução Islâmica, em 1979, era uma pérola, Affleck cada vez mais fazia carreira na realização, e o elenco era nada menos do que majestoso. Argo parecia um daqueles filmes que se fazem sozinhos.

Não foi. Numa reconstituição histórica, não há escape criativo, tem de se jogar com o que há. É indispensável ser inteligente, subtil, saber exactamente que pontos valem a pena ser pressionados. Não vai acontecer nada de surpreendente, portanto, na analogia ao poker, é preciso ganhar o pote sem a melhor mão, usar bluff. O bluff, em Argo, é de uma infelicidade quase constrangedora. 2/3 do filme são competentes, bem executados. Não tinham muito que explorar, mas são interessantes, preparando o caminho para o que teria de vir a seguir. E a seguir teria de vir um corolário inteligente, executado com tanta tensão quanto classe.

O que veio a seguir foram cenas de suspense de 3ª categoria. Um thrill bacoco, arrancado aos filmes rascas de acção que vão directos para o DVD. O telefone que é atendido no último suspiro, o autocarro que não arranca, os bilhetes que não estão no sistema, milícias que descobrem a verdade no último minuto... Enfim, numa história cujo fim se sabe, só funcionaria um argumento elegante, nunca um contra-relógio de clichés. Na verdade, Argo parece em quase tudo uma boa história "jornalística" mal idealizada para o ecrã: os reféns, por exemplo, são secundários quase vegetais na história, o que é contra-natura, e falta fluidez à alternância dos diferentes momentos da acção que é, não raras vezes, abrupta. Na primeira adaptação de argumento que fez, Chris Terrio (um realizador-argumentista nova-iorquino de 36 anos, sem grande expressão) não foi manifestamente feliz: Argo é dos piores argumentos que me lembro de ver num filme deste nível.

Affleck faz uma realização interessante, apesar de tudo, e de não ser a melhor que já fez. A capacidade, a leitura e as boas ideias estão lá, são uma mais-valia e garantem boas sequências, mas ainda não é desta que se candidata ao Óscar. Como protagonista, já não. Tony Mendez é um papel que exigia bastante mais nervo e personalidade, e Affleck nunca convence, também por vias do argumento, que não é capaz de fazê-lo mais denso. A linha do seu divórcio e do filho de 10 anos é só mais uma construção vulgar, pregada a fita-cola, sem qualquer empatia.

Os melhores do cast foram John Goodman e, necessariamente, o extraordinário Alan Arkin, ambos no registo bem disposto e mundano de hollywood (o que não abonará muito por um thriller histórico). Elogie-se, também, a boa banda sonora e a óptima reconstituição histórica, desde a edição, ao visual das personagens e ao vasto material de época utilizado.

Argo é uma história que tinha de ser um filme, assassinada por uma péssima adaptação de argumento, que transforma condições muito favoráveis, num filme meramente razoável.

6/10

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

40 Of The Most Powerful Photographs Ever Taken

Compilação monumental do BuzzFeed, ou o poder indizível de eternizar no tempo segundos verdadeiramente esmagadores. A Fotografia como a arte mais pura de todas, tão pouco elaborada, e capaz de dizer tantas coisas ao mesmo tempo.






sábado, 10 de novembro de 2012

Fab Four, reborn


"If you go back to the 1999 season when I had Dwight and Andy, Teddy and Ole Gunnar, they were the four best strikers in Europe. I think I’m getting towards that now." Ferguson

Em 16 jogos oficiais esta época, o United esteve a perder 11 vezes. O número é qualquer coisa de impressionante, e não abona, como é óbvio, pela fiabilidade e pela disciplina da equipa. Em termos práticos, o United começou mais de 2/3 dos seus jogos a perder (8ª pior defesa da Liga!), o que não é propriamente uma política saudável para um candidato ao título. Com indefinição na baliza e no miolo, e com as crónicas lesões no centro da defesa, os jogos dos diabos vermelhos têm sido nada menos do que uma roda viva de futebol, quase anti-táctica, tão eléctrica que dá sempre a sensação de poder cair para qualquer um dos lados.

