domingo, 21 de outubro de 2018

A minha pátria é a língua portuguesa


"Viva a Democracia. Viva a educação e a cultura, viva a diversidade, viva a diferença", acabam de cantar os Tribalistas em Lisboa, no melhor exemplo do que é o tamanho do Brasil, do que é a nossa História no mundo e a nossa universalidade comum, e do que é verdadeiramente a responsabilidade da língua portuguesa, e o seu legado multicultural e tolerante, no sangue e nas palavras. Em dias negros como estes do outro lado do mar, vale mais a pena lembrar que a Democracia é connosco, mas ainda mais do que isso, que o Brasil será sempre connosco.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

As pessoas que nos carregam


"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever." É assim que começa o discurso de aceitação de Saramago há 20 anos, o discurso do único português Prémio Nobel da Literatura. Muito haveria a dizer hoje sobre ele, mas nada me deixa tão feliz como recordar este discurso aos avós perante uma Academia Real, e imaginar a oportunidade de, por uma vez na vida, estarmos verdadeiramente à altura das pessoas que nos carregam. Saramago foi isso: foi as palavras que gostaríamos de ter escrito, e as palavras que gostaríamos de ter dedicado.

Para quem tiver o prazer, fica aqui um excerto desse discurso arrepiante. Se em Portugal é preciso morrer primeiro, Saramago foi um homem de sorte, porque pôde saber em vida que não cabia no país, porque era maior do que o país.

"(...) Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver."