quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O exemplo


François Hollande é Presidente francês desde Maio. Nestes 4 meses, fez o que por cá se assimilaria a uma revolução: suprimiu, primeiro, todos os carros oficiais do governo, e mandou que fossem leiloados, porque "se um executivo que ganha 650 mil euros por ano não se pode dar ao luxo de comprar um bom carro com o seu rendimento do trabalho, significa que é muito ambicioso, é estúpido ou desonesto, e a nação não precisa de nenhuma dessas três figuras"; reduziu, depois, em 25% o salário dos funcionários do governo, em 32% o dos deputados e em 40% o dos funcionários públicos.

É simbólico, claro. O efeito de medidas destas é residual, não resolve défices, não resolveu os problemas franceses. Até haverá quem lhe chame golpe publicitário. Não era preciso fazer nada em relação a isto, mais valia deixar no abstracto, continuar a usufruir. O povo ia reclamar, ia ouvir que não entendia, e ia acabar por esquecer. A tomada de posição garante-nos, porém, decência e transparência. Mostra carácter. Nunca vamos estar todos no mesmo barco, mas as pessoas respeitam quem dá o exemplo.

Em Portugal, é tudo dolorosamente mais complicado. Demagogias destas nem pensar, que somos um povo sério, e as gentes do Executivo precisam de comer. Para fingir que enxugamos o nosso Estado gorduroso, basta-nos acenar aos telejornais com as Fundações e garantir um ciclo noticioso, só para, em dois tempos, percebermos todos como aquilo era uma caixa de Pandora. Então, e enquanto levamos com uma avalanche de merda na cara, que não terá rigorosamente NENHUM efeito prático (o Governo paga todas, mas só tem poder para fechar 4 das 800 fundações que existem...), enchemos a boca para mostrar ao povo o trabalho feito.

E porque estamos mesmo comprometidos, não temos medo das medidas difíceis. Então vamos cortar os tratamentos mais caros para o cancro, para a sida e para o reumatismo, segundo um parecer assinado por Miguel Oliveira da Silva, que veio defender, na RTP, que "mais dois meses de vida não justificam um tratamento de 50 mil euros." Esta indiferença pavorosa é o legado ideológico deste governo. Matar a podridão do aparelho de Estado é coisa difícil, é melhor não mexer; que se deixe morrer, pois, esta mercadoria que só dá despesa. Um doente barato é um doente morto, já dizia Ceausescu. Aonde é que chegamos, caralho.

Não sei, de facto, se disciplinar a orgânica do Estado nos resolvia alguma coisa. Sei que essa vaca sagrada dá mama a muita gente, e que o melhor é fazer crer aos tolos que ela é só um pormenor, enquanto são eles próprios os cordeiros de sacrifício. Nestes dias negros, o pior não é não termos um líder; a maior tragédia é não termos sequer um exemplo. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Começar em festa. Emmys 2012


Gosto do gravitas dos Emmys. A lógica até seria que parecessem a mais, porque os Óscares são o parente rico, e seria suposto que os Globos, que são coisa maior, completassem a paisagem. Não é isso que acontece. Pelo contrário, os Emmys têm vida própria por não serem um híbrido, e pela distância para os Óscares. São a festa da televisão, há mais gente em cunha nas categorias desdobradas, e o fato fica-lhes bem.

Gostei muito do hosting de Jimmy Kimmel. Não tem nem o figurão, nem a acidez incandescente de um Gervais, mas não é só um mestre de festas, como Billy Crystal, ou um fazedor de piadas de algibeira. É um sóbrio que emana classe e uma piada natural, e é um criativo com jeito: desenhou um espectáculo fresco, inesperado, e à parte de velhas fórmulas.

A noite, roubou-a Homeland (Melhor Drama, Actor, Actriz e Argumento), desterrando a celebração de Mad Men, que poderia ter-se tornado na primeira série da História a receber 5 emmys seguidos para Melhor Drama, e ainda Jon Hamm, que continua à procura do seu primeiro galardão. Damien Lewis foi quem o levou para casa desta vez (depois de ter perdido para Kelsey Grammer nos Globos), e Claire Danes fez o bis. A vitória de ambos é incontestável, mercê de uma primeira temporada interpretada a um nível monumental. Já Melhor Drama, emmy que junta ao globo, é desajustado, mesmo para mim, que fiquei fã. A season 2 de Boardwalk Empire ficou com Melhor Realização (com toda a lógica), mas passará à História sem prémios grandes, e foi o evento televisivo do ano.