A verdade é que não pode. O United virou 8 desses 11 jogos (com o Braga, em Old Trafford, ou hoje, no Villa Park, a desvantagem foi de 0-2!), lidera a Premier League e é a única equipa a fazer um pleno de vitórias na Liga dos Campeões. Com maior ou menor intenção, a verdade é que Fergie fez deste United um animal radical, que só sabe jogar no limite e só sabe ganhar pela força. Um predador que entusiasma as presas com a sua falibilidade, antes de abatê-las, de forma crónica.

A culpa? É de um ataque que parece não ter limites. Bem dizia Fergie, em Agosto, que se preparava para reviver uma brutalidade semelhante a 1999: um novo Quarteto Fantástico. Van Persie, claro, acima de todos, tem sido tão majestoso como seria possível ao MVP da última Premier League. Rooney passou primeiro uma lesão, e reinventa-se agora como um falso 10, Chicharrito tem sido urânio enriquecido a sair do banco, Welbeck também já disse presente. O lendário 4-4-2 linha do United está cada vez mais próximo de ser um losango, e os golos surgem por todos os lados ao melhor ataque da Premiership, num espectáculo diabólico de adrenalina.

Que esta montanha russa não é vida para um senhor de 70 anos, é certo. Que a equipa está a especular com o fogo, também. Facto é que, por estes dias, só um louco acharia que há algum jogo que o United não possa ganhar.

Wenger used to know


Arsenal a ganhar por 2-0. Fulham a virar para 2-3, em pleno Emirates. Arsenal a fazer 3-3 e, no último minuto dos descontos, a ter o penalty que lhe daria o 4-3. Um penalty mal assinalado... e que foi defendido superiormente por Mark Schwarzer.

Em mais sítio nenhum do mundo há futebol deste quilate. O Barça e o Real são um azar de caminho, um acaso, são a excepção que confirma a regra de que a Premiership é, a alguns anos-luz de distância, o melhor campeonato do planeta.

O Fulham é uma das surpresas do ano. O 3-3 de hoje é um resultado paradigmático do seu futebol: sofre muitos, mas marca que se farta, e é, neste momento, de forma extraordinária, o 2º ataque da competição. Aos 31 anos, Berbatov continua a ser um jogador deslumbrante. Físico, classe e inteligência, sempre no lugar certo, sempre a tocar a bola como se pede. Causou estranheza que, no fim do mercado, tivesse preferido o Fulham à Juve, mas claro que estava certo. A Premier League não é coisa que se troque de ânimo leve. A acompanhá-lo, um costa-riquenho que se parece com ele: grande, mas com perfume no pé. No apoio directo ao búlgaro, Bryan Ruiz tem-se fartado de jogar. A equipa tem revelado bastantes soluções, como Petric e Rodallega por ocasião, mas ainda merecem o destaque três veteranos: Riise e Duff, já longe das noites grandes da Champions, e ainda Schwarzer, apesar dos golos sofridos, continuam a ser ases. Grande trabalho de Martin Jol.

O Arsenal é um caso incompreensível. Um clube tão grande, com tantos meios, ainda hoje, possivelmente, o 2º maior do país, que não ganha títulos desde 2005, e que não consegue lutar pelo título desde 2008. Hoje, como Fergie, Wenger confunde-se com o clube, a diferença é que, com todos os méritos, o seu Arsenal caiu numa regressão insuportável nos últimos 5 anos. Os melhores jogadores já só pensam em ver o clube pelas costas, e os craques fogem para os rivais. A formação continua a ser das melhores da Europa, mas, este ano, até a qualidade do futebol é discutível. No fim desta jornada, e com menos de um terço de liga jogada, a diferença para todo o trio da frente será de 10 ou mais pontos, e o grupo da Champions será provavelmente perdido para o Schalke. "Wenger knows best", agitavam, em tempos, os adeptos do Arsenal. Esse Wenger, contudo, perdeu-se no caminho. Custa a crer que o Arsenal possa continuar assim muito mais tempo.

"I'm really proud of you."



Acabou a campanha, acabaram as eleições, ele fez centenas de discursos políticos pela América toda. Pode-se ser de Esquerda ou de Direita, pode-se gostar ou não, pode-se achar o que se quiser do que ele já fez. Mas cinco minutos filmados à socapa, a falar para os jovens e para os estagiários e para os ninguéns que andaram a correr por ele, dizem tudo o que há para dizer. O Presidente da única super-potência mundial é este tipo que, no fim da noite, no fim da vitória, tirou o casaco e foi a um escritório de campanha sem janelas dizer que tem orgulho neles. Que ele não era nada quando chegou, e que o esforço deles é a prova de que aquilo vale a pena. Que sabe que eles nunca o vão desiludir, e que não há limites para o que eles podem fazer de bom na vida.

