segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

"Whatever makes you happy"


Sonhar, fazer, ir, rir, aproveitar tudo o que der, e depois mais um bocado. Fazer coisas boas, divertir-se genuinamente, contagiar quem estiver à nossa volta e, acima tudo, estar de bem com a vida todos os dias. "Tudo o que nos fizer felizes", como diria o Mestre.

Que 2013 seja isso tudo, em muito melhor. Venha ele!

Frankenweenie


É um filme tão pouco convencional como Tim Burton.

Isso fica claro, desde o início. É um stop motion a preto e branco, melancólico, estranho sempre que possível, e com temáticas quase raras em Animação, nomeadamente a omnipresença da morte e do pós-vida. Até gabo a originalidade. Acredito que é sempre melhor fazer qualquer coisa diferente, gostem ou não, do que mais do mesmo, e com Burton isso nunca está em questão. Frankenweenie é um exercício criativo para o seu gosto próprio, uma homenagem sua a uma quase infinitude de elementos do cinema fantástico, e tem coisas de valor: o cão é um belíssimo boneco, por exemplo, e o amor e a pureza da relação com o protagonista têm expressividade. O problema é que acaba tudo mais ou menos atropelado pelo exagero artístico de Burton.

Aprecio que se faça diferente, mas diferente está longe de ser necessariamente bom. Tim Burton poderia ter feito o "seu" filme, com os "seus" elementos, mas conferindo-lhe mais empatia, tornando-o mais ortodoxo, e mais apreensível para o género em geral. Prefere, no entanto, elaborar tudo na sua paleta, e deixar-se levar. O filme é sempre obscuro e tristonho, falta-lhe vida, e depois, como se não bastasse, envereda por uma espécie de horror movie infanto-juvenil que torna as coisas simplesmentes penosas. Tem tudo de ser tão fantasioso, tão retorcido e tão estranho, tão exageradamente assinado e artístico, que o produto final é um filme cansativo, não especialmente bonito, e difícil de gostar.

Não sou familiar da filmografia de Burton, e não sou fã do que conheço. Acredito que, para quem é, Frankenweenie esteja na medida. Para o resto das pessoas, e de fronte para o deserto árido que tem sido a Animação nos últimos tempos, mais vale ir ver dvds do que a Pixar andava a fazer há 4 ou 5 anos atrás, e esperar que esses dias ainda possam voltar.

5/10

domingo, 30 de dezembro de 2012

Spielberg voltou aos grandes filmes


Passaram sete anos desde Munique. Uma péssima sequela, uma péssima incursão na Animação e um ainda pior regresso à Guerra. Sentia-se o vazio, e ficavam dúvidas se, de facto, uma das lendas vivas da indústria seria capaz de recuperar a sua altitude, e fazer de um prato cheio como este, o que ele devia ser. Felizmente, Lincoln trouxe-o de volta. Bom gosto, cadência, inteligência e, acima de tudo, a grandiosidade que sempre o caracterizou. Não com a crueza da guerra ou o luxo visual que o celebraram, mas com uma maturidade e uma reverência notáveis, que se acumulam em cenas não raras vezes sublimes (e a que não é estranha, claro, a colaboração de velhos parceiros como o eterno John Williams, com mais uma bela banda sonora, e a Fotografia de Janusz Kamiński). Como já deixava antever o início da época dos prémios, Lincoln cumpriu mesmo as expectativas, e é um dos filmes maiores de 2012.

