quinta-feira, 27 de junho de 2013

Mundial U20: À grande, mesmo que com Bruma seja batota


Portugal - Cuba, 5-0

O adversário foi demasiado macio para se ir longe nas conclusões, mas há algumas, muito positivas, que têm de ficar. Acima de tudo, a predisposição da equipa. Se, contra a Coreia, a Selecção parecera dolosa e pouco comprometida, desta vez não se limitou ao dever cumprido. Mesmo sem precisar de estar num ritmo alto, teve fome de bola, quis muito mostrar o seu futebol e quis marcar muitos golos. Era fácil ter-se conformado ao calor, e, entre nós, vulgar era ter complicado. Desta vez, porém, a atitude foi exactamente oposta, e isso fala pela sua postura. Hoje, Portugal jogou e comportou-se como uma equipa grande, e isso é um dado entusiasmante para o futuro imediato.

O exemplo partiu do banco. A leitura de Edgar Borges em relação ao jogo anterior foi excelente: saíram, de uma vez, todos os cinco elementos em sub-rendimento - lateral-direito, central, trinco, médio-interior e extremo-direito -, e todos os que entraram deram boa conta de si. É facto que, especialmente na defesa, não é justo tirar conclusões, perante um adversário como Cuba, mas a equipa não sofreu golos pela primeira vez, depois da sangria dos dois jogos anteriores, e essa é uma referência importante para o que fica.

No ataque, por sua vez, era difícil estar melhor. Bruma continua compenetrado no seu festival incrível para todas as horas, ao que se lhe junta o instinto de Aladje e o elegante futebol de posse alta do nosso meio-campo ofensivo, num total de 10 golos marcados em 3 jogos, certamente o melhor ataque da fase de grupos. Ter bola no último terço está no ADN desta equipa, que se sente tão bem a jogar no pé como em profundidade. O verdadeiro Mundial só começa agora, e exigirá bem mais do que talento, mas chegamos ao fim desta fase com opções certas para a matriz da equipa, óptima atitude, um sedutor e entusiasmante futebol ofensivo e o melhor jogador da competição. Começa a ficar sério.

EQUIPA - O rendimento de Bruma é monstruoso, do primeiro ao último minuto. O extremo do Sporting está numa 5ª dimensão qualquer. Para ele, tirar o pé não existe, porque todos os segundos são uma prova pessoal de que é ele o melhor. Quando arranca, já sabe que não o vão parar. Desbloqueou o jogo ao ultrapassar três adversários, um em velocidade, outro em força e o último em jeito, oferecendo o golo inaugural, e acabou com 2 assistências e 2 golos, que já fazem dele o melhor marcador português da História dos Mundiais de sub20. O talento é imenso, e o nível de confiança é quase extraterrestre. É a estrela do Mundial.

João Mário saiu ao intervalo para descansar mas, enquanto esteve, foi a referência de sempre. É outro que não faz ideia do que significa levantar o pé. Antecipa, recupera bolas, mete os olhos no horizonte e desmarca um colega. Um senhor jogador.

Aladje é uma força da natureza. Não é agressivo, tem um perfil de bom gigante, mas é quase impossível disputar um lance com ele, e é mais ágil do que parece à primeira vista. Com o tempo, está a ganhar cada vez mais à vontade a movimentar-se dentro da área, para se envolver com os colegas. De resto, continua a aparecer sempre nos sítios certos, e mantém a média de um golo por jogo.

Das alterações em relação à Coreia do Sul, Tozé afirma-se pelo talento (um mundo de diferença para André Gomes). Falta-lhe alguma intensidade, mas assistiu e marcou, e esteve nos melhores momentos da equipa, a tratar a bola em espaços curtos do último terço. João Cancelo (Benfica), na lateral-direita, é muito melhor do que Dabo. Não deu para saber a defender, mas, a sair, tem pés que nem se assemelham aos do guineense. Na extrema-direita, Ricardo (Guimarães) também marcou e assistiu, mas ainda lhe falta nervo para ter maior preponderância na equipa (melhor que Esgaio, mesmo assim). Finalmente, Tiago Silva, médio-ofensivo do Belenenses, é criativo e disponível (entrou e assistiu), e merece mais minutos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Exit Through the Gift Shop


É um documentário tão cativante quanto incomum. Exit Through the Gift Shop é um diário da origem do movimento de street art do início do novo século, mas é muito mais do que isso. Quase todas as filmagens em bruto são de um peculiar francês, então um perfeito desconhecido, que, desde novo, tinha a compulsão de gravar o seu dia-a-dia. Esse vício pelo registo de tudo durante o tempo todo levou-o, eventualmente, a encontrar um nicho: um primo seu viria a ser um dos percursores do movimento, e o que foi uma saída ocasional numa noite, para filmar aquela vivência e aquele trabalho, tornou-se numa gigantesca obsessão pela arte urbana que então começava a prosperar. Thierry Guetta viria, pois, a tornar-se num cronista do underground, convivendo com todos os nomes mais icónicos do movimento, viajando, inclusive, pelo mundo com eles e registando o seu trabalho, algo perfeitamente inovador já que, por definição, era tudo tão clandestino quanto secreto, e nada tinha alguma vez sido gravado.