Se o Presidente da única super-potência mundial é alguém com esta grandeza, esta humanidade e esta vontade de fazer a diferença, então continua a valer a pena acreditar nalguma coisa. Ter vivido os anos de Obama é um privilégio que nos perdurará para sempre.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Champions 12/13, a jornada dupla


SURPRESAS - Imenso o Borussia. Dizer que o bicampeão alemão é surpresa pode ser discutível, mas o grupo era do Madrid e do City, e os homens de Klopp tinham falhado com estrondo no ano anterior. O empate em Manchester ainda não tinha esclarecido ao que vinham, mas a monumental jornada dupla com o Real, que os deixa na liderança isolada do grupo da morte, foi showdown que chegue. Um gigante físico, técnico e táctico que enche o campo com uma senhoria violenta, assente no talento farto de Goetze, Lewandowski e Reus (mais uma defesa toda ela de excepção). Que estará nos oitavos parece dado adquirido, mas este Borussia é uma das 8 melhores equipas da Europa.

O Málaga confirmou a sua orgulhosa campanha de antologia. Pouco importa se o Milan anda na amargura ou se o Zenit é um erro de casting gigante: na estreia na prova, os malaguenhos cometeram a proeza de, em pleno San Siro, serem os primeiros da competição, a par do Porto, a chegar aos oitavos. Isco e o nosso Eliseu dão-se a conhecer ao mundo, Demichelis, Joaquin e Saviola descobrem a sua segunda ou terceira vida. Sensacional.

Também merece referência a afirmação do Shakhtar que, no último minuto dos descontos em Stamford Bridge, era líder e deixava o Chelsea fora da qualificação. Perderam, é verdade, mas a Juve já não é favorita a seguir em frente. O Celtic, por quem ninguém daria nada, reforçou a campanha tremenda (e pouco reconhecida) que estava a fazer, ganhando um dos seus jogos da década. Que só aconteceria uma 1 vez em 10, sem dúvida, mas os homens de Neil Lennon estão prestes a sair do nada para a melhor campanha europeia a que a memória permite chegar. Finalmente, honra seja feita ao Schalke e ao seu relógio suíço (Huntelaar marcou 1 golo em cada um dos 4 jogos) que, projectando a grande qualidade que tem, e a grande Bundesliga que está a fazer, tem tudo para roubar o grupo ao Arsenal, como ficou patente nos dois jogos entre ambos.

PORTUGUESES - Uma jornada que tinha tudo para ser gorda, acabou por ficar com um irremediável sabor agridoce. Começou muito bem, com o Porto a chegar-se à frente de toda a gente, e a ser o primeiro da prova a atingir os oitavos-de-final. Depois do trauma do ano passado, a equipa de Vítor Pereira tem sido plena, e aproveitou o grupo favorável que teve. Se antes a culpa era do treinador, este ano o mérito também é dele, e este Porto é um projecto acabado e um caso sério. A cereja, e é uma cereja importante, será ganhar o grupo em Paris, coisa que, acredito, irá acontecer.

Na Luz, bom jogo do Benfica. É uma equipa mudada este Benfica, mais longe dos equilíbrios e do toque glamouroso dos anos recentes, mais apostada na intensidade e na velocidade. Entre tudo o que foi mal feito no planeamento da época, ao menos o reforço do ataque foi feliz: Lima é a figura da temporada, e Ola John, depois do desterro de 3 meses, é cada vez mais uma revelação: tem a velocidade, a técnica e o critério dos melhores colegas, e vai ganhar o lugar. Com o eterno Cardozo, sempre desprezado e sempre extraordinariamente rentável, foi o melhor em campo. Infelizmente, para o Benfica, aconteceu uma hecatombe no Celtic Park, que praticamente desfez as perspectivas de passagem. Mesmo que ganhe ao Celtic, só um milagre na última jornada poderia valer os oitavos.