A acção centra-se nos últimos meses da vida do lendário Presidente americano que, foram, de alguma forma, o corolário do seu legado, com a abolição da escravatura e com o fim da Guerra Civil. O argumento adaptado de Tony Kushner merece todas as honras. Não será à toa que o seu último trabalho tenha sido também o último grande filme de Spielberg, o já mencionado Munique, em 2005. Nova parceria, novo sucesso. A chave é a capacidade notável para saber contar a história. O filme é biográfico, dependente de travessões históricos, mas Kushner recria-o com mestria, cheio de intimidade, de situações enternecedoras e privadas, de encontros pessoais passíveis de ser conhecidos só por quem lá tivesse estado, que dão ao filme uma personalidade absoluta e sedutora. A acção que vem nos livros ocorre como que num segundo plano - a guerra e o assassínio não têm expressão, por exemplo -, e o filme flui com a riqueza da recriação dos bastidores, sempre altivo, mas nunca sério demais, com uma dignidade humanizada, e com espaço para o escape e para uma familiaridade educativa e confortável. Para isto também contribuiu a excelente caracterização de personagens.

Day-Lewis continua a provar-se, de todas as vezes, um dos maiores actores do nosso tempo. Logo ele, que é tão entusiástico e intenso, teve de se ver com um papel de quem era a paz em pessoa. O discernimento, a paciência, a cultura, o vulto, o homem que nunca gritava, que tinha sempre o conselho candelar e a parábola para contar. A resposta, claro, foi brilhante. Day-Lewis é um colosso em tudo o que faz, e na pele do gigante Abe Lincoln não poderia perder tamanho. O ícone, o juízo, o riso e o entusiasmo cansado, a resiliência, o peso do mundo nas costas, e, acima de tudo, o cariz patriarcal, são tão genuínos, que quase custa a crer que Lincoln não tenha sido mesmo assim. Performance magnífica.

Num elenco absolutamente estonteante, Tommy Lee Jones está à altura do protagonista, o que diz quase tudo. É ele quem leva para casa a cena do filme, carismático, a falar grosso e a impor a força, mas profundamente comprometido com os seus ideais e com a coisa certa. Apesar de ser fã de Alan Arkin, e de ter feito uma vénia tremenda a Bardem, é ele quem deverá ganhar, com toda a justiça, o segundo Óscar de Secundário da carreira. Numa personagem com pouca empatia - Mary Todd é retratada como uma mulher deprimida, possessiva e de trato difícil -, Sally Field é fidedigna no desconforto e no baralhar emocional da acção, e merece o crédito. E fique uma nota de rodapé para o grande James Spader (Boston Legal), no seu registo gozão e mundano de sempre.

Mal apareceu no horizonte, as expectativas dispararam. A melhor coisa que se pode dizer de um peso pesado é que viveu para estar à altura delas. Lincoln chegará aos Óscares com todas as razões para crer que pode roubar a noite.

8/10

sábado, 29 de dezembro de 2012

Do facto da Premier League ser a melhor competição do sistema solar


Hoje vi seguidos o Norwich 3-4 City e o Arsenal 7-3 Newcastle. Isto de gente que jogou há três dias, e três dias antes disso, e que volta a jogar daqui a dois. Enquanto no sul da Europa quentinho o pessoal embala as malas na altura das férias da escola, vai para a terrinha ou para o Verão da América Latina, e tira uma semaninha de férias e só volta a competir a sério lá depois dos Reis, que a Taça da Liga é paneleirice, os tipos mais bem pagos do mundo, da liga mais mediática e assistida do mundo, têm de passar a Consoada a correr com a família e em gestão de esforço, que estão na fase mais exigente da época. Acham eles que faz sentido que, na altura do ano em que as famílias se juntam, em que vêm os filhos das Universidades boas e os tios do Sul e os primos da fronteira, e está toda a gente em casa, se aproveite para fazer jogos em não mais do que o limite do suportável pelas pernas, para que, naqueles dias, possam ir todos a jogo, logo depois da almoçarada em casa dos avós e imediatamente antes da jantarada nos vizinhos de sempre. E as pessoas lá aderem a esta ideia estapafúrdia, vá-se lá saber, de quem troca as férias saborosas por uma tournée em contra-relógio pelo país todo. E ainda por cima com aquele frio dos diabos. Raio de coisa.