A colecção de contributos que o francês reunia não parava de crescer, mas faltava-lhe, no entanto, chegar a um alguém em particular. Aquele que diziam ser impossível, inalcançável, secreto. Banksy, o maior de todos. Thierry tentou chegar ao lendário britânico durante muito tempo, por todos os canais que tinha cultivado ao longo dos anos, mas nada... Foi então que, por uma feliz coincidência do destino, quando já se tinha conformado, o encontro se deu, para sua verdadeira euforia. Absolutamente devoto à causa, Thierry veio a tornar-se num dos homens de confiança de Banksy, e no primeiro a alguma vez filmar o seu trabalho. O francês era, no entanto, bem mais do que um mero crente. A sua obsessão pelo meio, pela vivência e pelos artistas que seguia, o querer tanto fazer parte daquilo, na mesma medida da sua ingenuidade, fê-lo lançar-se a solo numa enorme exposição em Los Angeles. Mr. Brainwash viria a ser uma mistura exaustiva de todas as suas influências, sem critério e sem mensagem, uma espécie de cópia borrada e exagerada... que se tornou num sucesso de vendas na ordem das dezenas de milhares de dólares.

Partindo dos anos de filmagens de Thierry, quem realiza o documentário é, na verdade, o próprio Banksy. Alegadamente, o objectivo era ilustrar a história e a essência do movimento, mas, por força das circunstâncias, o trabalho veio a tornar-se, sim, num relato pessoal da história do gaulês... não sem derivar para uma crítica ácida àquilo em que ele se tornou. O documentário é extraordinariamente interessante. Tem um tremendo valor acrescentado pelas imagens "históricas" que consegue oferecer, mapeando o percurso de um movimento tão cativante, criativo, influente e efémero, mas o que o torna especial é a forma como passa a sua mensagem. Com despudor, carisma, ironia e sofisticação, o resultado final é uma surpresa.

No início, Banksy diz que, se calhar, até há ali uma moral qualquer que ele não admite ao certo, mas a crítica à vulgarização da arte e a sátira ao consumismo são brilhantes, e palpáveis na caricaturização de Thierry, um personagem que acaba por tornar-se enigmático. Há sempre um tom depreciativo em relação a ele durante o filme - um obcecado sem personalidade, sem noção das coisas, que só queria ter talento, só queria ter alguma coisa a dizer, que só queria fazer parte - e, no fim de contas, o seu Mr. Brainwash, tão grotesco... e tão bem sucedido, levantou mesmo o debate sobre até que ponto o francês não seria só mais uma criação, mais uma gloriosa ironia global, do próprio Banksy. O britânico garante que é tudo verdade mas, seja como for, Exit Through the Gift Shop é um documentário magnífico, sem nada de convencional, à imagem do seu autor, e que roça o génio na forma como elabora essa deliciosa crítica subversiva. Um must.

8/10

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mundial U20: Empate à portuguesa


Portugal - Coreia do Sul, 2-2

Depois de se ter prestado a um golpe de teatro no jogo de estreia, a Selecção de sub20 voltou a complicar a vida por incompetência própria. Frente à Nigéria que, apesar de tudo, era o verdadeiro rival do grupo, perdeu uma vantagem de dois golos e deixou-se empatar, mesmo que ainda tenha ido a tempo de selar a vitória; hoje, perante uma selecção coreana que já lhe é bastante inferior, deixou fugir duas vantagens, e adiou uma qualificação para os oitavos-de-final que já tinha de estar a ser comemorada. Em duas pinceladas, explica-se por falta de personalidade e por défice defensivo.

Portugal tem aqui uma selecção de sub20 francamente interessante. Tem talento, tem recursos díspares e tem óptimas individualidades. Fora as notas encorajadoras para o futuro, é provável que haja condições para escrever uma história na Turquia. Agora, como é óbvio, é preciso fazer a superioridade acontecer. Pelo contrário, Portugal é incapaz de controlar o jogo. Tem muito mais qualidade do que a Coreia do Sul, mas não tem frieza competitiva nem autoridade em campo. Não tem personalidade forte, e deixa-se estar ao sabor do vento. Pode marcar golos a qualquer adversário, mas sujeita-se a sofrê-los a qualquer momento, mesmo em jogos casuais e sem estar em cheque, o que é obviamente insustentável.

Exige-se trabalho em relação à maneira de estar da equipa, tal como é preciso ser mais competente a escolher, porque a pobreza defensiva saltou aos olhos: os dois futebolistas do Barcelona! - o central Edgar Iê e o trinco Agostinho Cá - são maus que dói, o primeiro sempre aos papéis na área, o segundo incapaz de dar uso a uma bola. Dabo (Braga), na lateral-direita, também é banalíssimo. Com uma equipa pouco agressiva em geral, a consequência são 4 golos sofridos e 4 vantagens perdidas em 2 jogos, que põem em causa, de forma imerecida, o potencial desta selecção. De qualquer das formas, a situação é confortável. Portugal está em primeiro do grupo, só precisa de um empate para se qualificar e enfrentará, na última jornada, uma Cuba já eliminada. Neste contexto, é obrigatório ganhar a pole, passando os quartos-de-final a serem o objectivo mínimo, assim saiba Edgar Borges ler as vulnerabilidades da equipa.

EQUIPA - Bruma é de outro campeonato. A estrela da companhia está num nível altíssimo. Tem um pique impressionante, finta, força e remate e, rodeado de jogadores da sua idade, não há quem o consiga parar. A sua explosão, fantasia e sentido de baliza fazem com que Portugal possa marcar em qualquer ataque. Já é o melhor marcador do torneio e teve, pelo menos, mais três grandes bolas de golo. Fantástico.

