quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Futbullying

"Cristiano volvió a hacerlo ante Piqué. El luso forzó ante el catalán el penalti que abrió la victoria blanca. No era la primera vez que le ganaba un duelo individual"

Uma história de violência.




terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Animais


16 pontos de atraso. 3º lugar. Época traumática de casos e derrotas estranhas. E um Barcelona que fez a melhor primeira-volta da História. Dizia Menotti, no Mundo Deportivo, que se Mourinho falha nesta semana, é claro que tem de ir embora. Mourinho até falha às vezes, mas não nestas semanas. Nestas semanas, enquanto os outros mortais têm o direito de tremer, ter dias maus e de sucumbir às circunstâncias, o Ronaldo ganha jogos e o Mourinho elimina adversários, porque é assim que eles são. I gotta hold on to my angst. I preserve it because I need it. It keeps me sharp, on the edge, where I gotta be, disse o Pacino, no Heat. São eles. Nestas semanas, o sangue oxigena-lhes melhor, a cabeça inspira mais, as pernas respondem mais rápido, o medo no ar extasia-os. São lendas todos os dias, mas são animais nas grandes semanas. Vê-los do outro lado deve ser tormentoso. Deve matar aos bocadinhos. São animais, e não há nada que os possa parar. Vão ganhar.

Hala Madrid. Aproveitem-nos enquanto podem. Ainda haverá muita coisa para comemorar, antes de perceberem tudo o que há para chorar no Verão.

P.S. - Para a posteridade, acho que é desquadrilhar que se diz.

ÓSCARES, 85 - Balanço


Daqui a anos, lembrar-se-á que 2012 foi um ano dos diabos para o cinema. Que Spielberg voltou às obras-magnas, depois de quase uma década de deserto criativo, e guiou Day-Lewis até aos livros, num papel de antologia. Que o génio inventivo de Tarantino não tem exactamente fim, e que 18 anos depois da primeira vez, confirmou-se na elite de melhores criadores que já viveram. Que Ang Lee fez, possivelmente, o 3D mais deslumbrante até então, e que concretizou na tela um livro monumental, que quem de direito considerava inadaptável. Que O. Russel reescreveu a História das comédias românticas, e que fez duma, incrivelmente, um filme melhor do que os melhores. Que um filme estrangeiro e um vencedor de Sundance, histórias absolutamente notáveis, tiveram uma noite para estar, por mérito próprio, na lista aos olhos do mundo. E que uma daquelas histórias perfeitas da vida real, vividas para serem cinema depois, conseguiu falhar com uma vulgaridade dolorosa, e mesmo assim, tornou-se no vencedor de Óscar mais incompreensivelmente sobrevalorizado de que houve memória.

Se me mostrassem o trailer do Argo, e me dissessem que ia ganhar Melhor Filme, eu apostava. Tinha tudo a favor, era um dos filmes que eu mais avidamente esperava este ano. O Óscar foi dado nessa base. Era tudo tão bom no papel, que as pessoas convenceram-se de que tinha de ser no ecrã. Depois de verem, na dúvida, resolveram que sim. E criou-se uma espiral de silêncio espectacular, que acabou no eco estrondoso de ontem à noite.

A ver Affleck no palco, mais do que a vitória do filme, irritou-me que ele fosse reconhecido por aquilo. O discurso de aceitação foi emocional, contagiante, impossível de não simpatizar, à sua imagem. Lembrei-me logo da subida de 1998 quando, com Matt Damon, e aos 26 anos, tornou-se no mais jovem vencedor de sempre de Argumento Original, pelo monumental Good Will Hunting. Que abismo separa os dois filmes. Affleck é carismático, já é uma das caras maiores do meio, e continuará a crescer. O seu Melhor Filme ser Argo é qualquer coisa de desolador, e não há nada a fazer quanto a isso. Chris Terrio ainda levar Argumento Adaptado sobre, literalmente, qualquer um dos outros quatro nomeados, é, então, uma barbaridade tão proverbial que, estou convencido, mais ano menos ano, será suficiente para lhe impugnar o Óscar.


No resto foi, verdadeiramente, uma cerimónia memorável a celebrar excelência. Life of Pi foi o outro vencedor da noite, com Ang Lee a reclamar o segundo Óscar da carreira, o prémio graúdo mais imprevisível, a que lhe juntou três títulos técnicos de referência: Fotografia, Efeitos Visuais e Banda Sonora. Fiquei com pena por Spielberg e por Lincoln, os grandes derrotados da noite, um ónus que toda aquela qualidade definitivamente não merecia, mas o reconhecimento para Life of Pi é inatacável.


A Lincoln, salvou a honra o próprio, com o triunfo inevitável do majestoso Daniel Day-Lewis, de ontem em diante, o único homem da História a ganhar três vezes Melhor Actor Principal. E que extraordinariamente natural é que o título seja de tamanho monstro.


Numa noite de História e de regressos, evidentemente que Tarantino disse presente, ao confirmar o seu segundo Óscar, 18 anos depois de Pulp Fiction, e metendo mais uma pedra rumo à eternidade. Subiu ao palco tão em êxtase como sempre, um génio, one of a kind. Tão saudável que é reconhecer o talento assim, acima de tudo, e ao mais alto nível. Infelizmente para um Tommy Lee Jones que foi tremendo, a vitória de Christopher Waltz também é indiscutível, engrossando o palmarés do fantástico Django. Finalmente, Filme Estrangeiro, e um espaço feliz para Amour ter o seu totalmente merecido momento ao sol.


A vitória da noite, e quem desconcertou de vez a paixão de meio mundo foi, obviamente, Jennifer Lawrence. Reparem que ter sido, de facto, a Melhor Actriz do ano já é um pormenor aqui. Lawrence foi deslumbrante e irresistível, da queda mais graciosa da História da escadaria do Kodak Theatre, à conferência de imprensa deliciosa do pós-vitória. À parte de ser aquele espectáculo, e da imensidão de talento, é inteligente, carismática e incrivelmente divertida e cativante. Pôs e dispôs da noite num trono, e foi um arraso unânime. O Óscar, aos 22 anos, põe-na, desde já, no patamar onde merece estar nas próximas longas temporadas.


MacFarlane nunca seria uma desilusão... Mas encheu a casa. Tão genial como se sabia em momentos sucessivos, surpreendente na condução geral da cerimónia. Definida como a gala da música no cinema, sofreu um ou outro mal por se dedicar tanto a isso, a que juntou uma realização que, apesar de criativa visualmente, foi desinteressante a introduzir as categorias (lembre-se, por exemplo, os clips com entrevistas aos protagonistas, no ano passado). MacFarlane, contudo, reinou. Foi clássico e esbanjou classe, a dançar, a sapatear e a cantar, e conseguiu fundir o mestre de cerimónias dos velhos tempos, a boa piada grosseira do seu universo criativo, e um portefólio de ácido com honras gervasianas. Correu muito muito bem, e mais do que isso, fez crer que há espaço para ainda crescer na próxima vez (menos musical, porventura), assim aposte a Academia na sua continuidade.