Sinceramente, acho que se devia pagar um dízimo qualquer à Sporttv acima da quota do mês, quando estamos no campeonato de Natal. Não é decente desfrutar de tamanha coisa como se fosse o mesmo de sempre. Era justo, eu pagava. É que, reparem, não é só o facto daqueles jogadores todos se sujeitarem a 4 jogos no espaço alucinogénico de 11 dias; é jogarem com uma brutalidade tal de nível, de qualidade, de entrega, de disponibilidade, de cultura competitiva, de gosto pela bola, pelas pessoas e, acima de tudo, e sacrossantamente, por dar espectáculo, que é como se a época deles acabasse já aqui no ano novo, e não lá para os confins de Maio. Todo o planeta futebolístico devia ser obrigado a formar-se na Premier League. Uma espécie de licenciamento da UEFA, mandatório. Os miúdos, já nos infantis, deviam passar lá umas semanas. Os pais que começam a levar os filhos ao futebol, deviam ter logo x viagens pagas a Londres. A televisão estatal devia dar só jogos ingleses. E os nossos dirigentes deviam ter um tratamento estilo Laranja Mecânica, em mais doloroso, para verem que o futebol não tem de ser um espectáculo degradante de jogos sofríveis, equipas sem adeptos, estádios vazios e jogos à noite na semana. Como uma grande evangelização, umas Cruzadas do futebol.

Em Inglaterra, o jogo é cultural, e claro que isso não se pode copiar. Mais depressa voltavam a cair o Carmo e a Trindade do que tínhamos um boxing day. Também é económico. Eles são uma potência, têm poder, dinheiro, pessoas e jogadores que não tem quem quer. Mas acredito que é, acima de tudo, educação. A mentalidade educa-se, desde que existam condições para que o campo esteja tão próximo dos adeptos como deve. Num campeonato que até é impregnado de estrangeiros, o que faz a verdadeira diferença é a maneira como se escolhe estar, e a reciprocidade inacreditável que se escolhe ter para com o jogo e para com as pessoas. E isso só não aprende quem não quiser.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

2012. O dream-team


Casillas. Lahm, Pepe, Hummels, Alba. Xabi Alonso, Pirlo, Iniesta. Ronaldo, Messi, Falcão.

Suplentes: Buffon, Hart. Sérgio Ramos, Bonucci, Thiago Silva, Ivanovic. Yaya, Silva, Ozil. Ibrahimovic, Drogba, Van Persie.

Treinador: Mourinho

sábado, 22 de dezembro de 2012

O Real não está à espera da Champions, está à espera do que vier depois de Mourinho


Não é só o campeonato já estar morto, enterrado e em ossos. É toda a gente ali já ter fechado a porta e apagado a luz. Nos dias que correm, o Real só ganha um jogo se o adversário não quiser rigorosamente nada com aquilo. É um rival de sonho, uma equipa frustrada e conformada, sem agressividade, sem vontade e sem génio, que assiste passiva às dúzias de golos que sofre, e que está quase a deixar de ir jogar fora do Bernabéu, para ao menos poupar o dinheiro das viagens.

Havia quem acreditasse que o campeonato perdido em Novembro não era insustentável, porque ainda havia a Liga dos Campeões, e porque, para o madridismo, ganhar a Décima era mais do que ser campeão. Os últimos jogos, porém, deixaram tudo dolorosamente claro: num clube como o Real, deixar a época em espera durante 3 meses é uma impossibilidade. E se já é difícil manter o balneário mais difícil do mundo colado quando as coisas correm bem, a mal torna-se tudo simplesmente penoso. Vê-se na sala de imprensa, e vê-se, sobretudo, no campo, que aquele balneário, Mourinho já o perdeu. Ao contrário do Chelsea ou do Inter, ali não mora "a sua gente". Ali são poucos os que se sacrificariam por ele, porque o balneário do Real é um contrato de trabalho, sempre o foi: faz-se o melhor, porque isso é o melhor para todos, mas não se segue ninguém por lealdade ou por camaradagem. Não há química, há negócios, e se as coisas correm mal, é preciso mudar.