Boa supresa Aladje. O filho de guineenses, que cresceu em Itália (é jogador do Sassuolo, que subiu este ano é Serie A), é o tipo de #9 que não se faz por cá: enorme, possante, exímio a atacar a bola. Não é móvel, nem lhe podem pedir para se envolver sobremaneira no jogo da equipa, mas a jogar a um toque, seja a finalizar ou a tabelar, é um recurso de muito bom nível, e continua a fazer a diferença.

João Mário (Sporting) é um senhor. O capitão é o compasso da equipa, com classe, inteligência e maturidade. É tão técnico quanto utilitário, tão exímio a fazer um passe de morte como despudorado a virar um adversário. É sempre um valor acrescentado. Sobressaiu ainda mais naquele miolo, já que Agostinho Cá e André Gomes são de qualidade muito duvidosa. É impressionante, aliás, que o jogador do Benfica possa ser titular numa posição minimamente criativa. Parece que tem blocos no lugar dos pés, tal é a quantidade de bolas que perde e de vezes que se atrapalha. Como se não bastasse, dá pouco uso à força e à altura que tem. Saiu, felizmente, ao intervalo, e Tozé (Porto), futebolista de outra casta, de toque curto e bola redonda, há de ter garantido o ingresso no onze titular.

Na defesa, olhos em Mica. O lateral-esquerdo do Sporting é agressivo e inteligente atrás, e tem uma grande canhota, muito confortável a subir com a bola. A trave negou-lhe um dos golos do Mundial. Foi o melhor de um sector com muitas dificuldades, secundado por um Llori que, mesmo discreto, é infinitamente melhor do que os que estavam à sua volta.

The Cove (2009)


No Japão, caçar golfinhos é cultural. A História fez-se da caça de baleias, mas com esse comércio proibido internacionalmente desde o fim da década de 80, a prática teve de reinventar-se. Assim, pagaram os pequenos cetáceos: actualmente, são mortos 23 mil golfinhos no Japão todos os anos. Claro que a vertente financeira tem um papel, mas a verdade é que o consumo da sua carne nem está imiscuído na cultura do país, sendo esta, muitas vezes, não mais do que vendida fraudulentamente como se fosse de baleia. Matar golfinhos é, acima de tudo, uma tradição da qual determinadas regiões-chave não estão, pura e simplesmente, dispostas a abdicar, como numa variante ainda mais sanguinária das tourada de morte da Europa do Sul. Neste caso, não está em causa o espectáculo, mas a prática ancestral de caça "a uma peste". Matar golfinhos é um fim em si mesmo.

Daí emergem duas questões realmente devastadoras: mais do que abatidos, os golfinhos são verdadeiramente chacinados à moda antiga, numa prática que as autoridades do país tentam branquear em todos os fóruns internacionais; depois, há um problema muito delicado com a sua carne: em virtude dos hábitos alimentícios da própria espécie, esta revela níveis de mercúrio que ameaçam seriamente a saúde pública, e que podem conduzir a um envenenamento real a médio-prazo, coisa que o governo desvaloriza como imprecisa.

O inferno tem um nome - a cidade de Taiji, no Sul do país -, mas não tinha uma cara. É que a orografia da região permitia que a matança fosse feita bem longe dos olhos do público, atestando a tal versão oficial que falava de técnicas de morte controladas. The Cove é, pois, não menos do que um trabalho de espionagem, levado a cabo pela congregação de vontades de diferentes activistas, com o propósito de mostrar ao mundo o banho de sangue. O carismático Ric O' Barry, um antigo treinador de golfinhos "que trabalhou 10 anos a fundar a indústria, e os outros 35 a tentar destruí-la", é o símbolo, sendo Louie Psihoyos, o realizador e fundador da Sociedade de Preservação Oceânica, a força motriz. A terem de lidar com intimidação aberta, instigação ao ódio e perseguições da polícia local, a equipa teve engenho para entrar na área restrita e documentar com detalhe o que lá acontece. O impacto do resultado é o que se imagina.

The Cove - vencedor de Óscar há dois anos - é mais um retrato poderoso sobre a linha que separa a tradição da crueldade para com os animais, uma grande reportagem por excelência, feita por gente apaixonada e comprometida, e que nos consegue sensibilizar.

7/10

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Man on Wire (2008)


Philippe Petit não era um equilibrista normal. Era um excêntrico que, ainda novo, descobriu que a vocação estava no extremo, no radicalismo das altas linhas, ao tropeçar num sonho numa folha de jornal: nos Estados Unidos distantes, seriam erigidas as duas maiores torres do mundo. A adrenalina, o vício pelos limites e a provocação da morte corriam-lhe no sangue e, nesse momento, Petit e o World Trade Center cruzaram-se para um casamento que teria mesmo de existir: entre as Torres Gémeas havia um vazio para ser conquistado. Man on Wire é a crónica de todos os passos do francês até esse acontecimento tão alucinante quanto icónico, no dia 7 de Agosto de 1974, considerado "o crime artístico do século XX".

Durante uma hora, e sem o conhecimento de mais ninguém a não ser a sua equipa clandestina, dada a total ilegalidade do que estava em questão, Petit fez 8 vezes a travessia entre as duas torres, com tempo para parar e dar espectáculo, enquanto se equilibrava em não mais do que um cabo de aço, sem qualquer protecção sobre o vazio, a quase meio quilómetro de altitude. Um vulto a pairar no meio do céu, literalmente com uma fina linha a separá-lo da morte e a fazê-lo muito maior do que os outros mortais. As imagens do momento são inacreditavelmente grandiosas.