E assim foram mais uns Óscares, mais uma noite onde, diga-se o que se disser, implique-se como se quiser, toda a gente gostaria um dia de estar. Que 2013 tenha, pelo menos, cinema quase tão bom como o ano que passou.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ÓSCARES, 85 - Antevisão


2012 foi um ano gordo, a cumprir grandemente as expectativas. Claro que não acertaram todos, mas multiplicaram-se as produções oscarizáveis de sucesso, surgiram uns quantos low-budget cheios de qualidade, e até os blockbusters correram bem. É justo dizer que foi um ano em cheio, e, como sempre, só falta saber com que legitimidade o coroará a Academia. Pela quarta vez, faz-se aqui no estaminé a previsão da maior de todas as noites com um fervor quase clubístico, a torcer, garantidamente, por quem não vai ganhar, a implicar com outros que vão, e a zelar por fumo branco da nossa justiça, na hora de abrir os envelopes. Vamos, então, às contas.

FILME (vistos 8/9)
A implicação joga-se em grande, este ano. Tal como tem sido mais ou menos costumeiro, o prémio dos prémios chega à noite decisiva com vencedor anunciado. Até mais do que no passado recente, não parece realista que Argo possa perder o título de rei da festa: ganhou, até agora, o Globo, o BAFTA e o Critics Choice. Ora, para mim, Argo é, verdadeiramente, a maior desilusão do ano. É uma daquelas coisas em que posso ser quase pregador solitário, mas as minhas próprias expectativas eram altíssimas, para um filme que tinha realizador, cast e história, que tinha rigorosamente tudo a favor, e que, no final de contas, foi concretizado com suspense de 5ª categoria, e com dolorosos clichés atrás de clichés, que o vulgarizaram completamente. A história é boa por natureza, não se discute. Daí a ignorar a falta de interpretações e a banalidade da adaptação, e pior, a considerá-lo o melhor filme de 2012 !?, logo num ano tão rico, é qualquer coisa de tormentoso. E acho que, mesmo quem gostou, não terá dificuldade em admitir que Argo não é, de forma nenhuma, o melhor que viu este ano.

O meu vencedor seria Silver Linings Playbook, como escrevi assim que o vi. Não é o filme mais difícil do ano, ou o mais majestoso, mas é a celebração do cinema comercial como notável contador de histórias, a prova de que o cinema do qual toda a gente gosta, também pode oferecer um universo de qualidade a todos os níveis: no texto extraordinário, pejado de uma maturidade e um brilho únicos, na fusão de géneros, na cor da realização e na qualidade estupenda das interpretações. Silver Linings é uma pérola, um filme-modelo que fará escola, e que merecia absolutamente ser considerado o melhor do ano. Logo depois, Lincoln, Django ou Life of Pi, por esta ordem. Todos magníficos. Ou ainda Beasts of the Southern Wild e Amour. Aliás, esta enumeração só engrossa o quão deprimente é que seja Argo a vencer.

ACTOR (3/5)
Daniel Day-Lewis, e a resenha podia ficar por essas três palavras, que toda a gente ia compreender a excelência. Ganhou tudo até agora, e vencerá sem que alguém tenha, sequer, o direito de contestá-lo em pensamento. É um monstro, um dos colossos dos nossos dias, e vai concretizar a brutalidade de ser o primeiro homem da História a vencer pela terceira vez Melhor Lead, o que diz basicamente tudo o que há para dizer.

ACTRIZ (4/5)
Das categorias mais abertas da noite, a ser jogada em três frentes: Jessica Chastain ganhou o Globo Drama e o Critics Choice; Jennifer Lawrence o Globo Comédia e o Sindicato de Actores (SAG); Emmanuelle Riva ficou com o BAFTA. Impõe-se, desde logo, um sublinhado: Chastain não merecia estar a dividir as possibilidades. Teve um filme escrito exageradamente para si, distorcido pela sua personagem, e, a partir de um texto enjoativo, teve uma performance sofrível. Não está, de forma alguma, ao nível das duas adversárias. Riva foi avassaladora, no retrato da degradação da idade e da doença, e merecia subir àquele palco, logo no dia em que faz 86 anos, e em que se chancelará como a senhora mais velha de sempre a ser Nomeada. A melhor de todas é, contudo, Jenny Lawrence. A sua personalidade e o seu jeito são qualquer coisa de desconcertante, e a sua química farta rouba cena atrás de cena, tornando-a simplesmente apaixonante. É um figurão que devia ser suficiente para, aos 22 anos, e já na sua segunda nomeação, receber a primeira estatueta da carreira.

SECUNDÁRIO (4/5)
Outro directório aberto a apostas. Christopher Waltz, com os olhos no segundo Óscar em quatro anos, parece ligeiramente na dianteira, tendo vencido o Globo e o BAFTA. Tommy Lee Jones, porém, venceu o SAG, e Philip Seymour Hoffman o prémio da Crítica. Não vi The Master. Entre os outros dois, devo reconhecer que o galardão fará sentido nas mãos de ambos. Waltz volta a ser brilhante nos caminhos de Tarantino, calmo e incendiário ao mesmo tempo, num dos seus jokers de sempre, mais uma vez icónico na sua acção. No entanto, o meu favorito é Tommy Lee Jones, na pele da História, num papel poderoso, dúbio, e onde os meios justificam os fins, profundamente carismático e venerável.

SECUNDÁRIA (3/5)
Vitória unânime de Anne Hathaway, que não vi. O triunfo não lhe irá fugir, e de quem presenciei - Sally Field, Helen Hunt e Jacki Weaver -, não sobressaiu verdadeiramente ninguém. Merecerá a nota Helen Hunt, com o papel mais interessante de entre essas três.

REALIZAÇÃO (5/5)
É, ao mesmo tempo, a categoria mais feliz do ano, a nível de escolhas, e o mais extremo ponto de interrogação da noite, uma vez que Ben Affleck, que venceu tudo até agora, não estará na corrida. Um único pecado: a ausência injustificável de Tarantino. De resto, o corte a direito em nomes grandes como Affleck e Bigelow, em benefício de um estreante como Benh Zeitlin, e da sua realização fantástica de Beasts of the Southern Wild, e dos menos mediáticos O. Russell e Ang Lee, com trabalhos infinitamente mais merecedores, merece uma vénia. Espero que não ganhe Michael Haneke, a única realização da lista da qual realmente não gostei. Estava a torcer por Spielberg desde que comprovei que Lincoln é um filme ao nível dos velhos tempos, a findar um hiato que já ia longo; mas Ang Lee, e a sua monumentalidade visual, em Life of Pi, somada ao facto do filme poder passar em branco sem essa vitória, faz dele o meu favorito.