Não estou a demonizar nada, estou a constatar que é assim que funciona, e Mourinho, antes de todos, não estará chocado com isso. Há clubes para gratidão, para carisma ou para militância; no maior clube do mundo, no entanto, it's just business. Quando o barco perdeu o rumo, Mourinho recusou-se a ser cozido em lume brando. Foi igual a si próprio, como seria de esperar, e canalizou tudo para o tratamento de choque que, se calhar, até era a única coisa que podia ter resultado. Falhou, e ver hoje Casillas a assistir do banco a mais um descalabro, tem o peso das imagens finais.

Não havia tempo a nível desportivo, e já não há espaço a nível humano. Mourinho costuma ser a chave; quando não é, não há meio termo. A sua aventura em Madrid acabou. Acaba mal, mas o tempo fará justiça ao muito que conseguiu. Certo é que, hoje, está sozinho, e isso não é coisa contra a qual possa lutar.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Ted


Excelente estreia de Seth MacFarlane em cinema (primeiro argumento e primeira realização). O urso propriamente dito é o boneco do ano, e Ted está, necessariamente, na nata do que 2012 viu em comédia.

O filme evidencia-se pela tremenda qualidade do texto do celebrado criador de Family Guy, nas piadas e nas gags, e pelas excelentes personagens. Numa noite de Natal, um miúdo desejou que o seu peluche favorito ganhasse vida, e teve um milagre à altura. Depois, cresceram juntos (um mimo a sequência de fotos com os anos a passar), e a acção ocorre nos mid 30s do protagonista, um tipo extraordinariamente divertido, mas imaturo, que se vê, nessa fase da vida, sem um trabalho que lhe dê perspectivas, a desiludir a mulher de quem gosta, e a ter, como companheiro inseparável, o peluche de infância, numa situação que lhe começa a ser impossível. A vida de John Bennett é indissociável da de Ted, e vivem juntos como melhores amigos, num registo de crianções, boys will be boys, de palavreado, luxúria e javardice, que rende grandíssimos diálogos e situações. O mundo de Ted é cheio de gozo, é carismático e inteligente, e mantém-nos entretidos a tempo inteiro.

As personagens são o outro pilar do sucesso. O peluche, mais um boneco saído do génio de MacFarlane (que lhe dá a voz), deslumbra a tempo inteiro, no seu registo ácido, grosseiro e pervertido, e diria que é a personagem animada com mais carácter que já vi em cinema. Mas também Mark Wahlberg está à altura, num papel que lhe é pouco familiar. É surpreendente a naturalidade com que está nas piadas, e com que cumpre, de forma genuína e bem disposta, o papel de bebé grande. Rende-lhe a performance mais interessante desde The Departed (2006). Giovanni Ribisi, fruto de uma caracterização de personagem deliciosa, merece igualmente a nota.

A chegada de MacFarlane ao cinema só pode ser celebrada e, para quem dita regras em televisão há 13 anos, já devia ter acontecido há bastante tempo. Aguardam-se os próximos projectos, sendo que as expectativas vão grandes para quando, a 24 de Fevereiro, for ele o host dos Óscares.

7/10

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A série do ano


Que não haja uma dúvida que seja sobre o reconhecimento a dar.

Há de revalidar Melhor Série Drama e Melhor Actriz, e estrear Melhor Actor e, por mim, Melhor Secundário. Tudo sem sequer ter de piscar os olhos, tal é a avenida que a separa das restantes (e vi 3 dessas 4).

Notei-o insistentemente ao longo dos últimos meses (aqui ou aqui), mas reforço: a segunda temporada de Homeland foi o evento televisivo do ano, só encontrando par com Walking Dead que, como se sabe, é popular demais para contar nestas coisas dos prémios.