O Braga esteve a ganhar ao United, em Old Trafford, por 0-2, e, em casa, até 10 minutos do fim. Perdeu os dois jogos com um fado quase perverso. A equipa fez o mais difícil, e teve uma grandeza competitiva total; fraquejou, porém, onde não era previsível, na consistência e na capacidade de sacrifício, a que juntaram erros individuais graves. As 3 derrotas em 4 jogos são penosas, mas têm o dom de deixar um reverso encorajador: o Braga é último, mas o papão já foi, e bater o Cluj e o Galatasaray é coisa que a equipa deve a si própria.

CERTEZAS - Mesmo que longe de estar a fazer um passeio, o United foi o único apurado com um pleno, o que fala pela sua força. Podia ter perdido 3 dos 4 jogos, mas o seu ataque sensacional - bem diz Fergie, quando alude à reedição do "melhor ataque da Europa" de 1998 - tem dado para quase tudo, dentro e fora de portas.

Pese o choque de hoje, o Barça também ganhará o seu grupo com a ligeireza de sempre. Na dupla jornada que acabou, Arsenal e Real foram caçados pela fúria alemã, e é provável que tenham de contentar-se com a prata, mas também não estão em perigo. O Bayern até ruiu com estrondo na ida à Bielorússia, mas a dupla jornada com o Valência vergou as aspirações do BATE. Mesmo sem estar fechado, alemães e espanhóis já não deixarão fugir a passagem. Finalmente o PSG, às costas de Ibracadabra, também tem sabido aproveitar o rebuçado de grupo que teve, e passará aos oitavos com propriedade, podendo, ainda, discutir a liderança do grupo, no último jogo em Paris.

FRACASSOS - O topo do pódio é do City, com todas as honras que se possam associar. Campanha chocante está a fazer a equipa de Mancini. As primeiras duas jornadas deram a entender que Real e Borussia podiam ser melhores, mas os dois jogos com o Ajax foram perturbadores, e deixam o City na situação impensável de nem prosseguir na Liga Europa. Com tão monstruoso investimento, passar duas vergonhas seguidas no palco onde toda a gente quer jogar pode muito bem ser fatal a Mancini.

Se estivesse num grupo ligeiramente mais competitivo, também o Milan já podia estar de malas feitas. Com 1 vitória em 4 jogos, e vulgarizado pelo Málaga, sobrevive à tona do 2º lugar, mas ninguém se surpreenderá caso acabe por cair frente a um dos dois outros errantes do grupo.

Finalmente, no "outro" grupo da morte, parece cada vez mais certo que ou Chelsea ou Juventus irão ser sacrificados pelo Shakthar. O nível de exigência distingue-os dos outros fracassos, e cada um tem pontos para depender de si. Para a Juve, no entanto, o incompreensível empate na Dinamarca, na jornada 3, poderá muito bem ter deitado tudo a perder.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

The Walking Dead, season 3, episode 4


O mais emocionalmente avassalador até hoje. Grandioso e convulsivo, incontível, de sofrer e sentir-se impotente.

The Walking Dead chegou a um píncaro que não tem regresso. Joga a um nível tão alto de vertigem e de paixão, que é inevitável ficar a pensar-se quando é que vai desiludir. Tanto mais por isso, continuar a ser tão monumental como nos melhores momentos, tão plena e tão no auge, continua a ser desconcertante.

Seja ou não "a melhor" série da actualidade, certo é que não há nenhuma que se lhe possa comparar no culto, no apelo primitivo, na riqueza e nas possibilidades. O maior elogio que lhe posso fazer é dizer que me lembra sempre o Lost. Em melhor.

A razão que me faltava


Ontem, pela noite dentro, os comentadores da SIC-Notícias não perderam uma oportunidade para me lembrar porque é que eu devia torcer com mais vontade por Obama.

Pacheco Pereira acima de todos, mas também Nuno Rogeiro e Lobo Xavier, passaram a emissão a explicar a nossa infantilidade, nossa de portugueses e europeus, por estarmos todos ao lado de Obama. Estes arautos do mundo perderam o seu tempo a elucidar-nos, pachorrentamente, que não percebemos nada de política americana, que Obama falhou muito e que é uma fraude, e que a nossa "Obamania" é coisa de ignorantes. Disseram também que, se Obama ganhasse, ia voltar a provar o fracasso da sua inexperiência e que, indepentemente do resultado, Romney já era um vencedor. Finalmente, depois de aguentarem o anúncio até à última, para sermos adultos e não enchermos a boca com uma vitória que ainda não era matemática, alertaram que, naquele momento, Obama ganhava os delegados mas perdia o voto popular, e que isso fazia dele um Presidente, no mínimo, moribundo. Quando já não havia mais nada a fazer, lá acabaram por reconhecer que a coligação "de jovens, pobres, mulheres e minorias" tinha safado o trabalho outra vez.