ARGUMENTO ORIGINAL (4/5)
É um prémio sempre especial para quem gosta de cinema e gosta de escrever. Tarantino já estará a sentir o título nas mãos, 18 anos depois de Pulp Fiction, e além de ser uma vitória inatacável, ainda sabe melhor por ser para ele. Só não venceu o Sindicato de Argumentistas até agora (vitória absurda de Zero Dark Thirty...), mas é, de muito longe, o favorito, depois de mais uma demonstração de todo o seu génio, que o colocará numa galeria de elite de apenas 5 homens que ganharam tamanho prémio mais do que uma vez, liderada, claro, pelo mestre dos mestres, Woody Allen de seu nome (3 vitórias). 

ARGUMENTO ADAPTADO (5/5)
Tudo em aberto. O Sindicato de Argumentistas deu a vitória a Argo, os BAFTA a Silver Linnings Playbook e o Critics Choice a Lincoln. Passando a implicância, acho que o maior atentado a envolver Argo na cerimónia ainda seria a vitória da penosa adaptação de Chris Terrio. Seguindo tudo o que já disse, certíssima está a Academia Britânica, e o meu prémio também seria para David O. Russel, e para o seu estupendo Silver Linings. Senão, que seja premiado o trabalho notável de Tony Kushner, em Lincoln, a contar a História como se a tivesse vivido.

ANIMAÇÃO (3/5)
Mais um ano desolador, ainda pior do que 2011. É dramático que a Animação, que no fim da última década andava nos píncaros de toda a gente, com o corolário que foi estar, pela primeira vez, na corrida a Melhor Filme (Up, 2009), continue a fazer esta insossa caminhada pelo deserto. Brave, talvez o Pixar mais fraco de sempre, é o candidato melhor posicionado - venceu o Globo, o BAFTA e o Annie -, mas Wreck-It Ralph, que não cheguei a ver, ganhou o Critics Choice, e pode ter uma palavra a dizer. Espero, sinceramente, que não seja Brave a ganhar. À Pixar é obrigação exigir-se infinitamente mais; o desfecho não deve ser que piore tanto, e continue a ganhar. No meio de uma franca pobreza, e dos que vi, venceria ParaNorman.


Em suma, torce-se por qualquer derrota de Argo e por qualquer vitória de Silver Linings, em particular de Jennifer Lawrence e de Argumento Adaptado, onde as hipóteses são reais. Pelas não vitórias de Jessica Chastain, Michael Haneke e Brave, e pelo reconhecimento de Lincoln, Django e Life of Pi. E que Adele marque o ponto de honra de Skyfall, com Música Original. Na madrugada de Domingo para Segunda, na TVI, como sempre, a partir da 1 da manhã. Expectativas muito altas para o hosting de Seth MacFarlane.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

É do tamanho do que joga


Aos 18 anos, quando se estreou pelo Sporting, já jogava como um velho. Ano sobre ano, foi sempre o critério em pessoa, o mais inteligente, o mais confiável e o mais rentável da equipa. Em qualquer circunstância de jogo, é seguro que Moutinho investirá na melhor decisão, e seria capaz de fazer 100 jogos por ano, e continuar a ser totalista e um dos melhores. Sempre foi o sonho de qualquer treinador.

Algures no caminho, no entanto, duvidou-se do estofo. Nunca da fiabilidade, mas da estaleca para queimar níveis, da personalidade e da maneira de estar. Crescendo ao lado de Nani, Veloso ou Djaló, Moutinho sempre foi a antítese da estrela. Averso à ribalta, preferia andar escondido nos vértices do meio-campo de Peseiro ou de Paulo Bento, a ser um gregário de alta produção, em vez de ser ele a cara das coisas. Os adeptos gostam do perfil, mas humildade a mais nunca fez bem a ninguém. Esse caminho levou-o, eventualmente, a falhar o Mundial da África do Sul. Lembro-me de ter concordado, na altura. Moutinho era um jogador-modelo, mas só isso nem sempre chega. Sem nunca ter sido um criativo, e sem ganas para assumir o jogo e para agarrar a equipa, sem esse nervo, era como se estivesse condenado a ficar à margem dele próprio.

A demonstração brutal de hoje, nuns oitavos-de-final da Liga dos Campeões, fala por tudo o que Moutinho evoluiu nos últimos três anos. Já não é só o melhor aluno da escola; é o tipo que organiza as festas, toma a dianteira e que contagia toda a gente. O mais importante da ida de Moutinho para o Porto não foram os títulos, não foi poder estar nos jogos que todos querem jogar. Foi a avalanche de personalidade adquirida, o nervo, a libertação mental do seu futebol. No Porto, tiraram-lhe o peso do mundo das costas, o que ajuda, claro. Mas também lhe exigiram que fosse melhor, porque ser bom já não era suficiente. Não para aquela estrutura, não para o seu talento. Tem corrido como se vê.

Moutinho nunca será um abre-latas fazedor de impossíveis, como Iniesta; mas já não é o pão sem sal exemplar, que recupera, toca e toma uma boa decisão. É um Pequeno possuído, que corta com os dentes de fora, manda uma cueca no primeiro que lhe aparece, arrasta consigo as carruagens da equipa, e abre uma avenida a um colega. Ou então, a nova moda da temporada: pica ele próprio o ponto, de livre, de fora da área, ou até dentro, como hoje. Aos 26 anos, continua a crescer. Teve o mérito extremo de não ficar para trás, de tomar decisões difíceis mas certas, e de acompanhar o que a sua mentalidade e o seu talento sempre prometeram poder fazer. Será hoje, com propriedade, um dos dez melhores médios-centro da Europa, e que não se ache que ele não pode continuar a escalar degraus. Fica maior todos os dias.

No campo, o Porto voltou a provar que, nisto da Champions, não ganha quem quer. Faltaram melhores oportunidades e mais golos, mas o Málaga foi vulgarizado de forma evidente, e só um jogo muito atípico no La Rosaleda pode tirar os homens de Vítor Pereira da pole dos 8 melhores da Europa.