Jim Parsons (Big Bang), que podia ter ganho o 3º Emmy seguido como lead em comédia, e Peter Dinkladge (Game of Thrones), que tinha em posse o Emmy e o Globo de Ouro para melhor secundário drama, foram, e injustamente, os maiores derrotados da noite. Se Dinklage tinha concorrência de peso (vitória do grande Aaron Paul - Breaking Bad -, e ainda lá estava Jim Carter, por Downton Abbey), Parsons perder para Jon Cryer (Two and a Half Men) é mais difícil de engolir.

O outro grande vencedor da cerimónia foi, e novamente, Modern Family, pelo terceiro ano seguido a Melhor Comédia, a que juntou Actor e Actriz secundários, e ainda Realização. Gosto bastante de Modern Family, mas discuto os prémios. Comédia e Secundária (onde Julie Bowen bateu incompreensivelmente a fantástica Mayim Bialik) teria dado a Big Bang Theory, que continua uma inexplicável travessia no deserto quanto a Melhor Comédia, ao fim da 5ª temporada. Como Secundário gostaria de ter visto ganhar Max Greenfield (New Girl), ainda por cima porque Eric Stonestreet já tinha um emmy. Também por New Girl, a minha Actriz Comédia teria sido a adorável Zooey Deschanel, mas repetiu-se a derrota dos Globos.

Grande justeza, por fim, o 2º emmy seguido (3º da carreira) para a enorme Maggie Smith (Secundária Drama), como bastião de Downton Abbey.

Ideia boa arrancar a temporada com prémios.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Obrigado


Faz agora quatro anos. Estava no Porto há tão pouco tempo, aquela era a primeira apresentação oral de um miúdo a mais de mil km de mar de casa, nervoso, incerto, com 60 ou 70 pessoas na sala. Sei que falei rápido, sei que nunca se tem a certeza de como corre. Quando acabei, porém, ele levantou-se, de propósito, e foi dar-me um aperto de mão. Notou-me o sotaque, perguntou de onde é que eu era, e deu-me os parabéns. Disse que tinha tido uma ou outra dificuldade a seguir-me, mas que também ele estava longe de casa, e que eu não desarmasse, porque tinha feito um bom trabalho. Nunca poderei ter a certeza se ele conseguiu mesmo acompanhar a minha apresentação. Sei que ele, um vulto, fez questão de, nesse "primeiro dia", ir lá garantir que eu não estava sozinho. Foi esse o dia em que o conheci.

Nos anos seguintes, pude conhecer o gigante. Mesmo quem não gostava dele, não pode negar que ninguém lhe ficava indiferente. É esse o maior elogio que lhe posso fazer. Na Academia como na vida, ninguém precisa dos imparciais, dos politicamente correctos, dos vulgares, dos que não se comprometem. O Milan acreditava em tudo o que dizia. Falava de política e de jornalismo e de relações internacionais como se estivesse em campanha, como se aquilo fosse sempre com ele. É que viveu muito, ele. Teve de fugir de casa, fugiu da guerra, deixou a família para trás, passou fome, como nos disse um dia. Para ele, a política era mesmo coisa pessoal. E não admitia que fôssemos ligeiros, óbvios, que facilitássemos. Se era para ele, tínhamos de discutir muito, pesquisar mais, pensar longe, fazer melhor. Quem não gostava dele, era melhor por causa dele. Quem gostava, sabia o quanto valia a pena.

Há professores bons e maus. O Milan não era um professor, era um apaixonado, que umas quantas gerações tiveram o privilégio de ter como professor. Coisa que não se paga e que jamais se esquecerá. Espero que hoje, dia em que morreu, tenha tido a consciência de para quanta gente foi uma honra estar na mesma sala do que ele.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O dia 1


No Marítimo, vale sempre a pena acreditar, dizem as nossas velhas lendas no rádio do carro. A Antena 1 abriu com um especial, e, entre mim e o meu pai, 30 anos de diferença, não se evita um orgulho ligeiramente comovido. Ouvir os heróis de outras noites dá-nos sentido, mexe connosco. Íamos a jogo, e eles apareceram só para dizer que o Marítimo vai ser sempre maior do que eles. Que quando joga o Marítimo, joga esta terra, jogamos todos, mais vale acreditar.
 