Os intelectuais deviam estar sempre contra nós. É que sabe muito melhor depois.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Downton Abbey, season 3


Os predicados de estrutura continuam todos lá: a elegância, a bela realização e o requinte da reconstituição histórica. Com três temporadas feitas, a proximidade e a pessoalidade para com o espectador também já são dados mais do que adquiridos.

A realidade é que nunca voltou a bater o deslumbre da temporada de estreia. A inteligência, a classe e a descoberta foram assimiladas, e solidificaram-se num status quo que, sendo confortável, já não empresta o ritmo da novidade. Mesmo que a analogia não seja totalmente justa, está hoje mais próxima do desflorar de uma novela, lento nas suas pequenas relações, do que da capacidade reinventiva de uma série (o meio de temporada ofereceu o único grande episódio).

Numa temporada orientada sobretudo para a mecânica da família, Maggie Smith continua a ser a estrela mais reluzente do elenco, senhora de um sarcasmo desconcertante, que quebra a acção uma e outra vez. Rob James-Collier, na pele de um vilão fora do controlo, evidenciou-se de vez como um dos melhores. Allen Leech, o plebeu da família, até pelo que se lhe pede este ano, é outro dos destaques, numa lista onde é justo constar, mais uma vez, Dan Stevens, o menino bonito.

Sem confirmação da temporada 4, haverá um especial de Natal em Dezembro, e a possibilidade de uma prequela está em cima da mesa. Downton Abbey continua a ser um tempo bem passado, mas já não esconde que entrou na sua fase cómoda.

To Rome With Love


Não ser um filme de antologia não deve levá-lo à desconsideração. De facto, a ida do Mestre a Roma não surtiu numa obra-prima, como no ano anterior, mas To Rome with Love continua a ser um filme com cor, retrato, bons traços e boas personagens, e qualquer pessoa que aprecie a filmografia de Allen deverá gostar dele.

Será justo dizer que, depois de Londres, Barcelona e Paris, a viagem de Woody Allen pela Cidade Eterna terá sido o seu filme pior concretizado no périplo europeu. Mesmo assim, continua a não haver ninguém que se lhe possa comparar a filmar lugares. Viajar por Roma com Allen, mesmo num filme que não é pleno, é qualquer coisa de delicioso. A forma como capta a essência dos lugares e as cores, tanto nos planos generosos do que se conhece, como nas esquinas e nos recantos escondidos, é um verdadeiro dom. Allen descobre-lhes a vida, o apelo, o romance, as particularidades e os segredos, e força-nos o desejo de os conhecer.

A narrativa da história é quadripartida, entre um casal da província que acaba de chegar a Roma, um funcionário casual que fica famoso, uma turista que se apaixona por um italiano e um jovem americano a estudar na cidade. Allen tentou contar coisas muito diferentes assentando-as na paleta de Roma, com variadas idiossincrasias, sejam as migrações internas do povo simples do Sul, as cunhas de família e a tradição, os excessos latinos, as raízes comunistas, a ópera, ou as fantasias americanas de ser jovem e viver e apaixonar-se em Roma.

Como não podia deixar de ser com Allen, em quase todos os segmentos há ideias com requinte, mas a concretização manifestamente não funciona. São muitas linhas ao mesmo tempo, ora pouco interessantes, ora exageradas, nem sempre bem conduzidas, e que não se cruzam, fazendo com que, a dada altura, quase não haja coesão na história. O segmento de Roberto Benigni é péssimo, e devia todo ele ter ficado de fora. O casal da província, idem. O da turista e do namorado italiano transforma-se no maior devaneio, e é exagerado, mas salva-se pela personagem de Allen, no seu delicioso regresso ao ecrã, 6 anos depois.