Quando as melhores coisas vêm mesmo nas embalagens mais pequenas



Curta sublime, enternecedora, cativante, genuinamente boa. O coração e a simplicidade que é a grandeza das melhores histórias. Uma fusão feliz entre o tradicional e o moderno, fechada com a banda sonora ideal. É Disney, mas são os seis minutos e meio mais próximos à Pixar de extrema excelência que anda desaparecida desde Up.

Estreia-se a realizar John Kahrs, homem com carreira pixariana, e a produção executiva é do lendário John Lasseter, pai de Toy Story, e actual chief creative officer, tanto da Pixar, como da Disney. Já ganhou o Annie, prémio por excelência em Animação, e está nomeada ao Óscar. Seis minutos e trinta e três longe da bonecada e do espalhafato inócuo dos últimos tempos. Um regresso ao bom gosto, na melhor Animação do ano.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Amour


Filme duríssimo. Cru, doloroso, violento visual e emocionalmente. Amour não tem quase nada de cândido, ao contrário do que o nome poderá sugerir. É um retrato tão agreste quanto possível do que pode ser a velhice, do que é a fragilidade extrema da doença, a irremissibilidade dos últimos anos, a inevitabilidade de estar mal, e de ir ficar pior, de degradar-se, de morrer todos os dias mais um pouco. Não tem nada de enternecedor, de consolável. É um banho de água fria, um soco no estômago, um custo que nos consome. É, também, em grande parte, uma história de missão. Do amor como partilha definitiva, nos dias mais negros e até que a morte os separe. Uma história de sacrifício e de devoção totais, de querer dividir o mesmo caminho, mesmo consciente que dele não há regresso, nem para um, nem para outro. E ir mesmo assim, porque é assim que tem de ser.

É um dos filmes mais difíceis do ano, este vencedor da Palma de Ouro, em Cannes. O conteúdo agride-nos, mas isso fala pelo seu nível; a forma, porém, pesa um filme já de si pesadíssimo, e é mais discutível. Faço uma vénia ao trabalho de argumento de Michael Haneke, mas não arranjo forma de gostar da sua filmografia (está duplamente nomeado aos Óscares). Amour é filmado, quase a tempo inteiro, em planos fixos, nos quais se deixa estar demoradamente, muitas vezes em silêncio, para então cortá-los de forma abrupta, como se ainda estivessem a meio de qualquer coisa. Os diálogos são tendencialmente cirúrgicos, e não há banda sonora, abusando-se desse silêncio e do vazio dos espaços. Compreendo que um punhado de opções de realização sejam necessárias ao desconforto da acção (diálogos inócuos para desenhar o quotidiano, 2 horas de filme no mesmo apartamento, porque tem de ser, etc), mas, a nível técnico, Amour é uma obra ostensivamente majestática e solene, que é profunda por natureza, mas que faz questão de sobrecarregar a sua intelectualidade, coisa tão cara aos europeus, e que acho que acaba por maçar o filme desnecessariamente.

Emmanuelle Riva é atordoante. O seu processo de degeneração é interpretado com um realismo radical, e não há nada a fazer a não ser nos chocarmos de cada vez, enquanto a acompanhamos distanciar-se da sua graça e da sua lucidez, até ficar num autêntico farrapo humano, em relação ao qual não há, pura e simplesmente, forma pouco afectada de reagir. Costuma dizer-se que é fácil fazer papéis de doentes, mas quem vir Amour, percebe que não há nada de remotamente fácil na sensacional performance de Riva, uma daquelas para fazer escola. Será com todo o mérito que, na noite dos Óscares, esta grande senhora, que já venceu o BAFTA, estará a comemorar os seus extraordinários 86 anos num lugar de destaque da grande plateia, enquanto se celebra como a mulher mais velha de sempre a ser nomeada para Melhor Actriz.

Mas também Jean-Louis Trintignant não pode ser esquecido. Se Riva deslumbra pelo impacto que se vê, Trintignant é imenso pelo impacto que nem se ouve. Não se queixa, não hesita, não chora, não tem pena dele próprio, recusa que alguém tenha. Dá-se completamente, e sujeita-se a tudo, assombrado na cara e na alma, mas sem nunca pensar duas vezes. É um desempenho complementar de luxo, e merecia mais crédito na época dos prémios, ele que, no auge da carreira, já ganhou Melhor Actor em Berlim e em Cannes.

Como já escrevi, a realização de Haneke é uma condicionante à qual não consigo fugir. Apesar disso, as interpretações e o estofo incomparável com que é contado, consumados num final brilhante, fazem de Amour, de facto, um dos filmes mais marcantes de 2012.

7.5/10

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Gareth. We've seen this before


Explosão. Monstruosidade física, verticalidade, velocidade, vertigem, um bombardeiro no pé. Golos dentro e fora da área. Agora também de livre, claro. Cresce todos os dias, e está a ganhar jogos atrás de jogos sozinho. Não esconde que o ídolo é o senhor do Olimpo de Madrid, e já não consegue esconder que se está a decalcar na marca dos colossos. Ver Bale tem sido qualquer coisa de espantoso.

Há dois anos, era só um lateral promissor. Hoje, está feito num avançado de nível planetário. Imaginava-se no que podia dar, mas, nas mãos de Villas-Boas, parece não ter limites. A época não foi um registo limpo, e Bale andou tempo a mais aos altos e baixos, como a equipa. À entrada para esta recta final, porém, tem-se limitado a ser assustadoramente bom. Nos últimos quatro jogos do Tottenham, marcou todos os seis golos da equipa. 3 de livre directo!, 2 em rockets de fora-de-área, o outro depois de correr meio-campo sozinho. Valeu 10 pontos. Em qualquer um desses jogos, poderia, com naturalidade, ter feito mais um ou dois golos. Toda a bola que é agredida por aquele majestoso pé esquerdo, já leva o selo de entrega, e só não é dada em mão por algum acaso. Nos últimos tempos, Villas-Boas achou de resgatá-lo à extrema-esquerda. Decidiu dar-lhe o meio, as costas do avançado ou, valendo a verdade, a fatia de campo que ele melhor entender. Ele tem agradecido.

O Special Two recuperou a aura que, depois do ano alado do seu Porto, não parecia possível que pudesse perder. O Chelsea do ano passado foi a definição de trauma, e por pouco não lhe arrancou a carreira das mãos, mas o português aprendeu com os erros, e não tem desperdiçado a segunda vida. O início até assustou, mas a experiência e o engenho adquiridos permitiram que a sua qualidade inevitável viesse de vez ao de cima. O momento da época, claramente, a vitória em Old Trafford, daquelas de predestinados, "for the first time in a generation", como a ponteou a ESPN. Com uma ou outra dor de crescimento, foi sempre a abrir, desde aí.