Chegar e ver os Barreiros abraçados pela Premier League, espírito grande, para meter respeito. Estar a entrar e vir-nos dizer o Ângelo, eterno capitão, que "essa camisola miúdo... até a polícia tinha medo dessa camisola". Agora há um continente para a conhecer. Ter o pano dourado e grená da prova a encher-nos um estádio que reflecte as nossas dificuldades, mas que, mesmo se não tivesse bancadas, seria o Caldeirão até ao fim dos tempos, pelas enormidades sagradas do que ali já se viveu. Ouvir o hino da Liga à entrada das equipas e ter a certeza absoluta da grandeza para estar ali, mesmo que a Europa ainda não faça ideia disso.

A sensação de estar à altura, essa, não se descreve. Não foi só a raça, o sacrifício, a vontade. Foi a qualidade, a autoridade, a cultura de vitória. Foi não sermos coitadinhos, nem perdermos por azar. Foi pormos um grande em cheque, fazê-los ter a certeza de que podiam mesmo perder. Foi a honra de termos no banco alguém com o coração e a altitude do Pedro Martins, que disse antes, no campo e depois, que o Marítimo só joga para ganhar, mesmo que o adversário seja a 5ª equipa do melhor campeonato do mundo, 5 ou 6 vezes o nosso orçamento.

Europa, prepara-te. O Campeão das Ilhas está só a começar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Uma fénix de fato cinza


Com sorte, até ao fim da época, há mais 3 ou 4 jogos como o Madrid-City.

A última meia-hora é uma descarga de adrenalina impagável em forma de hino ao futebol. Inteligência, qualidade, emoção, ironia, superação, tudo num contra-relógio de espectacularidade, dos que vivem nos filmes de acção. Teve tudo. A superioridade táctica de Mancini, que abordou o jogo magistralmente, com uma pedra em campo na primeira-parte, e um rio de veneno na segunda que, não fosse o futebol ser um jogo metafísico, teria, com todo o mérito, vergado o Madrid. Depois a magia negra de Mourinho, coisa que não tem outra explicação, que teve duas vezes o campeão inglês a fechar-lhe as portas do Bernabéu (até com um auto-golo de Xabi Alonso!!, coisa que não lhe volta a acontecer até ser velhinho), só para, sob quase todas as impossibilidades do mundo, na maior crise da sua carreira, voltar dos mortos no último minuto, com o golo que o universo já tinha fechado a Ronaldo. Não me lixem, que isto não é futebol. Nestas noites, é outra coisa qualquer, com vida e vontade própria.

Mancini que não tente perceber. Fez tudo o que um mortal podia para ganhar o jogo.

The Wire (2002-2008), season 1


O pecado de muitas séries é não se colarem à realidade. Outras capitalizam a ficção, aligeiram-se. The Wire é crua como podia ser.

É uma série sobre o sistema, sobre a sua contaminação e inevitabilidade, sobre as suas inacabáveis defesas, uma série que é complexa, dura, pragmática e, por tudo isso, plenamente real. O que defende é que a única forma de fazer a diferença é sacrificar, perder, e continuar comprometido com o que se acha certo, mesmo que isso anule sonhos de subir na vida. Essa diferença é poder mudar um milímetro que seja, sabendo que, muitas vezes, nem isso se pode, porque a corrupção é imortal, e a guerra é para sempre. O ambiente envolvente, a vida pobre das pessoas em risco, é igualmente hostil, num retrato da imperfeição do mundo, que devemos tentar tornar melhor, mas que nunca poderá ser curado.

A acção é a da polícia de Baltimore, drogas e homicídios. O foco da temporada é a caça ao crime organizado, assente no tráfico de droga que emana dos bairros pobres da cidade. "Seguir a droga, leva-te aos traficantes, seguir o dinheiro, leva-te a todo o lado", este é o tom, e o que se consegue é por abnegação, por honra ao crachá de alguns poucos, por lealdade e por perdas pessoais, por entre a infinitude de paredes que o sistema, na sua sôfrega sobrevivência, levanta de todas as vezes.

The Wire tem muitas personagens muito boas, o que não é assim tão comum. O protagonista é McNulty (Dominic West), um detective totalmente inortodoxo e politicamente incorrecto, indisciplinado para a hierarquia, mas profundamente comprometido para com uma profissão que nasceu para ter, e para a qual está disposto a sacrificar tudo, progressão à cabeça. O seu par perfeito é Kima (Sonja Sohn), outra detective inatacável, polícia de enorme gabarito e enorme altivez profissional, com quem forma uma dupla indispensável, que se compôs de maneira feliz.