O único segmento verdadeiramente brilhante é o do estudante em Roma. Teria transcendido o filme, se fosse só essa a história. Tem um carisma extraordinário, na ponte com o passado, na poesia de se ser estudante e ir viver (e ter vivido) em Roma, tem fôlego de juventude, romance e toda a sexualidade que Allen gosta de emprestar aos seus personagens. Tem, também, as melhores interpretações: tanto Jesse Eisenberg como Ellen Page são magníficos e roubam o filme, ele ritmado como sempre, ligeiramente psicótico, ela desconcertante, com talento e personalidade. Mereciam claramente mais expressão.

Em suma, To Rome with Love é Woody Allen a discorrer as suas ideias e os seus olhos por Roma, de forma menos concertada do que seria ideal, mas com um galanteio omnipresente que vale o filme.

7/10

Os Óscares das eleições


As Presidenciais americanas continuam a ser um mundo à parte.

Os Estados Unidos são menos globais nos dias que correm, cambalearam na crise e, mais do que nunca, os candidatos falaram para dentro. A velha Europa, afectada e mergulhada nas suas próprias falências, assiste cada vez mais de longe, e a lógica devia ser que o mediatismo se esbatesse. Mas não. As Presidenciais americanas continuam a ser o evento político mais marcante do Ocidente, o acontecimento que nos toca a todos, que toda a gente quer saber, e onde todos temos um favorito. Goste-se ou não, não há paralelo para o impacto cultural que vem do outro lado do Atlântico. Também pela noite dentro, as Presidenciais são os Óscares das eleições, e desconfio que nos merecem bem maior devoção do que as nossas.

Presente no ideário de todos ainda está a campanha icónica de Obama, em 2008. Nunca deixará de estar. Com o entusiasmo, o carisma e o vulto de um quase profeta, foi feita da massa com que se cimentam os mitos. Ouvir Obama num clip de dois minutos, era quanto bastava para que ele fosse o político da nossa geração. Por mais erróneo que isso deva ser, as propostas passam e a áurea fica, e Obama foi um meteorito que nos incendiou casa dentro. Foi a reencarnação do Estadista, uma lenda viva e a respirar e, deste lado do Atlântico, uma quase rock star, que teria ganho a UE com 90% de votos, se fosse preciso. Nos EUA teve de suar, mas depois demos-lhe o Nobel da Paz, em reconhecimento. Ainda não tinha feito, mas fazer crer que podia era mobilizador que chegasse.

4 anos depois, mudou muita coisa. A crise foi um desconstrutor de mitos, e o Gabinete lembrou o pragmatismo da política. A campanha era a parte fácil, depois é que vinha a sobrevivência, e essa devolveu Obama à crueza da realidade. Teve de ser ele a cara de um país a ruir com a 2ª pior crise financeira do século, e o pensador tornou-se operário, um operário que nem ele conseguiu tornar na solução perfeita. Os bancos faliram, o desemprego não foi passível de conter, e ser "socialista" em tempo de crise sacrificou a dívida. Tudo junto, e o que, em 2008, parecia um mandato de 8 anos, será jogado novamente taco a taco. A política é tudo menos adquirida.

4 anos depois, até pode ter mudado muita coisa mas, para mim, não mudou o essencial. Descobrimos que Obama não é um super-herói, mas podemos dizer, com certeza, que continua a ser um político imenso, uma figura inspiradora, e um líder admirado pelo resto do mundo. Sobre a sua política interna, terão de ser os americanos a dizer de sua justiça, mas, numa altura perigosa, ter no Gabinete quem defenda o Estado Social, controle o grande capital, seja distante dos maiores lobbies financeiros e não seja militarista, parece bom o suficiente. Se esse alguém é Obama, então que se ponham as fichas todas nele.

Romney não é nenhum monstro. Foi demagógico, contradisse-se, e falou com a ligeireza própria de quem é impreparado para a política por natureza . Mas é uma figura respeitável e um magnata de peso que, na terra do self made man e do american dream, materializa a voz de cerca de metade do eleitorado. A nós, até pode estranhar que se fale assim, mas, bom ou mau, assim é meia América, como, de resto, provarão as eleições de hoje. No fim de contas, tudo se resume à corrida entre uma Direita e uma Esquerda plenamente identificáveis, das convicções à acção governativa, coisa que, na nossa política de híbridos, é um privilégio que não temos a sorte de gozar.