Os Spurs não perdem há dez jogos. Seguem em 4º na Premiership, a um escasso ponto do Chelsea, e com o bilhete para a Champions na mão, à frente do Arsenal. Ontem, deram um passo importante para se apurarem na Liga Europa. São uma das equipas europeias mais entusiasmantes do momento. Bale, claro, só divide com Robbie Vantastic o estatuto de figura maior da Premier League.

ParaNorman


Longe de deslumbrar, é, possivelmente, o filme de Animação mais bem conseguido do ano.

ParaNorman é um stop-motion que conta a história de um pequeno rapaz, Norman, que vê e fala com mortos onde quer que esteja. Assim, de chofre, percebe-se como é um tema de valor, tão melhor do que a concorrência, e merecia o crédito só por isso. Norman é um completo outcast, posto de parte pela vila, pela escola e pela família, mas o sítio onde vive é especial, como não podia deixar de ser, encerra em si velhas histórias, e os seus préstimos terão de vir ao de cima. Chris Butler estreou-se a escrever e a realizar, sendo que, na realização, partilha os méritos com Sam Fell, britânico que assinou Flushed Away ou The Tale of Despereaux.

O filme tem ambição, inteligência e insinua carisma, nessas histórias místicas do passado, e na descoberta que se vai fazer delas. Tem coração, no conto sobre a diferença e sobre o preconceito, e é fresco no trato da morte e do sobrenatural, investindo num texto ligeiro e engraçado durante longa parte do tempo, assente no tratamento mais humanizado e bem disposto de zombies de sempre, e numa realização bem desenhada, repleta de bonecos de bons traços. Mesmo assim, não há que enganar: ParaNorman não é capaz de surpreender, tem uma mensagem longe de ser inspiradora, e não tem vida visual suficiente para nos contagiar.

Mesmo nas suas limitações, não é, no entanto, um filme vulgar. É criativo qb, sério e bem ambicionado, e isso está acima da média do género, em 2012.

6/10

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Beasts of the Southern Wild


Filme diferente, na história e na narrativa. Beasts conta a história de uma comunidade de Sem-Terra, a viver numa espécie de ilha na foz de um rio, uma zona mais ou menos de ninguém, sem quaisquer condições e erigida numa miserabilidade grande, exposta a todos os elementos, passível de ser alagada e destruída em qualquer temporal, uma "ilha ficcional" inspirada por comunidades piscatórias independentes e isoladas do Louisiana, no Sudoeste americano, expostas à erosão, à subida do nível do mar e aos furacões. Os protagonistas são uma pequena menina, orfã de mãe, e o pai com que ela vive nesse lugar perfeitamente esquecido por deus, e que está severamente doente.

Beasts é um filme, acima de tudo, sobre pertença. Sobre a casa, o conforto e a identidade que se pode achar, mesmo feitos de nada e no meio do nada, contra quase tudo e quase todos. É um filme sobre o nosso lugar, as nossas pessoas, mesmo que quem olhe para isso não possa perceber, que fala de sobrevivência, da crueza da vida, de paternidade, de perda, e do fim da inocência. O argumento baseia-se numa peça de Lucy Alibar, que se estreia a adaptar para cinema, em parceria com o realizador Benh Zeitlin, também ele um rookie a todos os níveis. Estão ambos na corrida ao Óscar de Melhor Argumento Adaptado.

Zeitlin acumula a nomeação com a de Realizador, e se o trato da história é bom, a realização é, ela sim, espantosa, e, com toda a razão, indicada ao Óscar. Aliás, a Academia esteve quase irrepreensível na categoria: falhou Tarantino, injustamente, mas Ang Lee e Zeitlin foram nomeados na vez de Affleck e Bigelow, que eram ladeados pelos seus pesos-pesados, e isso só pode merecer aplauso. A câmara de Zeitlin é de uma sensibilidade desarmante. As cores, as luzes, os movimentos, os planos, são quase sempre de uma beleza extrema. O ambiente dos lugares do filme, de praticamente todos eles, é excepcional. Exalam vida, carisma, dá para senti-los, cheirá-los, vivê-los. É uma realização absolutamente envolvente, deliciosa, e apoia-se, ainda por cima, numa das bandas sonoras do ano, brilhante, a completar magistralmente todas as grandes cenas, composta pelo também pouco conhecido Dan Romer, e pelo próprio realizador-argumentista. 2012 foi, portanto, uma estreia de sonho para ele, que já lhe rendeu a Caméra d'Or, em Cannes, e o Grande Prémio do Júri, em Sundance.

Quvenzhané Wallis faz cair um queixo, se pensarmos que tem uns inacreditáveis 9 anos. A mais jovem Nomeada da História a Melhor Actriz respira talento por todos os poros. A sua personagem tem a vida mais assombrada à face da Terra, mas é, ela própria, uma assombração de atitude, de resposta às adversidades e de maturidade precoce. É uma autêntica criança, mas sempre com esgar de quem já viveu mais que muito. No papel, não lhe pediram que chorasse, ou que fosse uma sentimentalista fácil; pediram-lhe, ao invés, para aguentar o choro, para fechar a cara, subsistir e ser gente grande, ao que ela responde com um desempenho infinitamente mais adulto do que a sua idade impressionante podia fazer crer. É uma das performances do ano, absolutamente, e um choque tentar imaginar o que se pode esperar do seu imenso resto de carreira, se ela assim o seguir. Também Dwight Henry, o pai, é um Secundário à altura, sempre tão agreste quanto bem intencionado, ensinado pela vida, e destruído pela iminência de ir falhar como pai, ao que investe tudo num amor duro, para fazer da filha independente e capaz, forte, para lhe dar uma oportunidade de sobreviver por ela própria, quando ficar sozinha.

Beasts of the Southern Wild é, apesar de tudo, mais estilizado do que seria ideal, o que o torna menos fácil de apreender. Investe, não raras vezes, numa narrativa muito interpretativa do autor, em laivos artísticos e, especialmente, num derrame pelo mundo da Fantasia, o que lhe causa um ruído desnecessário e uma pior digestão. Não deixa, porém, de ser um filme de franca qualidade, com boa interpretação, enorme visualidade e um sentimento indiscutível.

