terça-feira, 12 de agosto de 2014

Os poetas são imortais


'Carpe diem. Seize the day, boys. Because, believe it or not, each and every one of us in this room is one day going to stop breathing, turn cold and die. Make your lifes extraordinary.' 

Já vi O Clube dos Poetas Mortos muitas vezes. Desde a primeira, presto-me a um teste bastante particular: tentar ficar indiferente àquilo. Convenci-me de que, um dia, ia entrar a última cena e eu ia-me manter impávido e pensar: 'olha, já passou'. Talvez por já tê-lo vistos vezes demais, talvez por já não estar disposto, talvez por estar velho. Nunca aconteceu e, hoje, desconfio que nunca vá acontecer. Desde a primeira vez, com 14 ou 15 anos, e em cada uma das outras, que O Clube dos Poetas Mortos é um dos filmes da minha vida. Honestamente, acho que nem o dia mais cínico do ano podia-me livrar do nó na garganta que é ver Robin Williams a baixar a cabeça e a despedir-se dos seus miúdos uma última vez. Gosto de acreditar que serei sempre fiel a essa essência e que, até ao fim, terei sempre a mesma capacidade para me inspirar e emocionar com eles.

O Clube devia ser serviço público. Devia ser um plano curricular, devia ser obrigatório nas escolas. Porque duas horas daquilo ensinam-te mais sobre liberdade de pensamento e arte, sobre lealdade, ilusão e transcendência diária do que quase todas as aulas a que poderemos assistir na vida. Qualquer pessoa de bem dirá que eu estou a ser lírico, pueril, redundantemente sentimental. Eu tenho pena de quem assiste a uma obra-prima sem nunca a conseguir ver. O tesouro do cinema é essa capacidade para deslumbrar, para ensinar, converter e inspirar, alheia à forma e à duração, ao entretenimento e ao politicamente correcto. Duas horas daquilo contagiam-te mais para o mundo do que uma carreira de boas decisões. O Clube dos Poetas Mortos é o tipo de filme que se faz uma vez na vida. O tipo de filme depois do qual é uso dizer que já se pode morrer descansado. Essa é provavelmente a única mentira a seu respeito.

Ao contrário da maioria das pessoas, as minhas memórias mais orgulhosas de Robin Williams não serão as gargalhadas do ícone que arriscaria tudo por elas, nem a comédia e a excelsa carreira que ele aí construiu. Claro que não posso ser estranho a isso, ou não tivesse crescido com a omnipresença de um Papá para Sempre, nos domingos à tarde da SIC, entre todos os tantos outros, mas nunca o poderei recordar sem ser pela sua grandeza injustamente desconsiderada enquanto actor dramático. Os grandes intérpretes fazem quaisquer personagens. Mas tenho para mim que determinados papéis não se podem transcender com bons actores, mas apenas com boas pessoas. Robin Williams era alguém que criava tanta estima no ecrã, que jamais nos podíamos distanciar ou, sequer, duvidar de que aquilo era sempre coisa dele, do coração para fora. Não da boca, como os outros.

É redutor que o lembrem como cómico porque, no fundo, ter piada era só uma ínfima parte do seu imensurável carisma. O que ele praticava era o humor enquanto terapia e expiação, prontificado a contar uma piada para salvar qualquer situação, qualquer drama e qualquer mal do mundo. Era o humor enquanto expoente emocional, o humor filosofal como forma de cuidar, como ponte para ligar as pessoas. Para mim, o humor de Robin Williams será sempre isso, aquele sorriso cúmplice, indistinto e desconcertante com que ele quebrava cena sobre cena, enquanto nos convertia ao que era verdadeiramente importante, como John Keating, do alto de uma mesa nos Poetas Mortos, ou como Sean Maguire, nos fundos de um gabinete em O Bom Rebelde, outro dos meus pesos preciosos, e que lhe valeu o inominável Óscar, que ele mereceria por decreto.

No fim, cruel é pensar que alguém que se dedicou a emprestar alegria e inspiração a tanta gente tenha acabado sem uma nem outra para si próprio. O suicídio é a maior perversão do mundo porque é a mais equivocada. Desde ontem à noite que dou por mim a pensar na quantidade deles que podiam ser evitados, se as pessoas tivessem, ao menos, uma segunda chance. Se pudessem voltar no dia seguinte para ver o impacto que tiveram na vida dos outros e pudessem medir tudo uma última vez. No fim, o mais ingrato é que ninguém lá tenha estado para obrigá-lo a subir a mais uma mesa e a ver as coisas de maneira diferente. No resto, o que ele deixa são as palavras e as ideias que, independentemente do que nos disserem, podem mesmo mudar o mundo. Nesse clube viveremos sempre juntos. Oh captain, my captain...