O documentário é fidedigno à essência da proeza, ao seu deslumbramento, e, fora a glória da hora, transmite-nos isso através de alguns testemunhos-chave, tal como plasma toda a excentricidade de Petit como um personagem extraordinário, um one of a kind. Globalmente é, no entanto, mais sofrível. Não é especialmente substancial nem tão inspirador como podia ter sido, é um pouco pretensioso, e o seu maior problema é o facto da acção consistir, em grande parte, na reencenação de todos os passos clandestinos que foram dados entre a véspera e o dia do acontecimento, algo que raramente fica bem, e que é bem mais desinteressante para perder tempo do que a dimensão lírica da história de fundo. Acredito que a realização do britânico James Marsh podia ter feito bem melhor com tamanho legado, apesar de Man on Wire ter ganho, de facto, entre muitos outros prémios, o Óscar de 2009 para Melhor Documentário.

6/10

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Dear Zachary (2008)


Na sequência do assassínio do melhor amigo, Kurt Kuenne não pensou duas vezes, e soube que tinha de fazer um filme sobre ele. Um que documentasse, com toda a sua gente, quem é que ele foi, de forma a perpetuar a sua memória no tempo. Pouco depois, passou tudo a fazer ainda mais sentido: soube-se que a sua ex-namorada estava à espera de um filho seu. O filme tornou-se, pois, no tributo de todos os amigos do pai ao seu filho prestes a nascer, para que, ele sim, o pudesse vir a conhecer.

É impossível não empatizar com a ideia instantaneamente. Dear Zachary é um documentário profundamente íntimo e altamente vivido, que nos comove com facilidade pelo seu impacto intrínseco, de cada vez que vemos o ror de amigos com um brilho nos olhos, que percebemos a pessoa querida que se perdeu tão estupidamente, e que vemos a criança crescer no meio deles, como se, na verdade, viesse ocupar o lugar do pai.

Este está, contudo, muito longe de ser um documentário fácil. Bem pelo contrário, ou não tivesse Andrew Bagsby sido morto às mãos da sua psicopática ex-namorada... postumamente, a mãe do pequeno Zachary, com quem passou a haver uma custódia a partilhar, em conjunto com os avós paternos. Na sinopse, só se alude à componente inspiradora, mas o documentário é, na verdade, francamente agressivo, à medida que conhecemos todos os impensavelmente dolorosos pormenores da perda. É muito duro na pessoalização, na politização e na maneira como desenlaça a história, e exige que se tenha estômago. Talvez Kuenne o pudesse ter orquestrado de outra forma, já que os trechos mais intimistas são brilhantes, ao passo que os outros 3/4 do tempo chegam a ser tão agrestes quanto exaustivos. No fim, porém, compreendem-se as opções de realização, o porquê da história central ser o esmiuçamento do processo e a crítica feroz ao sistema judicial, e porque é que este nunca poderia ter sido só um feel good movie.

Dear Zachary é um retrato cru da vida real, no que ela tem de mais tenebroso - a perda estúpida e inapelável, a crueldade, o desalento, a violência extrema de ter de acordar todos os dias e lidar com isso -, e no que ela tem de mais especial - a amizade sobre todas as coisas, a camaradagem, a estima incondicional por quem merece, e o compromisso de seguir em frente, para honrar quem já não está. É para ver com estofo, mas é uma lição de vida saída do mais verdadeiro sofrimento, o sítio onde elas fazem realmente sentido.

7/10

terça-feira, 18 de junho de 2013

Euro U21: A pedra filosofal


FINAL: Itália - Espanha, 2-4

Segundo Europeu de sub21 seguido, depois de ganharem dois Euros sub19, e com o desterro que se sabe daí para a frente. A Espanha é muito mais do que a melhor selecção da História; é um projecto futebolístico geracional perfeito. Toda a gente tem uma geração de ouro; o facto dos espanhóis andarem, porém, há cinco anos a ganhar toda e qualquer competição continental vai, obviamente, muito para além do talento. É um profundo trabalho de base, com tanta excelência quanto visão, que funde os infinitos recursos técnicos que estão na génese do seu futebol, com o profissionalismo de uma mesma malha táctica eternizada no tempo, e com uma bagagem mental que, nos dias que correm, e já longos 5 anos depois do "início", continua, simplesmente, a ser mais e mais aterradora.

Por extrema competência e vanguardismo, os espanhóis souberam educar o seu futebol. Não só por isso, mas também, o espectro futebolístico de uma década inteira, que seria sempre espantoso em potencial, tornou-se, no fim de contas, sobre-humano. Paralelamente à glória dos seniores, os espanhóis perceberam que o imediato estava em investir nas bases, e transferiram, também para essas, a vaidade crónica pelo seu futebol. Os resultados estão à vista. Oxalá desse que pensar por cá, num país que é alérgico ao método e ao longo-prazo, confortável na sua incompetência, preguiçoso demais para investir nos seus jovens, e derrotista demais para achar que eles valem a pena, em que para treinar e pensar as camadas jovens, na Federação ou nos clubes, qualquer compadrio comezinho costuma servir.