7.5/10

"O futebol não é um jogo de vida ou de morte. É muito mais importante do que isso"


"Não comemorei porque é uma casa em que joguei seis anos, e à qual cheguei quando era ainda uma criança. Preciso do respeito de toda a gente de lá."
Ronaldo

"Culpei o Evra por não intervir [no golo], mas depois vi as imagens e senti-me um pouco estúpido. O joelho dele estava ao nível da cabeça do Evra. Fenomenal. Já falei com ele. Está agora no nosso balneário, a falar com os rapazes." 
Fergie

A fotografia dá um nó na garganta. Ali, dez anos depois do primeiro dia, mais do que mestre e aprendiz, mais do que mentor e pupilo, vê-se, distintamente, um abraço de pai para filho. Chegou ao gelo de Manchester ainda uma criança, como ele próprio o diz tão bem. Com todos os seus infinitos méritos, a devoção daquele abraço é o reconhecimento, em voz alta, de que Ronaldo nunca lhe poderá pagar o que ele o fez crescer. De que Ronaldo nunca seria Ronaldo, sem ele. Vemos o miúdo que entrou, o homem que saiu, o ícone que se fez, lembramos Sir Alex, o Fergie intemporal, a criar gerações e gerações de futebol, a criar aquela gente toda e a falar deles sempre com o brilho nos olhos, e sabemos que é assim. Tamanho talento não podia ter ficado ao cuidado de qualquer um; pensar que o Universo pôs Ronaldo ao cuidado de Ferguson é daquelas coisas para nos deixarem sempre a sorrir. Claro que estava escrito. É certo demais para que não estivesse. E claro que voltarão a estar lado a lado, antes do fim. A casa volta-se sempre.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A diáspora


Ir correr o país com o Marítimo era um dos entusiasmos da minha ida para a Faculdade. Quem não vai ao estádio poderá relativizar, como o fará quem, consoante lhe apeteça, pode fazer uns quilómetros de carro e ir ver a sua equipa de sempre a um vizinho qualquer. Para a insularidade, porém, "ir ver" o Marítimo sempre foi uma coisa especial, uma afirmação, uma razão em si mesma. O meu pai não ia ao Continente passar uns dias com os amigos; o meu pai ia ao Continente ver o Marítimo, o que faz, basicamente, com que o resto fossem só as sobras. Eu nunca tinha ido. Daí que, à entrada para uns quantos anos do outro lado, já visse tudo na minha cabeça.

Como nas melhores histórias, o meu primeiro jogo foi o acontecimento mais inortodoxo à face da Terra. O primeiro ano ainda estava naquele início de Outono, eu ainda a perceber bem o que era aquilo tudo, e o meu velhote foi fazer as honras. 19 de Outubro de 2008. O Marítimo ia jogar a primeira eliminatória da Taça desse ano a casa de um clube então absolutamente desconhecido, que teria acabado de subir da 3ª para a 2ªb, algures lá bem no coração do Norte. Nesse dia, comi pão de ló pela primeira vez na vida. Descobri onde raio era Arouca no mapa, e fiquei a saber o que é perder-se pela noite nos caminhos de Portugal. Infelizmente, também percebi o amargo que é o nosso clube ser o gigante na história dos tomba-gigantes.

Até hoje, essa eliminação ocupa um lugar de destaque nos traumas da memória colectiva maritimista. Desse dia, contudo, guardo uma coisa completamente diferente. Ironicamente, o que nunca vou esquecer dessa derrota absurda é o gosto desmedido na cara do meu pai, por estarmos lá. Para ele, percebi isso depois, aquilo não era um jogo da Taça. Aquilo era uma passagem de testemunho. Um rito, uma etapa, uma instituição de pai concretizada. Era "irmos ver" o Marítimo, e nisso residia, por si só, todo o valor. Nesse dia, aprendi uma das minhas maiores lições de maritimismo: não interessa como acaba. Tudo o que interessa é que se esteja lá.

Vi muito menos jogos do que gostaria de ter visto. O dinheiro, o tempo e a Universidade nem sempre são sensíveis à militância. Mas ainda vi, felizmente, histórias para contar. Ainda nesse Inverno, com toda a gente a contar a hora de voltar para casa - diziam-nos as histórias que o segredo era sobreviver ao primeiro Inverno -, eu achei de ficar para trás, e gelar no Dragão, num dia 21 de Dezembro. Foi suficiente para ver o 0-0, o melhor resultado que lá se fez em 20 anos.

Um dia, na Mata Real, apanhei a chuvada da minha vida. 2 horas a levar com a água antárctica que jorrava do céu, no estádio mais velhinho e modesto que deve existir no Sistema Solar. Quem já lá foi num dia mau, há de compreender. Perdemos. E já nem jogávamos para nada, nesse fim de época. Que se foda, tão épico que foi, gritarmos pelo Marítimo sozinhos e ensopados, numa bancada só para nós, enquanto o resto do mundo racional se acotovelava na cobertura exígua das Centrais, para não apanhar uma pneumonia.

Estive em Alvalade, quando o Manu enfiou ao Patrício um dos bilhetes desse campeonato, no jogo que lhes pôs o ponto final no Paulo Bento forever. Grandes 600km foram esses, em menos de dois dias. Coisas para a fé do meu pai, bem visto, que alugou o carro, e, conforme a tradição, nos abasteceu de um saco de bifanas no pão, compradas numa das roulottes à saída, para ir para cima com a alma ainda mais quente.

Quando fui à Luz, perdi. Foi o fim-de-semana dos 20 anos de um dos meus irmãos de sempre. Ainda estávamos ressacados, e ele tinha um avião para apanhar em contra-relógio, no fim desse jogo e no fim desse domingo à noite. Estávamos a perder 3-0 ao intervalo, ia ser melhor jogar pelo seguro. Acontece que marcámos dois a abrir a segunda-parte, e a fé move montanhas, mesmo que não faça aviões ficarem à espera. Ele perdeu esse avião. Nós perdemos 3-2. Continuou a valer a pena.

O melhor jogo que vi foi a uma sexta-feira à noite em Coimbra. Até hoje, é um dos maiores festivais que tive o prazer de presenciar. Que bendito show de bola, com dois gajos a delirarem ali perdidos no meio do resto da gente, algures para onde os bilhetes de visitantes nos tinham mandado. Ganhámos 4-2, único desfecho à altura da História que também se celebrava nessa noite: Mitchell Van der Gaag lalalala, passou, então, a ser também música de treinador. Coimbra-B pareceu o sítio mais simpático do mundo, nas horas geladas em que ainda tivemos de esperar pelo comboio nessa noite.

Apanhei temporais, andei perdido, gastei dinheiro que às vezes nem tinha, tive medo de apanhar porrada, e perdi muitas vezes. Mas aquele gozo de ir desembocar a lugares onde nunca fomos, descobrir o caminho até ao estádio e chegar com a vaidade das nossas cores, dando, finalmente, com o nosso bastião, com o nosso sabor a casa, não é coisa que se explique. O coração fica cheio. E não conta, realmente, se ganhamos ou perdemos, como o meu pai me ensinou sabiamente, naquele primeiro dia. Ali, estamos em missão, estamos a dar a cara pela causa, temos o orgulho de poder dizer presente. E devoção não é coisa que se possa cobrar. A viagem é a recompensa, como diz um velho provérbio chinês. Essa devoção é o que investimos e o que ganhamos ao mesmo tempo.