Entre muitos outros passíveis de destacar, os meus favoritos são Freamon (Clarke Peters), um polícia de inteligência e leitura prodigiosas, e Herc (Domenick Lombardozzi), um gigante rude e pueril, mas de grande integridade. Do "outro lado", há Omar (o magnífico Michael Kenneth Williams), um ladrão brutal que é um free agent, que não se alia e que é temido por todos. Mais Stringer Bell (Idris Elba), o cérebro e a imponência do crime organizado.

The Wire é uma série difícil, que não tem aquele romance que nos apaixona à primeira vista. O seu peso, contudo, é inatacável. Curiosamente, não teve nem enormes audiências, nem os grandes prémios da crítica. Desde que acabou, contudo, não há entendido que não a considere uma das melhores séries de todos os tempos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

"Neste momento, não tenho equipa"


O melhor campeão de sempre. O adeus de Guardiola. A Supertaça a ficar de branco para começar e para variar. O Real favorito, novamente senhor, a insinuar uma época plenipotenciária de Mourinho. E, de repente, o mundo fica de pernas para o ar.

O início de Liga do Madrid é uma tragédia, mais trágica do que se tivesse sido inventada. Foram-se umas ridículas 4 jornadas, e o Barça já se ri, até incrédulo, a uns impensáveis 8 pontos à maior, distância jamais recuperada na História da liga espanhola. O Real tropeça, volta a tropeçar, vem da paragem, e tropeça mais uma vez. Como numa lei de Murphy, mas em surreal, parece inevitável que tudo corra mal, ou pior do que isso. A equipa mostra-se esgotada, terminal, incapaz de jogar, certa de que o falhanço lhe chegará mais tarde ou mais cedo. Como se só eles soubessem que já não há nada a fazer.

Nada disto faz sentido, e Mourinho surge assustadoramente impotente. Como se não bastasse, ainda há o grito surdo que é o caso Ronaldo. A Liga dos Campeões está a começar com o City, e a visita ao Camp Nou é daqui a duas semanas. Isto não tem de ser o fim para este Real. Infelizmente, porém, é mesmo isso que parece.

sábado, 15 de setembro de 2012

Ainda dá para ir à Premier League


Um golo de fora de área, outro à meia-volta, 3 em 5 jogos. O Blackburn é o melhor ataque e o líder isolado do Championship.

O futebol da Velha Albion continua tão espectacular como sempre, e é, definitivamente, um dos melhores sítios do mundo para um senhor de 36 anos continuar a ser feliz.

Para a sua despedida, Nuno Gomes teria certamente propostas melhores. É bonito que tenha escolhido fazer a diferença até ao fim.

Safe House


Não é um filme de acção qualquer.

Tem carisma, o elenco é excelente, a história é competente, deixa-nos ligados. A trama é a de um rookie da CIA, mero guardador de uma safehouse, que acaba por receber um desertor histórico da agência, e que tem de garantir, depois, que ele chega ao seu destino final. As perseguições, os tiroteios, a pancada, são o esperado. O argumento - quem são os bons e os maus, qual o desenlace possível -, não é muito surpreendente. Mas Safe House não é banal, tem ritmo, interesse, e assenta, em particular, no encaixe entre os dois protagonistas - moral/traidor, aprendiz/mestre -, que é muito bem conseguido, e faz de coração do filme.

Denzel Washington é fantástico. O filme pode estar longe do seu gravitas de outros tempos, mas a performance está à altura desses, e é, provavelmente, a sua melhor em vários anos. O papel era a preceito, e Denzel enche-o por completo, com o seu carisma farto e a sua senhorialidade total, numa espécie de lenda a interpretar uma lenda, que lhe assenta perfeitamente. É ele quem carrega o filme, e não há como não desejar voltar a vê-lo em coisas maiores. O seu peso, e essa relação que o argumento projecta entre os dois protagonistas, acaba por mascarar a relativa vulgaridade de Ryan Reynolds.

Safe House não é um filme inesquecível, mas é acção de valor.

7/10

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

The Grey


História simples, mas bem executada.

Um grupo de homens está deslocado a fazer trabalhos pesados para uma petrolífera, no deserto gelado do Alasca, e, na viagem de regresso, vê o avião despenhar-se no meio do nada. O nada, neste caso, é a floresta que serve de covil a uma matilha de lobos, sendo o thriller, como é bom de ver, a luta pela sobrevivência desse grupo já então de sobreviventes.