A final teve a história que parece. A Itália até se deu à proeza de marcar cedo, e anular a desvantagem precoce que já levava, frente a um adversário que ainda nem golos tinha sofrido. Depois disso, porém, foi tranquilamente consumida pelas chamas vermelhas e amarelas de um toque que nunca acaba, e viu o marcador não parar de correr. Às vezes, a Espanha é difícil de ver. Hoje não, era dia de gala. Com uma batuta a dois maestros, Isco e Alcântara, houve futebol para não acabar, sempre em desdobramento, com as bolas a aparecerem todas perfeitas no nada. Grande jogo de Tello na extrema-direita, mas também de Morata, Koke, Montoya. Foi como se quis. A Itália, apesar de tudo, não sai de cabeça baixa. É uma equipa pejada de qualidade, claramente a melhor do torneio dos humanos, que teve sempre engenho para olhar a baliza de De Gea nos olhos. Fez por marcar - Florenzi e Insigne, grandes talentos - e até marcou mais um, mas claro que, nos dias que correm, nem uma Itália pode estar nestas coisas com algo mais a que aspirar. A era é a da Espanha, e da sua Pedra Filosofal.

Os melhores:

1. Isco
2. Thiago
3. De Gea / Insigne

De Gea (Esp); Montoya (Esp), Bartra (Esp), Caldirola (Ita), Moreno (Esp); Verratti (Ita), Thiago (Esp), Isco (Esp); Wijnaldum (Hol), Morata (Esp), Insigne (Ita).

Bardi (Ita), Bianchetti (Ita), Martins Indi (Hol), Van Ginkel (Hol), Florenzi (Ita), Immobile (Ita), Pedersen (Nor).

Searching for Sugar Man


Vencedor do Óscar deste ano para Melhor Documentário, Searching for Sugar Man conta a história perfeitamente inacreditável de Sixto Rodriguez, um cantor folk latino-americano que surgiu nos subúrbios de Detroit, na década de 70. Tudo o que o envolvia era um profundo mistério: desconheciam-se as suas origens, o seu trabalho ou, sequer, se tinha casa. Rodriguez era tido como um filósofo errante das ruas de uma cidade depauperada que, com as suas letras, se assimilava a uma espécie de espírito dela própria. Um dia, dois produtores encontraram-no a um bar bem pouco glamouroso... e ficaram esmagados: o que ouviram só tinha paralelo com um Dylan.

O primeiro disco não tardou mas, para espanto de todos os que investiram nele, foi um fracasso rotundo. A música de Rodriguez, pura e simplesmente, não vendia. Ninguém quis crer, e houve, pois, espaço ao próximo trabalho... altura em que, desalentada, a editora acabou mesmo por lhe fechar as portas. Sabia-se quase nada dele, e vir-se-ia a saber ainda menos, nem sequer, ao certo, como é que se teria suicidado pouco depois, em palco, mergulhado na desesperada incompreensão do próprio génio. Sixto teve um insucesso tão ridículo nos Estados Unidos que, virtualmente, não chegou a existir na cena musical. Nenhum americano fora de Detroit saberia quem ele tinha sido. Esta seria, portanto, uma não-história, se algo de absolutamente fascinante não tivesse acontecido: no cume do Apartheid, a música de Rodriguez chegou à África do Sul.

Ainda hoje não se sabe exactamente como, faz parte da lenda. Mas chegou... e teve uma repercussão monstruosa. As suas canções anti-sistema disseminaram-se num piscar de olhos, tornando-se avidamente idolatradas naqueles anos, ao ponto de terem chegado a ser música de Revolução para gerações e gerações de sul-africanos. Num país espezinhado pela ditadura e ostracizado pelo mundo, um americano que a América não conhecia vendeu meio milhão de cópias. Rodriguez "foi mais popular do que Élvis", foi um símbolo tão grande como o mistério que o rodeava. É que não havia forma de saber nada dele, para além do nome: Sixto não existira para o resto do mundo, era um fantasma. Ao mesmo tempo, devido à opressão, nunca lhe foi possível sequer imaginar que a sua música o tinha, de facto, tornado num ícone.

Searching for Sugar Man é a jornada extraordinária da busca por um mito, por parte de dois fãs sul-africanos que, no fim dos anos 90, se dedicaram a ir saber quem foi, afinal, e como morreu, o herói do qual ninguém sabia rigorosamente nada, à parte o nome. Realizado pelo sueco Malik Bendjelloul, é uma daquelas histórias bem maiores do que a vida, contada tão bem como podia ter sido. É um documentário medido com perfeição, com classe, narrativa e paciência, e articulado com uma paixão genuína, pejado de carisma, espanto e boa música (os seus originais, claro), que nos envolve profundamente, e que nos deslumbra, inspira e emociona ao mesmo tempo.

8/10

terça-feira, 11 de junho de 2013

Euro U21: A rodar mas sempre à italiana


Noruega - Itália, 1-1

Já apuradas para as meias-finais, Itália e Noruega não fizeram por menos, e pouparam ambas 8 titulares. Ao terceiro jogo em seis dias, não houve dúvidas de que mais valia sacrificar a vitória no grupo por pernas dignas desse nome, no jogo, esse sim nuclear, do futuro próximo.

O ritmo, evidentemente, não foi o mais contagiante. Ainda assim ficaram notas importantes a tirar, elogiosas para as duas equipas. A Itália, que, à partida, até era considerada como que um patinho feio de entre os nomes gordos da competição, tem uma quantidade de soluções que dá que pensar. Mesmo a abdicar de todo o seu luxuoso ataque titular - Florenzi, Immobile, Gabbiadini, Insigne -, fez sempre valer o seu ascendente em campo com naturalidade, como quem garante que só joga devagar porque quer, e que os seus suplentes são certamente um pouco mais do que isso. Acabou por desperdiçar - nota negativa para a passividade de Destro, avançado da Roma - mas esteve sempre mais perto.