A esses anos do outro lado do mar, e a nós, nessas viagens para ir ser fiel a casa, habituamo-nos a chamar de diáspora. Na semana passada, foi a minha vez de fazer parte, um dia mais. Hoje, foi a vez da diáspora festejar por mim.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Life of Pi


Mais um a confirmar que 2012 foi um ano de cinema de luxo.

Life of Pi é a aventura da vida de um rapaz indiano, Pi, como o número, que um dia é forçado a partir com a família da Índia pós-colonial, à procura de uma vida melhor na América do Norte. Na terra-natal, o negócio da família era não menos do que um zoológico, e a viagem para o Canadá faz-se num cargueiro japonês, qual Arca de Noé, necessário para acomodar os muitos animais que seriam vendidos, e que proporcionariam à família o novo começo. A odisseia homérica dessa viagem faz o filme.

What has mamaji already told you? 
He said you had a story that would make me believe in God. 

Life of Pi é um filme extraordinariamente espiritual e introspectivo. É um filme de fé, mas sem os vícios da religião. Sem dogmas, com uma subtileza e uma sensibilidade imensas, desconstruindo o próprio espectro religioso, ao converter o seu protagonista, simultaneamente, a três religiões diferentes. É um filme essencialista, que fala de sobrevivência, de paz interior e da descoberta de si próprio, por parte de um miúdo a viver uma tragédia de proporções bíblicas, onde o legítimo era que ele fosse vergado ao peso das circunstâncias, pusesse tudo em causa e falhasse. A sequência final do argumento, é, porventura, o corolário mais genial do ano, e consolida Life of Pi como um filme de excepção, capaz de roçar o brilhante. Trabalho muito bom de David Magee, norte-americano de 50 anos que, em 3 longas-metragens escritas, foi 2 vezes nomeado ao Óscar (a outra por Finding Neverland, em 2004), aqui a adaptar o livro homónimo do canadiano Yann Martel (2001).

O filme nem sempre é fluido, tem tempos mortos que o afectam, e, mesmo com uma matriz sóbria, há ocasionalmente um lirismo exagerado, e mal contido, também precipitado pelo facto de Suraj Sharma, o protagonista, ficar sempre aquém do que o papel poderia ter sido. Certo é que, quando acaba, e podemos perceber todo o seu significado, não há como não o reverendar.

As performances individuais não deixam marca. Sharma, o protagonista, é o único que o poderia ter conseguido, mas falta-lhe sofrimento, afectação, coração. A Irrfan Khan (o protagonista, mas mais velho, no tempo do filme) e Rafe Spall (o escritor preparado para contar a sua história), falta-lhes mais tempo para se evidenciarem, mas são sempre cativantes, na sua componente narratória do filme. Quem abunda poder e tempo de antena, e merece o destaque, é Richard Parker... um monumental Tigre de Bengala, que é um espectáculo de todas as horas, e que será, por mérito próprio, um dos ícones da temporada, tal como Uggie, o Jack Russel Terrier que brilhou em The Artist, no ano passado.

Um grande texto, mesmo que com algum sub-rendimento na acção e no cast, e, sem dúvidas, um monumento a nível visual, uma odisseia cinemática de expressão bíblica, que acumula cenas constantemente esmagadoras. Não é à toa que Ang Lee chancelou a sua terceira nomeação para Melhor Realizador (ganhou com Brokeback Mountain, em 2005). É um trabalho de um poder avassalador, de mestre, com estilo, sensibilidade e majestade, que deleita a tempo inteiro, e que justifica todo o reconhecimento, mesmo que estejamos a falar de uma obra com mais computador e menos câmara.

Nomeado para 11 Óscares, incluindo Filme, Realizador e Argumento Adaptado, a forma mais justa de resumir Life of Pi é dizer que é um filme de uma singularidade e profundidade extremas, daqueles que podemos ter a certeza de que vamos ver muito poucas vezes num ano. Um obrigatório.

8/10

Bélgica. A segunda geração de ouro


A Bélgica não vai a uma grande competição há dez anos. A última presença foi o Coreia-Japão, em 2002, onde os belgas conseguiram chegar aos oitavos-de-final, sendo, então, batidos pelo Brasil, pentacampeão que havia de ser. O hiato começaria em 2004, justamente no nosso brilhante Europeu, e prolongou-se até à Polónia e à Ucrânia, no Verão passado, num total de 3 Europeus e 2 Mundiais falhados. A verdade é que, já bem antes disso, a Bélgica perdera a sua expressão. A idade de ouro do seu futebol foram os anos 80. Em Itália, logo no ano zero dessa década, os belgas foram vice-campeões da Europa; seis anos depois, no imortal Mundial do México, viriam a ser quartos, tendo a honra de perder as meias-finais para que se escrevesse a História de um profeta. Foi a época de Pfaff, Gerets, Ceulemans e Scifo.

O novo século começou com o país a organizar um Campeonato da Europa, a que lhe juntou, logo depois, o tal Mundial simpático na Ásia. O que se seguiu, no entanto, foi a segunda maior crise de presenças da História da selecção, até ver. Na última década, é pacífico dizer que a Bélgica foi varrida do mapa futebolístico europeu. Os últimos dois anos têm sido, porém, uma pedrada no charco desse sentimento de depressão: quase de repente, os melhores clubes da Europa começaram a ser invadidos por jogadores belgas. Têm chegado, afirmado-se e crescido de uma forma absolutamente exponencial. Com a Premier League a servir de santuário primordial, e muito especialmente este ano, os belgas têm sido notícia quase todas as semanas, e pelos melhores motivos. E se pararmos, e investirmos no exercício mental clássico de fazer um onze, então o resultado final será de um luxo entusiasmante e mais ou menos surpreendente.

Na baliza, há Courtois (Atlético, emprestado pelo Chelsea) e Mignolet (Sunderland).

Na defesa, Kompany (City), Vermaelen (Arsenal), Vertonghen (Tottenham) ou Lombaerts (Zenit).

No miolo, Hazzard (Chelsea), Fellaini (Everton), Witsel (Zenit), Dembélé (Tottenham), Defour (Porto) ou De Bruyne (Bremen, emprestado pelo Chelsea).

No ataque, Lukaku (West Brom, emprestado pelo Chelsea), Benteke (Villa) ou Mirallas (Everton).