Joe Carnahan (que assinou o meu apreciado Smokin' Aces), que é também co-autor do argumento, tem uma realização muito interessante. O ambiente era favorável - floresta, gelo, montanhas, água, escuridão, frio, etc -, mas o californiano capitaliza o potencial, com planos generosos, de encher a vista, outros intensos, numa uma bela utilização da imensidão do espaço, dos silêncios, da penumbra e da floresta. Claro que não é um filme surpreendente ou denso, e que a acção é quase sempre antecipável, mas, sem ser vivido a altas pulsações, tem excelentes cenas de tensão e um bom cheiro a medo. Liam Neeson, não tendo uma performance de culto, cumpre ao bom nível de sempre.

Depois, parte essencial do encanto reside no desfecho. Acho que escrevo sempre isto, mas tenho um respeito desmesurado por filmes acabados com classe. Os últimos 20 minutos de The Grey são fantásticos, e toda a sequência do corolário é uma verdadeira pérola, com deslumbre, exaltação, até alguma poesia, com o ecrã preto a entrar exactamente quando devia. Como a última imagem é a que fica, compensa, de certa forma, algumas carências do filme em geral.

7/10

Os culpados


Descobrimos todos esta semana que o governo afinal é um bando de jagunços que, para chegar ao poder, mentiu grosseiramente sobre as razões da crise, e sobre as medidas para tratá-la. Descobrimos também que a sua agenda é tão extraordinariamente de Direita, mais troikista que a troika, como lhe chamam, que ameaça arrancar pela base o próprio nível de vida como o conhecemos. É extraordinário que tenha demorado um ano. A dialéctica do Sócrates-diabo foi sempre patética, a inspiração ideológica deste PSD foi sempre evidente. Sabia-se quem eram, ao que iam, as motivações foram sempre extremas. O país, porém, primeiro deu a maioria, para então indignar-se. E agora pede revoluções como se tivesse sido enganado. Como se estupidez fosse remissão de culpa.

No sábado pede-se que venhamos todos para a rua queimar coisas. O facebook diz que os gregos é que é, que partir esta merda toda é a solução, todos no coro unânime de como somos um país de frouxos, que gosta de levar na cara. Pelo facebook parece que queremos ir todos matar pessoas, e os militares, coisa confortável de se saber, já anunciaram que estão com o povo na indignação. Fizemos a merda, e agora mal podemos esperar para ir brincar no abismo, falando disto com uma ligeireza pavorosa, própria de quem não tem noção.

E o pior? O pior é que sem partir coisas provavelmente já não vamos lá. Batemos com a cara no fundo. Temos parte da própria Direita, todos os moderados, aí pasmados em todas as colunas e em todos os debates, com esta criação demente do homem novo português, pobre até onde der. Claro que tínhamos de mudar. A crise despejou-nos isso na cara. Não somos competitivos, tínhamos de ser. Enquanto houve dinheiro, esquecemos o mérito, a eficácia, o rendimento, fomos um país a brincar. Claro que tínhamos de cortar, sacrificar, mudar para melhor. Vergonha a nossa, ser preciso vir gente de fora para nos dizer. Azar o nosso, termos posto no poder uma Direita profética, decidida a reinventar o país à imagem dos seus livros.

Ir partir coisas é uma ideia perigosa. Mas sem ir para a rua estamos destinados a este limbo insuportável, com um Presidente absurdo, vegetal e catatónico, um rato cuja magistratura de influência é ver a borrasca no horizonte e esconder-se no escuro, só porque fugir do barco ainda não é opção. Com um Primeiro-Ministro esvaziado de credibilidade, rodeado de radicais, sem pingo do estadismo que precisaríamos como de pão para a boca, que já não tem maneira de esconder as contradições, a plasticidade, a ligeireza e a impreparação. Com um Ministro das Finanças a quem o carisma de um cyborg faria inveja, que vai debitando bombas no tom de um retardado a dar um aula chata de Liceu. E, para ser perfeito, com um líder de Oposição que é a caricatura de um chefe temporário, que ninguém leva a sério.

Estes são os nossos políticos por nossa causa. Este é o nosso governo por nossa causa. O país está no limite por nossa causa. Não fomos bons o suficiente, fomos, aliás, muito piores do que isso. Resta-nos conter esta demência. Fazer pela vida nunca foi o nosso forte. Desta vez é capaz de não haver alternativa.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Terminator


"Watching John with the machine, it was suddenly so clear. The terminator, would never stop. It would never leave him, and it would never hurt him, never shout at him, or get drunk and hit him, or say it was too busy to spend time with him. It would always be there. And it would die, to protect him. Of all the would-be fathers who came and went over the years, this thing, this machine, was the only one who measured up."