Por seu lado, impressionante a personalidade da Noruega. Não é verdade que tenha brilhado como já brilhou neste Europeu, que tenha jogado taco a taco com o adversário, ou, sequer, que tenha tido oportunidades de golo idênticas; estamos, no entanto, a falar de um país, quanto muito, de segunda linha europeia, que foi descomplexado o suficiente para, não só rodar a equipa contra um grande, como para ainda ter unhas a agarrar o jogo, incomodar, e fazer por merecer a sorte que quase lhe tocou. O penalty ao minuto 90 teria dado aos nórdicos uma vitória de grupo tão notável quanto dignificada. Como se sabe, porém, os descontos são uma eternidade, sempre que a Velha Senhora precisa deles. A lei cumpriu-se uma vez mais.

NORUEGA - O melhor foi Berisha (Red Bull Salzburg), que se estreou no torneio. Primeiro a interior, depois a extremo-esquerdo, é rápido, agressivo e tem muito instinto a aparecer na área. De Lanlay (Viking) na extrema-direita, muito vertical, também foi importante para a vitalidade norueguesa. Bom jogo, ainda, do guarda-redes suplente Ostbo (Strommen).

ITÁLIA - Luca Caldirola (Brescia), o capitão, esteve no melhor e no pior. Foi imperial atrás, e teve, pelo menos, duas grandes cabeçadas para golo; em cima da hora, contudo, fez um penalty estranho, e não acabou expulso por acaso. Sansone (Parma), teve, no flanco esquerdo, o fardo de substituir a estrela da companhia, Insigne, mas deu nas vistas. Boa técnica e bom jogo interior. Saponara (Empoli), extremo-direito, é rapidíssimo. A equipa, todavia, mudou para melhor, com a chegada dos titulares Florenzi, médio direito da Roma, um jogador e tanto!, sempre de cabeça levantada, sempre em progressão inteligente, e Gabbiadini, ponta-de-lança do Bolonha, o maior goleador do escalão e um dos artilheiros do torneio.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Aimar


Foi o mais genial de todos os que vi jogar em Portugal. Não ganhou campeonatos sozinho e, polarizado símbolo de benfiquismo, como é natural, os rivais sempre lhe gozaram as lesões, e a incapacidade crónica para estar presente. No fim, porém, não acredito que ninguém que goste de futebol possa dizer, em consciência, que lhe ficou indiferente.

Este é o tempo dos números. É o futebol de super-heróis como Ronaldo e Messi, como Bale, Falcão ou Van Persie. 70 jogos, 70 golos, as pop-stars desafiam os limites, dobram as probabilidades, escandalizam as estatísticas. Hoje, para se ser ídolo, é preciso ter uma ficha de extraterrestre. Vive-se tudo muito rápido, muito em grande e ao mesmo tempo. Mais do que ver futebol, vê-se um contra-relógio de golos e perdidas, de vitórias e derrotas. Aimar, como é evidente, é um jogador de outra Era. De uma em que, muito antes de ganhar e perder, tudo se resumia a jogar a bola.

Dos derradeiros Trequartistas, El Mago materializava, ele próprio, toda uma concepção de jogo: a de que a única maneira de estar em campo era desfrutar de cada toque, perder tempo com a bola, antes de, com uma técnica tão absurda quanto a sua inteligência, levá-la a chegar ao seu sítio ideal. Não era fazer malabarismos e soltar com critério; era usar o talento para, com toda a classe do mundo, inventar sempre a melhor solução possível. A correr com a bola languidamente, um compasso abaixo dos outros, com a solenidade de quem sabe tudo o que ela precisa, Aimar desconstruía o jogo até à sua dimensão mais filosófica, àquela onde só se movem os que vêem mais, os que nasceram para criar. Melhorava decisivamente toda e qualquer jogada para a qual o convocassem, e isso é ser sempre o melhor em campo. Era magia. Até à eternidade, continuará a descer o último terço de um relvado qualquer, com a bola a beijar-lhe o pé e um candeeiro a segurar-se na mão, sempre à procura do homem certo, qual Diógenes, com o resto dos mortais à sua volta a correrem mais rápido, e a pensarem mais devagar.

Vi os milhões de golos de Jardel e Liedson, a bestialidade de Hulk, as épocas idílicas de João Pinto, Simão ou Quaresma, e a elegância de Deco. Todos jogaram e ganharam mais do que ele. O especial de Aimar, no entanto, é que o seu futebol era uma forma de arte: não se media. Era tão irregular quanto carismático, tão falível quanto predestinado. Ver a bola nas suas botas foi, não raras vezes, mais espectacular do que os melhores golos, e isso é o jogo maior do que qualquer resultado e do que qualquer clube.

Como adversário que fui, fico contente de poder dizer isto: a honra foi nossa, Mago.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Euro U21: A força mereceu mas o talento ganhou


Holanda - Alemanha, 3-2

Jogaço.

Duas equipas bastante fiéis à sua matriz cultural. A Holanda claramente mais talentosa. Toque e rasgo muito superiores, pique, criatividade. Fez uma primeira-parte brilhante, e podia ter ido ao intervalo a ganhar por mais do que dois golos. Jogou de primeira, à vontade no meio-campo alemão, com a defesa subida e sem chegar a ser realmente importunada. Deu para quase tudo, com o talento de Maher a abastecer um ataque completíssimo. À sua boa maneira, no entanto, e perante a qualidade de jogo que tem sempre, faltou-lhe a disciplina e a frieza para controlar o jogo, fora saber defender. Numa partida que estava acabada, uma oferta infantil, mal tinha o árbitro apitado o reatamento, esteve perto de deitar tudo a perder. A Holanda emigrou do jogo, aterrorizada com o bullying da competitividade alemã e, com o empate a 10 minutos do fim, esteve mesmo a um palmo de perder. Na pureza de uns sub21, porém, vingou mesmo o seu talento. Na jogada seguinte, a Laranja matou o 3-2, e deu um passo de colosso para as meias-finais.

Quem viu a Alemanha da primeira-parte terá ficado perturbado: num país que se tornou, nos últimos anos, numa autêntica fornalha de talento jovem, era difícil ter sido mais vulgar: foi tão incapaz de condicionar o jogo adversário, como de ter uma única ideia para sair a jogar. Mlapa, o gigante 9 germano-togolês, uma das estrelas da companhia, saiu mesmo ao minuto 40. Não saía nada. Ao intervalo, a Mannschaft juvenil prestava-se a uma espécie de humilhação. O génio não abunda, é um facto, e, por isso, esta Alemanha estará sempre diminuída para voos maiores. A reactividade, no entanto, foi toda ela à sua imagem, e, na segunda metade, o espectáculo de força, disponibilidade e transições rápidas, e a atitude impressionante, com tudo perigosamente perto de resultar, fez mesmo acreditar que o ditado se ia realizar uma vez mais. Desta vez, porém, a estrelinha foi madrasta e, no fim, não ganhou a Alemanha. Ganhou a melhor equipa, é verdade, mas o coração germânico merecia mais.

HOLANDA - Maher (AZ Alkmaar) é o cérebro da companhia. Número 10, saliente nas costas dos avançados, não é especialmente técnico, mas faz quase tudo com altividade e inteligência, e é brilhante a soltar a bola. Grande jogo igualmente dos três do ataque. Ola John, o extremo puro, fez uma primeira meia-hora desconcertante na meia-esquerda; Wijnaldum (PSV), à direita, mas com pique natural nas zonas de golo, marcou mesmo, depois de uma jogada individual fantástica; De Jong (Gladbach), o ponta-de-lança, desperdiçou, mas fez um jogo muito bom a baixar, a tabelar e a desmarcar, e é uma unidade nuclear desta Holanda. Martins Indi (Feyenoord), o cabo-verdiano que nasceu em Portugal, é o mais forte da defesa, um imponente central canhoto.

ALEMANHA - Todo um corredor de vénias para Lewis Holtby (Tottenham), que tem mais talento sozinho, do que quase todos os seus companheiros juntos. O jovem jogador de Villas-Boas, 10 puro, foi, possivelmente, o melhor em campo, realizando uma segunda-parte genial, onde ganhou um penalty, marcou um grande golo e achocolatou uma dúzia de bolas aos colegas. Se a Alemanha vier a dar a volta por cima, será certamente graças a ele. Apesar de muito mal batido no segundo golo, o guardião Leno (Leverkusen) acumulou duas ou três defesas de grande nível, e merece a nota.

terça-feira, 4 de junho de 2013

As cenas que só vamos encontrar umas vezes na vida


"That was the hardest scene I’ve ever had to write. (...) I try to make the readers feel they’ve lived the events of the book. Just as you grieve if a friend is killed, you should grieve if a fictional character is killed. You should care. If somebody dies and you just go get more popcorn, it’s a superficial experience isn’t it?"
Entrevista brilhante de R. R. Martin à Entertainment Weekly

Com todas as grandes coisas que a televisão americana fez nos últimos anos, tem surgido insistentemente uma questão: e se a coroa da ficção, afinal, já não morar no cinema? Depois de extasiar no pináculo da terceira temporada de Game of Thrones, numa taquicardia literal, lembrei-me desse debate filosófico, e acho que tive a certeza: é impossível fazer melhor do que aquilo.

Em termos de agressão emocional e da mais absoluta incredulidade, foi o desfecho mais espantoso que alguma vez presenciei. Foi uma alucinação tão radical como ser real, e, em toda a sua monumentalidade, violentou e deslumbrou ao mesmo tempo. É inacreditável que fantasia nos possa chocar de tamanha forma, roubar-nos o chão e dar-nos uma sensação tão genuína do ser irremediável. Estava a acontecer, e enquanto nos esmagava o cérebro, tudo o que queríamos instintivamente era arranjar uma solução, era poder acreditar noutra coisa qualquer. Acreditar que, apesar de tudo, talvez não fosse como parecia, que havia uma saída, que havia esperança. Isso, e ser tudo ainda mais cru e mais providencial. Foi total, e muito poucas vezes teremos a sorte de ser maravilhados por uma criação dessas.