A quantidade de episódios verdadeiramente monumentais foi qualquer coisa de brutificante. A segunda temporada foi muito além da concretização que se podia esperar para algo que já estava a jogar tão alto, e pareceu, semana sobre semana, não ter limites na tensão impossível, no requinte absoluto e no festival interpretativo dos protagonistas. Se Claire Danes e Damien Lewis já tinham deslumbrado no ano anterior, desta mandaram tudo pelos ares.

Homeland é a série do ano, a melhor da actualidade e a prova de uma teoria cada vez mais em voga nos Estados Unidos: não há cinema que bata a qualidade desta televisão.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

"For 12 years, and 25 seasons, you've invited Survivor into your homes"


"For 12 years, and 25 seasons, you've invited Survivor into your homes. You followed us across 4 continents, 18 countries, and invested in over 350 tribal councils. You're the most loyal and amazing fans this show could ever hope for, and thanks to you Survivor is still the most watched show Wednesdays at 8. We thank you" 

Acabou mais uma grande temporada de Survivor, e todas as oportunidades são boas para lhe fazer uma ode.

Que pena a reality-tv americana não ter aqui a devoção que tem a ficção. Para quem não gosta por definição, para quem acha que não gosta, para quem não consome por ser menos acessível ou menos em voga, é uma perda. Survivor é um jogo verdadeiramente genial, intenso e viciante, com físico, social e intelectual, puro, com o instinto, a moral, a lealdade, a estratégia e a lucidez à flor da pele, com tudo a ser determinado em condições tão exigentes, que, no fim, só pode mesmo ganhar quem tiver sabido ser o mais forte.

Um jogo brilhante e incomparável, com um host icónico, e que, temporada sobre temporada, funde paraísos selvagens com jogadores imensamente diferentes, uns incapazes, outros discretos, alguns infelizes e uns poucos com a capacidade efectiva de, pelo brilho próprio e pelas circunstâncias, escreverem uma história e tanto. 12 anos, 25 temporadas, e continua aí para lavar e durar. Que venha o quarto de século.

The Cabin in the Woods


Foi ventilado como o filme de horror do ano, e merece o crédito.

The Cabin in the Woods é muitas coisas, nem todas felizes, mas não é definitivamente vulgar. A fórmula até é um pilar do género: um grupo de jovens amigos, heterogéneo qb, que vai passar um fim-de-semana a uma cabana na floresta, no que se torna, inevitavelmente, na caminhada de todos para uma morte mais ou menos dolorosa. A esta forma rasa, Joss Whedon (o idolatrado criador de Buffy, e que, este ano, também escreveu The Avengers) teve, no entanto, o mérito de injectar uma infinidade de nuances, nem sempre inatacáveis, mas ambiciosas, que, para o bem ou para o mal, emprestam distinção ao filme. A sua intenção foi justamente partir de um lugar-comum para poder reinventá-lo ("You think you know the story", é a tagline), e este inspira-se em tudo um pouco, desde o voyeurismo de Saw, ao conceito de The Truman Show, à monstruosidade de Men in Black ou à dimensão mitológica de um Indiana Jones.

Uma grande salada russa que podia ter descaracterizado a história, mas que acaba por funcionar de forma bastante razoável, uma vez que The Cabin in the Woods não tem nada de pretensioso: quer é que se disfrute do seu registo e dos joguetes da acção, sem quaisquer considerações maiores ou morais. Também por isso, o fim assenta tão bem, o que não é um pormenor. A grande marca identitária do filme é o reconhecido sentido de humor de Whedon, que quebra a tensão da acção constantemente, e produz um efeito que acredito ser pouco comum neste tipo de filmes: ter doses quase iguais de horror e de humor frio, tão indiferente quanto hilariante. Tendo todos os elementos do cinema de horror, o propósito não é assustar pela imagem, mas chocar-nos pelo non-sense exagerado e delirante da ideia, da acção, e do humor, sem nunca levar nada a sério demais. Também não é difícil reconhecer o bom ambiente, recriado pelos velhos chavões: a casa, os sotãos, a floresta, são todos cativantes.