James Cameron vive 10 anos à frente do seu tempo.

Pela carreira estratosférica, falam os números todos. Assinou cinco filmes para a História do Cinema, tem os dois mais lucrativos de todos os tempos, e a experiência extra-corporal que foi Avatar ainda está na cabeça de toda a gente. Mesmo assim, agora que os completei, acredito que o maior legado da sua carreira foram os Terminator.

Realizar aquilo há mais de 20 anos é qualquer coisa de atordoante. É o cinema-espectáculo antes de haver o cinema-espectáculo, é uma monumentalidade que, no tempo em que se pode fazer tudo, continua a deixar-nos boquiabertos. E a suportar essa execução, que seria sempre icónica, Cameron ainda juntou uma daquelas ideias que se sonha poder ter uma vez na vida.

The Terminator é um argumento visionário. Judgment Day materializa o estapafúrdio de ainda vir engrandecê-lo, com suspense, densidade, efeitos, carisma, um thrill inacompanhável, emotividade. 

Ver o regresso deste Cameron seria um dos marcos da minha geração.

sábado, 8 de setembro de 2012

The Avengers


Joss Whedon fez omoletes sem ovos.

Se num filme de super-heróis já é uma proeza contornar a vulgaridade, o que esperar de um filme que era uma reunião de super-heróis? The Avengers só tinha de existir para vender. Não tinha de ser bom nem mau, era um no-brainer: o planeta estaria em perigo, com um ataque extraterrestre a ser a opção mais provável, haveria injecções cavalares de efeitos especiais, os heróis seriam heróis, cada um com a sua quota-parte de tempo de antena, e o final seria feliz, a pedir uma sequela de forma mais ou menos denunciada.

O trunfo de Whedon, que realizou e escreveu o filme, foi ter sabido viver com essa sua condição. Toda a gente sabia o que eram os Avengers, toda a gente sabia o que esperar, a margem de manobra era possivelmente nula para inventar alguma coisa. E os clichés, a linearidade na acção, a superficialidade do argumento estão todos lá, de facto. A diferença é que Whedon quis apostar nalguma coisa, e apostou onde valia a pena: no trato das personagens, no ambiente, nos diálogos.

The Avengers não tem grandes morais, mas tem o mérito tremendo de não ser um filme plástico, falso moralista. Não quer ser nenhuma aula barata de filosofia. É como tem de ser, mas consegue ter chama no seu próprio estilo. Tem super-heróis que vão salvar o mundo, mas que até são rivais, que até se hostilizam. É ligeiro, tem piada, é bom entretenimento. E ainda é acabado com uma classe de fazer inveja a filmes muito melhores. Joss Whedon leu-o com mestria, e cometeu a proeza de dar-lhe personalidade.

Individualmente, The Avengers não é o tipo de filme onde o cast seja marcante. O facto de 2/3 dos papéis principais serem grosseiramente mal escolhidos também não ajuda: Chris Evans, o Capitão América, e Chris Hemsworth, Thor, são maus demais; L. Jackson, Ruffalo, Scarlett são tarefeiros, que não acrescentam nada. Vai daí, há um abismo a separar Downey Jr. do resto dos colegas heróis, e é ele quem sobressai naturalmente, sempre que está em cena. Tom Hiddleston, o mau da fita, também é uma mais-valia. Jeremy Renner foi mal aproveitado.

O filme não é brilhante, não está entre os maiores do género, mas poderia ser infinitamente pior. Mais do que isso, consegue ter carisma. Merece crédito.

7/10

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Jorge Mendes devia estar sem bateria nesse dia


Só isso pode explicar uma catástrofe daquelas na zona mista.

Ao contrário do que se quer fazer crer, Ronaldo não tem de pedir desculpa nem por ter dinheiro, nem por querer rever o contrato. O futebol não é a Santa Casa, e lucra mais com Ronaldo, do que ele com o futebol.

Ronaldo tem, também, tanto direito a sentir-se inconformado como qualquer um de nós, sejam quais forem as suas razões. Não faz muito sentido que ter tido o mérito para chegar aonde chegou seja um factor. Ninguém tem nada a ver com isso, justamente porque ele não deve nada a ninguém.

O que ele não podia ter feito era ir explodir assim na imprensa. Abalar toda a estrutura do clube e, pior, expor-se à caricatura. Se as coisas estavam más, pareceram insuportáveis nestes dias, quase irremediáveis. Piores não podiam ter ficado. Ronaldo tinha a obrigação de sabê-lo melhor.