Nenhum nome desta lista tem mais de 27 anos. Courtois, Hazzard, Bruyne, Lukaku e Benteke ainda são sub-23. O que esta equipa pode crescer no futuro próximo é qualquer coisa de imenso. Provavelmente não será uma selecção para ganhar títulos, mas é uma equipa para estar, com naturalidade, num top10 continental. E porque o talento não é só sorte, há uma coisa que não deverá ser dissociada deste surto futebolístico: há exactamente 10 anos, desde 2003/2004, a Federação Belga instituiu um novo método de trabalho nos seus escalões, incitando, depois, a que os clubes também o adoptassem. Os resultados deste notável trabalho de base estão agora à vista.

Para já, a Bélgica lidera o seu grupo de qualificação para o Brasil, com uma diferença razoável para o terceiro classificado. O futebol é pernicioso mas, nesta altura, apostar que esta Bélgica de Marc Wilmots - recordista de participações e de golos em Mundiais, pelo país - pode ser uma das verdadeiras surpresas da Copa do Mundo, soa a coisa certa.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

The Sessions


Notável história verídica, centrada em Mark O'Brien (1949-1999), poeta e jornalista norte-americano que, aos 6 anos, contraiu poliomielite, uma doença que o viria a paralisar do pescoço para baixo até ao fim da vida. O filme baseia-se exactamente num dos seus próprios ensaios, no qual este conta como, aos 38 anos, contratou uma sex surrogate para perder a virgindade.

A história é empática, a figura é cativante e o filme proporciona diálogos, situações e interpretações bastante boas. É um filme fácil de gostar, como acontece naturalmente com argumentos tão bons da vida real, apesar de, no global, ficar à margem do seu próprio potencial. Ben Lewin, um australiano-americano de 66 anos, que não realizava longas-metragens há 18, e também ele vítima de polio, acumulou a câmara e a adaptação do texto. O argumento consegue proporcionar, de forma atraente, momentos bonitos e diálogos de uma intimidade extrema, mas ressente-se quase sempre de uma certa brusquidão a contar a história, quase uma falta de à vontade, que lhe tira parte do sentimento e que faz tudo andar rápido demais. Isso fica evidente também na realização. O filme é consideravelmente curto para um drama (1h30), e isso é consequência de cenas empilhadas de forma pouco coesa, faltando-lhes demorarem-se mais tempo, serem mais fluídas e, no essencial, faltando mais jeito a contar a história.

As interpretações, no entanto, são inatacáveis. John Hawkes é muito bom, porventura a merecer outra consideração da Academia, conseguindo capitalizar plenamente um papel sempre muito propício, é verdade, mas ao qual também não faltam exemplos de quem não tenha conseguido cumprir. Hawkes encarna a personagem notavelmente, impregnando-o de personalidade, no humor, na estranheza e nas profundas fragilidades, e consegue, num filme ao qual falta uma certa emotividade, um carisma e uma empatia muito grandes. Helen Hunt, ela sim nomeada para Secundária, também tem um papel de óptimo nível, e mais difícil, ao qual responde sempre com naturalidade, tacto e uma afectação genuína. Até William H. Macy está à altura, na pele de um padre constrangido, mas com piada, bom conselheiro para todas as horas.

The Sessions, que venceu um Prémio da Audiência em Sundance, é uma história que justifica ser vista. Merecia, contudo, alguém com mais tempo e mais talento para a contar.

7/10

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Um de nós


"O Marítimo? Faz parte da minha vida. Deu-me uma oportunidade como jogador aos 29 anos, e depois deu-me a oportunidade de começar a carreira de treinador. Foram dez anos com muito sucesso. Nunca esquecerei o Marítimo e a Madeira."

Quando me lembro dele, a primeira coisa que me vem à cabeça é um contra-ataque do adversário. Qualquer contra-ataque, qualquer adversário, fosse um, ou fossem muitos. Não sabia exactamente como, só sabia que ia ser com classe. 3 segundos depois, balbuciaria o meu pai, com um sorriso mal escondido: "Mitchell. Fácil." Era isso que parecia. Ele nunca cortava feio, e raramente batia, talvez jogasse por regras diferentes. Calhando, nem sujava os calções. Era um daqueles defesas que faz carreira só para dar bom nome à profissão. Para mim, o Mitchell nunca fez um jogo mau. Jogos maus são coisa de jogadores desocupados, e o Mitchell era sério e holandês, tinha mais que fazer. Não fazia correrias, nem acrobacias e mal me lembro dele gritar com os colegas. O Mitchell sempre foi a prova acabada de um líder pelo exemplo. Para carisma e reverência, bastava-lhe estar. Tinha tanta qualidade e tamanho compromisso com aquela camisola, que não havia como não respeitar, e não tentar modestamente fazer o mais parecido possível. Não acho que, no seu mandato, algum jogador do Marítimo tenha falado para ele sem ter em conta, até à terceira camada do subconsciente, que estava a falar com o capitão. Nele, aquela braçadeira fez sempre sentido, e é isso que faz um mundo de diferença. Não conheço ninguém que o tenha visto, e que não ficasse orgulhoso por ser ele a levá-la.

Em Portugal, ele não vestiu outra camisola. Como tinha de ser. E depois de uma fugida curta à Arábia, voltou para casa, para contarmos com ele. 3 anos desde as botas penduradas, e foi a hora. A época estava estranha, e a aposta foi conservadora, barata, lançou-se um homem da casa para segurar o barco. Na altura, a falta de experiência assustou, mas, vendo agora, foi sempre lógico. Afinal de contas, ninguém melhor do que quem tinha feito vida a segurar-nos tantas vezes. Essa foi a equipa do Marítimo mais entusiástica que me lembro de ver. Não a melhor, não a mais temível, mas, sem ponta de dúvida, a que tinha o maior coração de todos. Lembro-me de um jogo em Belém, a perder 2-0, a jogar com 10, a um quarto-de-hora do fim. Empatámos. Sofríamos golos a rodos, mas uma coisa era certa: não havia adversário nenhum, nem resultado nenhum, que não pudéssemos virar. Esse Marítimo era uma vertigem de futebol total, e de emoção e nervos pela pele. Até hoje, se há "o jogo que eu não fui ver", é a última jornada desse ano, no Afonso Henriques. Tínhamos de ganhar para ir à Europa, o Vitória só precisava do empate, e marcou primeiro. O 2-1 final festejei como um título, a ver em comoção, pelo streaming, o Mitchell a chorar no campo, e depois a falar como um adepto, na sala de imprensa. Não como o jogador, não como o treinador, mas definitivamente, e nesse que foi o seu último grande dia de Marítimo, como um de nós. É isso que ele será para sempre.