Impressionou-me particularmente a estreia na realização de Drew Goddard, que é co-autor do texto, e que, até aqui, se tinha evidenciado justamente na argumentação, com colaborações em Buffy, Alias, Lost e com Cloverfield, por exemplo. É notável o seu à vontade no género e a sua excelente leitura, que lhe permite ser quase sempre uma mais-valia para o que está a acontecer. É energético e francamente criativo com a câmara, e isso é decisivo num filmes destes. Sem interpretações de se lhe tirar o chapéu, os melhores são Fran Kranz, um não-atleta, receoso, excêntrico e mordaz, e o grande Bradley Whitford (The West Wing), um dos masterminds da acção, ambos a beneficiarem do registo cómico do texto de Whedon.

The Cabin in the Woods não será um filme que apaixone os mais puristas do género, o que se compreende. Porém, o meio caminho entre ser ambicioso sem nunca ser sério demais, torna-o atraente, e a sua assinatura indiscutível garante-lhe um lugar no cinema de horror e mistério.

7/10

sábado, 15 de dezembro de 2012

Ser o exemplo, todos os dias


"Es el caso más evidente de un futbolista que no ha perdido el apetito por seguir ganando, la ambición por jugar cualquier tipo de partido, sea quien sea el rival y en las condiciones meteorológicas que toquen. Cristiano Ronaldo se dejó todo en Vigo. Su gol, que mantiene vivo al Real Madrid en esta eliminatoria, fue el premio a todo el esfuerzo que hizo en ataque y en defensa. Le dio igual que cayera un aguacero, que el césped se levantara, que hiciera frío, que sus compañeros no hilvanaran una jugada de ataque... Nunca se escondió."
Ulises Sánchez-Flor, na Marca

É capaz de ser, até hoje, a melhor linha com que já o descreveram: que nunca se esconde. Seja no Camp Nou a ferver com 600 milhões de espectadores, no jogo do título que só ele pode decidir, seja numa noite da Taça esquecida no meio da semana, no frio de Inverno da Galiza, que mais ninguém quis ir jogar. É o mais caro do plantel, o mais rico, o mais arrogante, o mais difícil, e o que mais acha de si próprio, como nunca deixam de lhe lembrar. Mas na fossa, como nos dias gordos, só há uma coisa certa: é que vai ser ele a dar a cara, mesmo que a tenha de dar sozinho.

O que é preciso, a nível mental, para continuar a ser melhor todos os dias, quando, aos olhos do Mundo, ser Ronaldo é nunca ser bom o suficiente, muito pouca gente será capaz de compreender. Tenho a certeza é que, independentemente das Bolas de Ouro que os seus contemporâneos lhe queiram dar, a História guardará a enormidade competitiva e o carácter absolutamente incomparável no lugar que lhes é devido, mais do que os golos no país catalão das maravilhas, de quem tem o carisma de uma folha de papel.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Nunca nos deixas mal, Peter


Adaptar O Hobbit ao cinema era bem mais difícil do que se pode pensar. Se é verdade que, por um lado, haveria sempre um cheque em branco de aceitação carinhosa, em nome do legado, por outro, não era propriamente uma brincadeira estar à altura das expectativas, ou não fossem as pessoas esperar por mais um Senhor dos Anéis, tendo ou não consciência de que O Hobbit nunca o poderia ser. Desde logo, porque a majestade de uma obra-prima não poderia ser replicada em lado nenhum; depois, e quem leu o livro sabe-o bem, porque O Hobbit tinha um registo infinitamente mais suave. Com cor, coração e épico, mas sem choque e sem batalhas de todos os tempos. Também por isso, quando Peter Jackson anunciou a transformação do livro, que não só é suave, como razoavelmente pequeno, numa trilogia, as sensações foram dúbias.

