quinta-feira, 12 de setembro de 2013

"As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem"


É manchete no Diário de Notícias de hoje e anuncia que se fará História: o PSD não só se prepara para perder, pela primeira vez, a maioria na Câmara do Funchal como, a duas semanas do dia D, ainda não trancou a vitória, pela qual, desta vez, terá de lutar até à 25ª hora. A principal razão? Paulo Cafôfo, o candidato que, no pior dos casos, fará o melhor resultado de sempre de uma segunda força política na capital. A sua candidatura é particular: não veicula de um partido, mas de seis, incluindo o PS e o Bloco de Esquerda, e, mesmo assim, 90% dos seus vereadores, a contar com ele próprio, não têm qualquer passado ou filiação partidária. A "Mudança", como se auto-intitula, é uma candidatura branca, emanada da sociedade civil, com os partidos signatários a emprestarem estrutura à disponibilidade dos cidadãos comuns, mas a reconhecerem, eles próprios, que a hora é desses se chegarem à frente. Neste momento da Madeira, a marca que poderá vir a deixar é indizível.

No célebre "O Leopardo", o Príncipe de Lampedusa escreveu que "é preciso que tudo mude, para que tudo possa ficar igual." Ao fim de 20 anos de reinado de Miguel Albuquerque, o PSD insinua essa mesma fantasia de que, no fundo, se vai auto-injectar de vitalidade. O seu candidato, porém, não pode enganar nem os mais distraídos. Bruno Pereira foi vice de Albuquerque durante anos... e é filho do seu antecessor. Não tenho nada de pessoal contra ele, mas ele personifica tudo o que há de mau na política madeirense. Bruno Pereira já nasceu político e, antes de saber escrever, já tinha reservado a cadeira do pai. É uma fusão de nepotismo e do jotismo, um exemplo acabado da profética eternização do regime jardinista - ele que, como se não bastasse, nem hesitou em virar costas ao seu presidente, para poder estar alinhado de corpo e alma com o chefe. Bruno Pereira até pode não ser a pior coisa da máquina; votar nele, contudo, é perpetuar uma aberração de sistema que, vai para 40 anos, monopoliza a democracia para abocanhar tudo o que tem à sua volta. Um sistema febril e tentacular que já perdeu toda a noção do que o rodeia, e cujo fim se tornou numa questão de sanidade.

Mas quem é Paulo Cafôfo, afinal, senão o tipo inexperiente, que não anda mais do que atrás da própria sorte? As pessoas olham e talvez não se sintam seguras. Pode faltar o saber fazer, pode faltar o domínio dos meandros, pode-se irritar a ordem das coisas. Pode ser perigoso, para quê arriscar? Certo é que, por definição, a mudança é tão desconfortável quanto necessária. Hoje, na Madeira, é muito mais do que isso: é oxigénio. As pessoas talvez olhem para Cafôfo e vejam o que ele não tem. Eu acho que deviam ver o que ele representa. Cafôfo não é só o homem respeitável, bom falante, de boa presença. Não é, como lhe chama certamente a camorra, mais um vendedor de banha de cobra. É um homem com ideias e vontade de fazer, rodeado de gente que se anda a fartar de trabalhar para poder estar à altura. Ganhará a pulso e, por isso, nunca será acomodado, nunca relativizará a responsabilidade. É um voto pessoal, um voto de confiança. É, no fim do dia, um voto num de nós. Não no político que é filho de político e que já nasceu político, mas no tipo normal, que se importou o suficiente para vir sujar as mãos num meio hostil e feudal, porque só assim é que se pode mudar alguma coisa. "A política é feita por aqueles que dão a cara", como diria um velho episódio do inesquecível West Wing. Cafôfo deu e está a provar que, na Madeira, também há lugar para quem acha que ser político é um dever cívico e não uma profissão em si mesma.

Há um par de meses escrevi este texto. "Eu quero que as pessoas reais se cheguem à frente. As pessoas que já deram mais à sociedade do que se alimentaram dela, gente com seriedade, ideias e, sobretudo, com boa-vontade. Pessoas a sério, que não tenham nada a ganhar e que já estejam fartas de perder, pessoas que tenham a hombridade e a coragem de admitir que têm alguma coisa para dar, e que chegou a hora de o fazerem. Porque amanhã já vai ser tarde demais." Não sabia, então, que o poderia experenciar, em breve, às portas de casa, muito menos que a minha própria mãe faria parte disso. Digo-o sem pejo nenhum: tenho um orgulho tremendo que ela lá esteja. Porque é exactamente aí que devem estar pessoas com o carisma e a competência dela, e porque o faz ao lado de quem criou uma oportunidade única de fazer História e de mudar de História na Madeira, coisa que todos deviam ter consciência do que significa.

A "Mudança" é isso. São pessoas capazes do dia-a-dia, reconhecidas e respeitadas nos seus respectivos meios, que não têm um histórico de trela às velhas torneiras e que acharam que, de uma vez por todas, precisamos de mais do que a alucinação laranja. O Império amolece todos os dias e os madeirenses começam a viver essa curiosidade. Ainda a medo, mas a crerem que sim, que há futuro numa Era em que não tenham de viver num bafo de medo totalitário e complexados pelos abusos que toleram na sua própria casa. Como soaria uma canção de Leonard Cohen, primeiro levamos o Funchal, depois levamos a Madeira. É hora dos funchalenses darem o exemplo, antes de ser a vez da ilha recuperar o orgulho.

2 comentários:

MSG disse...

Grande texto. Parabéns.

PC disse...

Muitos parabéns Paulo, adorei o texto.