Tenho vivido um debate moral sobre atacar os livros ou não. A razão diz que deveria, mas abdicar da adrenalina doentia que se vive em dias como hoje, quando o génio da história se funde com a magistralidade visual da série, continua a parecer um preço muito agreste a pagar. Seja como for, o velhote redondo de barbas brancas, a parecer, ele próprio, saído das suas histórias, é um deus literário.
"you read that certain kind of fiction where the guy will always get the girl and the good guys win and it reaffirms to you that life is fair. We all want that at times. There’s a certain vicarious release to that. So I’m not dismissive of people who want that. But that’s not the kind of fiction I write, in most cases. It’s certainly not what Ice and Fire is. It tries to be more realistic about what life is. It has joy, but it also had pain and fear. I think the best fiction captures life in all its light and darkness."
R. R. Martin é o cume do que se pode escrever no Fantástico. Domina as fórmulas como o maior fã, tem a cultura empírica de um jubilado, e, mesmo assim, e acima de tudo, conhece de vida e de pessoas como o melhor dos pensadores. Ter podido chegar às massas via a abençoada HBO, é coisa que temos o dever de agradecer todos os dias.

sábado, 1 de junho de 2013

The Perks of Being a Wallflower

 

Conta as venturas e desventuras de um profundamente tímido caloiro de Liceu, que acaba por tornar-se melhor amigo do grupo de finalistas que o vai integrar, e fazê-lo viver como um deles. É um filme com sensibilidade e bastante boa escrita, um óptimo retrato da adolescência, das inúmeras etapas que se quebram, e de todas as descobertas que se fazem, em particular, a de si mesmo. Como também percebemos cedo no filme, o protagonista é um rapaz mais traumatizado do que envergonhado, e a história falará sempre da sua procura de equilíbrio, tanto para a dimensão mental com para a social. 

Stephen Chbosky (co-argumentista do meu muito estimado Jericho) estreou-se na realização a este nível, e cometeu a proeza muito pouco habitual de filmar o próprio livro que escreveu. A realização é francamente atraente, plena de bom gosto, e a nível de tacto, é inevitável admirar a qualidade da história (mais uma óptima banda sonora). Tem muita pessoalidade, é bem contada, e tem momentos emocionais muito interessantes. O único pecado, pelo menos em filme, é a segunda narrativa, mais obscura, da história do protagonista. Sabe-se desde cedo que está lá, mas é berrante, e faz ruído, mais do que acrescenta alguma coisa. Além disso, foi enfiada no desenlace de uma forma desajeitada, acabando por esborratar um produto final que já estava no ponto.

Logan Lerman foi uma enorme surpresa. Num papel cheio de constrangimentos, que é muito difícil de impressionar, nunca foi artificial nem enjoativo. Saiu-lhe tudo com uma naturalidade e uma empatia genuínas, como se aquilo não fosse realmente mais do que a sua experiência pessoal. Foi um autêntico achado e é, evidentemente, a principal razão do bom resultado. No seu primeiro lead depois de Harry Potter, Emma Watson confirmou o que já se suspeitava: dentro em breve, fará parte de uma restrita elite das mais cobiçadas do mercado. Esbanja talento e elegância, sabe sempre estar, e é naturalmente cativante. A sua finalista decidida mas delicada, experiente mas vulnerável, foi só o primeiro dos seus grandes papéis. Também Ezra Miller não pode ser esquecido no leque de elogios, sempre pungente em toda a acção, e com facilidade em agarrar as cenas.

The Perks of Being a Wallflower é um filme atraente, quase sempre bem feito, e que se aprecia sem esforço. A história só acaba por ser infeliz ao ir à procura de uma densidade de que não precisava, e que, ainda por cima, não soube concretizar no ecrã.

7/10

Seven Psychopaths


Em 2008, Martin McDonagh estreou-se como realizador-argumentista com aquele que foi, não só um dos grandes filmes da temporada, como um dos filmes de culto dos últimos anos. In Bruges chegou mesmo aos Óscares (melhor argumento original), e tinha tudo: um óptimo elenco em grande forma, ambiente e uma história de crime tão burlesca quanto carismática. O londrino passou a ser, então, um dos realizadores na retina para o imediato, e Seven Psychopaths, quatro longos anos depois da estreia, representou um regresso razoavelmente antecipado.

O tamanho da desilusão, no entanto, equiparou-se às expectativas. O filme, como o próprio nome indica, conta a história de sete serial-killers, numa narrativa que é propositadamente desestruturada desde a primeira hora. Há psicopatas na realidade em que a trama ocorre, e há psicopatas puramente ficcionais, ambos fundidos na história que o protagonista está a escrever... e acabando todos por ter um papel na acção propriamente dita. Seven Psychopaths limitou-se a ser um par de ideias muito boas, diluídas num conjunto de outras más, e todas amontoadas num suposto borrão criativo que tem tanto de descontinuado como de desinteressante. A comédia-crime não tem traço nenhum de charme ou de genialidade, e não lhe funcionam nem as pequenas ironias, nem os exageros. É uma espécie de esboço que nunca se esforça por fazer muito sentido, como se tivesse sido escrito à primeira, e o produto final é mais ou menos grotesco.

O elenco também não é particularmente feliz. Colin Farrell nunca será um valor acrescentado, mas, desta vez foi mesmo um a menos, sempre baço e sem personalidade. Sam Rockwell não fica mal nos papéis de alucinado que lhe atribuem por regra, mas tem pouco de carisma, e Woody Harrelson é uma caricatura. O grande papel do filme é o de Christopher Walken, que, na sua voz sussurrada e postura de ícone, acumula todas as melhores sequências, numa sabedoria filosófica, tão paciente quanto agreste, de quem já viveu muita coisa. Honra seja feita, igualmente, ao lendário Tom Waits, que tem um papel secundário pequeno, mas notável.

Acredito que, pela amostra de In Bruges, McDonagh valorize nos seus filmes, acima de tudo, o devaneio inventivo, a ironia insana e a não linearidade. Essa maneira de estar cativante faz com que eles nunca sejam indiferentes, mas que oscilem entre o muito bom e o muito mau. Desta vez, o caso foi o segundo.

5/10