Vi 7 temporadas de West Wing, o suficiente para conceber ainda melhor o thrill impagável e inacompanhável que será a noite de hoje. Um mundo à parte, como já disse, com o resto do mundo a ver. Ventila-se o empate técnico há semanas, mas não consigo crer que gigantes possam cair assim, portanto, "eat'em up, sir", nesta verão de "Bartlet for America", ou tudo o que mais apetecer do velho jargão democrata de West Wing. Hoje, a noite tem de ser azul, uma vez mais.

sábado, 3 de novembro de 2012

O fim encontra-nos sempre


Gostava de saber como é que alguém de fora, alheio à realidade da Madeira, avaliaria a campanha de Jardim para a reeleição como líder do PSD. Acho que, mesmo para os madeirenses que tentam permanecer sãos perante tudo isto, é provável que a crítica seja sempre redutora, porque já não nos chocamos o suficiente. Devíamos andar incrédulos na rua. Um dia há de se estudar esta campanha, e perceber, primeiro, como foi possível este absurdo de só haver rival ao fim de 38 anos. Depois, como é que, em Democracia, chegamos a este estado doente e pervertido de medo e de vícios, de purgas, de empregos a serem postos em causa e de ajustes de contas, anunciados com o despudor próprio do velho Oeste. Já todos sabíamos que Jardim estava disposto a tudo para dobrar os inimigos. Descobrimos, agora, que está disposto a esmagar o próprio partido se isso lhe garantir uma vitória.

As eleições para a liderança do PSD-Madeira foram uma alucinação ainda mais radical do que tudo o que já tínhamos presenciado: a sua própria existência foi considerada, compulsivamente, como a afronta de todos os tempos, como uma impossibilidade febril que nunca devia ter acontecido, e da qual brotariam todos os males do mundo, como uma caixa de pandora vezes mil, destinada a incendiar as entranhas do paraíso. A lista de Albuquerque foi tratada com o ódio, o desprezo e as ameaças com que não se humilham os piores inimigos. E, ao que consta, isto é uma democracia. O pasquim do Regime, pago por todos os portugueses, à laia de 10 mil euros por dia, coisa que convém ter sempre presente, depois de um legado de propaganda pelo partido, fez a proeza de afundar ainda mais a sua já cadavérica dignidade, e foi o primeiro jornal generalista da História do Mundo a fazer campanha por uma lista partidária. Jardim usou todos os eventos de Governo para fazer campanha, usou até um tempo de antena na televisão regional, e abusou do aparelho de partido, esganando até o apoio oficial da JSD, enquanto ao rival sobrou a boa vontade.

Ganhou com 51%. A mobilização de toda uma cavalaria, rendeu uma vitória por 80 votos, num partido que governa há 40 anos. A leitura foi simples. Jardim disse que quem perdeu com as primeiras eleições democráticas da história do PSD-Madeira foi o próprio partido. Que a estrutura foi sacudida por um bando de traidores e de infiltrados, que devem ser desterrados. Disse que, para ele, 49% é igual a 2%, porque governa quem ganha, e que isto serviu para descobrir o verdadeiro carácter das pessoas, e fazer melhores escolhas para as Autárquicas. E disse que Albuquerque perdeu como um "ridículo", um "escanzelado", e que a derrota é de todos os que o apoiaram, os quais devem aprender alguma coisa. É esta a sua lucidez.

Metade da Madeira não quer o PSD, metade do PSD já não quer Jardim. Acabou. Enquanto tivesse o partido, Jardim tinha a legitimidade. Como o próprio saberá, independentemente do que diga, o exército já não está lá para ele. Hoje, é ele o tumor que precisa de ser arrancado, é ele quem está a mais. Acabou. Daqui para a frente, só há um caminho, e é sempre a perder, até ao fundo. Jardim murchará no que tocar, será como um leproso moribundo, de quem as pessoas vão fugir, porque sabem que o futuro já não mora ali. Já não há sequer escapatória, remédio, uma saída decente. Enquanto balbucia uma guerra que não poderá ganhar, terá de ver os aliados de sempre a afiarem as facas nas suas costas, a tentarem salvar a própria pele, até chegar a hora de sair sozinho, por uma humilhante porta dos fundos. Não interessa a meia dúzia de votos a mais, não interessa o bastião, não interessa se deu para hoje ou se dá para o ano. Acabou.