O bom gigante


Michael Clarke Duncan não era uma grande estrela. Era um secundário que, um dia, teve o papel de uma vida. Era natural que, mesmo assim, passasse mais ou menos despercebido.

Duncan teve, contudo, a particularidade de estar em dois dos meus filmes incontornáveis. Por mérito próprio, com o dom de fazer-se lembrar. Nunca fez grande carreira, podia ter sido só aquele tamanho, mas, para todos quantos o viram, será eternamente lembrado pelo sorriso desconcertante e por uma bondade estranha, que plasmada nos seus maiores papéis, parecia mesmo vir-lhe de dentro.

Será pacífico dizer que não lhe estava reservada a posteridade. Nunca ganhou um Óscar, foi poster uma vez. Não era uma grande estrela. No fim, porém, a empatia e o carisma que sempre irradiou garantem que será lembrado com o carinho próprio de uma.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

E tudo o Zenit levou


Os negócios foram surreais, de tão impressionantes, eram necessários para os clubes, irrecusáveis.

Curiosamente, o Porto vende um símbolo inalienável, de longe o jogador mais preponderante do campeonato, e o Benfica consegue, mesmo assim, ficar a perder. É cru, mas é a realidade.

Ambos perdem capacidade, inevitavelmente, o que se notará na Europa. Vítor Pereira perde o abono, mas tem um plantel sustentado, pensado, que dá garantias. O Benfica não tem suplentes para a defesa, ainda não sabe se tem lateral-esquerdo, e quer fazer, pelo menos 4 meses, exclusivamente com Matic e Carlos Martins no miolo. A época, essa, começou com 15 atacantes, e com Rúben Amorim, um internacional A, emprestado. É possível que num clube profissional, que não é gerido por um miúdo de 10 anos, não tenha passado pela cabeça de ninguém contratar qualquer coisa que não um avançado? Jesus vai precisar de um milagre digno do nome para que isto não lhe rebente na cara.

Uma última nota para os jogadores. Hulk e Witsel irão para a Rússia receber como príncipes. Com sorte, o Zenit até faz um ano europeu digno. Não deixa, contudo, de ser desolador que os 2 melhores jogadores do campeonato português, na flor das carreiras, tenham decidido que o caminho é uma  passagem só de ida para um desterro gelado. É pena.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Thanks, Boss




Faltam-me 5 episódios para acabar as 7 temporadas de West Wing.

Sinceramente, já não há como descrever a sua monumentalidade. É tão grande, que o dia chegou em que a ficção se confundiu com a realidade, e só pudemos ficar esmagados de comoção com a simbiose de tudo aquilo.

Arrepiante.

sábado, 1 de setembro de 2012

The Newsroom (2012)


Pode tornar-se na série monumental que ainda não é.

The Newsroom (10 episódios) foi uma pedrada no charco deste início de Verão. Jornalismo numa série, e criado, imagine-se, por um dos senhores do Olimpo da televisão: 5 anos depois, o monstro Aaron Sorkin, pai de West Wing, decidiu voltar às lides do pequeno ecrã.

A acção é a de um noticiário de horário nobre, do cabo, tradicionalmente leve e pacífico, mas que se torna perfeitamente acutilante, num espaço de comentário duro e imparcial, aquando da mudança editorial que inicia a série. 

The Newsroom é fácil de gostar, fácil de assimilar. Fazer o grande jornalismo, a coisa certa, fazer a diferença. Não ter medo, falar alto, resistir às pressões, educar as pessoas. Se essa é, contudo, a sua face, e uma virtude, é também o seu maior ponto fraco. The Newsroom foi, desde a primeira hora, uma série lírica demais. Muito brilhante e pouco difícil, em vários aspectos, pouco realista. O jornalismo não vive sem o romantismo, mas a realidade é mais crua, obriga a mais concessões, a mais sacrifícios para fazer a diferença. Não pode ser tudo fácil, heróico, não basta só querer. A Newsroom falta dar-lhe o lado feio, a falência dos homens. Apesar de ter tido momentos de nível altíssimo, a temporada acabou nessa toada de conto de fadas, e há que amargar o tom para encarar a próxima.

Isto não significa que a série não tenha densidade, ou que seja banal. Quer dizer que as coisas, sendo já bem feitas, têm ainda de ser engrossadas, tornadas mais realistas, melhores. Porque, como escrevi a abrir, se o forem, então The Newsroom torna-se num absoluto incontornável. Que já provou poder ser. Sorkin ainda está a afinar a coisa, nota-se isso, mas o seu génio já apareceu a toda a linha, e os momentos pele-de-galinha não enganam (o 5º episódio é uma obra-de-arte de princípio a fim). Se a série sair da simpatia da zona de conforto, as possibilidades são infinitas.

As personagens ainda não convenceram totalmente. Tenho dificuldade em gostar de Jeff Daniels. É ele o ícone da companhia, a vedeta, um pivot que fez carreira pela paz com deus e com o diabo, mas que incendeia o seu velho nervo pelo jornalismo, assim que integra a equipa uma antiga e irascível paixão sua. Acho-o muito pouco carismático, pouco venerável, e a sua ocasional postura cómica não ajuda. Emily Mortimer é melhor. Estridente, pouco dada a formalismos, entusiasta, é uma personagem mais cativante. Fica a faltar-lhe, mesmo assim, um pouco de peso e de seriedade. O romance entre ambos, sempre omnipresente, chega a ter um peso exagerado, mas melhora para o fim da temporada.

As minhas personagens favoritas são Sam Waterston e Dev Patel. O primeiro é um patriarca estilo desenho-animado, que é o presidente da divisão de notícias. É ele quem saca quase sempre a performance mais genuína. Patel (Slumdog Millionaire!) é um rookie que sabe todos os segredos da internet, e que nesta sua "estreia" em televisão, demonstra uma altitude digna de registo. 

Das outras personagens mais relevantes, Thomas Sadoski, um produtor truculento, cru e pragmático, mulherengo mas de bom fundo, é o mais interessante. John Gallagher esgota-se em triângulos amorosos, Alison Pill e Olivia Munn são fracas.

The West Wing foi uma série perfeita desde o pontapé de saída. Em cadência, em agressividade, em crueza, nos temas, nas personagens. É também a obra-prima que acontece uma vez na vida, e não pode ser termo de comparação. The Newsroom tem grandeza em si, e isso é a chave de tudo. Falta que Sorkin a trabalhe, que a torne mais dura e adulta. E as expectativas são altas, obviamente, para quando se der o regresso, em Junho de 2013.

P.S. - O genérico, musicado pelo colossal Thomas Newman, é dos mais apaixonantes que já ouvi.

Has André been sacked yet?


Nos primeiros meses do ano passado, quando as coisas teimavam em correr mal ao Chelsea, lembro-me de escrever que havia futebol para muito mais naquela equipa. As coisas foram como se sabe: Villas-Boas implodiu o balneário, foi embora, e o Chelsea acabou campeão europeu.

Nas primeiras jornadas deste ano, com as coisas a teimarem em correr mal ao Tottenham, não há como escrever a mesma coisa. O 3º grande de Londres, do alto do seu voluptuoso plantel, não joga um pingo de futebol. A equipa é passividade, falta de vontade e falta de criatividade. O miolo não inventa porque não tem quem o faça, e é tudo banal naquele 4-3-3, chegando a ser desolador esperar que, nas alas, Lennon ou Bale, os únicos pequenos rasgos, inventem algum milagre. O Tottenham fica em campo à espera de um lance de felicidade, de um erro adversário, ou de um momento de inspiração, qualquer coisa que mascare a sua grosseira falta de método, de ritmo e de critério, coisas só compreensíveis numa equipa que ou não tem treinador, ou não treina. 

E Villas-Boas nem se pode queixar da sorte. Foi assim com o WBA, na semana passada, quando, a um quarto-de-hora do fim, Ekoto inventou um golo a 35 metros. Foi assim hoje, contra o Norwich, com Dembele a entrar em campo, meter um calcanhar pelo meio, e marcar ao mesmo quarto-de-hora do fim. Extraordinariamente, em ambos os casos, em pleno White Hart Lane, o Tottenham ainda conseguiu a proeza de deixar-se empatar. De ambas as vezes em cima da hora, com golos aos ressaltos de dois dos clubes mais pobres da prova. A equipa não tem nem discernimento, nem atitude para segurar sequer este tipo de vantagens neste tipo de jogos. E pior, hoje, se não fosse um guarda-redes de 41 anos, o Tottenham teria mesmo perdido.

Neste momento, os Spurs são, inexplicavelmente, um zero de produção e um zero de capacidade competitiva. Se AVB fez alguma coisa, foi piorar o que Redknapp lhe fez chegar às mãos. Ou acontece algum milagre rápido, ou a carreira do Special Two na alta roda europeia será resumida a um ano tormentoso em Londres, a sangrar dois dos grandes do país.