A única consideração a fazer é que duvidar de Jackson, é duvidar em vão. Ele sabe tudo de cinema e sabe tudo d'O Senhor dos Anéis; a dúvida não podia ser se ele conseguia ou não, mas simplesmente como é que o iria fazer. Tendo em conta a história original, e o facto de Unexpected Journey só corresponder a um terço do bolo, o seu trabalho é sensacional. Repare-se que estamos a falar de um livro de contemplação, com coisas de conto juvenil; na corrida da trama e no ecrã, O Hobbit é, no entanto, um thriller imparável, com uma linha de acção tão espectacular aos olhos, quanto coesa. Sendo fiel ao original em praticamente tudo o que interessava, Jackson não foi estrito às linhas de Tolkien: acrescentou o que elas precisavam para palpitarem como deviam em cinema, não abusou de tempos mortos (que o livro explora bastante), deu sempre um propósito a toda a acção e, na lógica de que era só uma fatia da história, foi capaz de coser-lhe princípio, meio e fim. Jackson pegou em Tolkien como sempre, e interpretou-o e realizou-o, com tudo o que tinha de fazer para que O Hobbit resultasse como filme. E não imagino que o mestre inglês pudesse ter ficado mais realizado do que ao ver uma ideia sua nas mãos de Peter Jackson.

Visualmente, como se adivinhava, o filme é uma assombração. Uma brutalidade tecnológica de recriação, um portal entre os computadores da MGM e a Terra Média, tão larga, e tão rápida e com tantos elementos que nos chega a zonzear. Há cenas, acima de todas, a Montanha dos Gnomos, que parecem realidade num videojogo, controlada pela batuta e pela lente do realizador neo-zelandês. Um luxo descomunal. Depois, a familiaridade daquilo belisca-nos por todos os lados. Vemos o Shire, o Bilbo, o Gandalf, os anões, os elfos e os orcs, e tudo nos sabe a um regresso a casa. Eles até estão em modo-prequela, com tudo mais novo e sem terem memória, mas nós não deixamos de os olhar com um brilho nos olhos, e um orgulho pelos velhos tempos, pelo que já passámos todos juntos. 11 anos depois do primeiro dia, é irmos outra vez à aventura com eles, e com o som perene, que se vê de olhos fechados, da banda sonora indizível de Howard Shore, a uma faixa de génio de cada vez, ganhasse ele, algum dia, todos os prémios que merece por aquela monumentalidade. Essa dimensão pessoal, de culto, da Terra Média de Tolkien e de Jackson e de Shore não tem que se descreva.

Finalmente, Martin Freeman foi a melhor opção de cast que se poderia ter tido. É magnífico ter ali alguém daquele nível, que não é só um bom boneco (McAvoy ou Radcliffe, como se ventilou), e que é capaz de fazer tão genuínas todas as pequenas coisas (sem demérito para Elijah Wood, mas tem tudo para vir a ser muito maior do que ele). Richard Armitage, como líder dos anões, tão duro e realista, como bravo e admirável, também tem a figura que se queria. E Ian McKellen que dure muitos anos. O Gandalf-ícone, patriarca omnipresente e insubstituível, é boa parte da razão porque aquilo é tão nosso.

O maior elogio de todos é dizer que não acredito que O Hobbit vá desiludir algum fã. Não tem a glória épica d'O Senhor dos Anéis, como não podia ter, mas é um regresso à Terra Média de encher os pulmões, trabalhado à altura do génio de Peter Jackson, na narrativa irrepreensível e no poder visual arrebatador. É voltar a um lugar especial, e estar à altura dele.

8/10

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Trouble with the Curve


Tem história, tem carisma, tem personagens, e é absolutamente bem contado.

Trouble with the Curve é o limite da carreira de um histórico scout de baseball, homem difícil, que, enquanto renega a doença que lhe ameaça roubar os últimos dias da profissão, terá de aprender a lidar com a filha que teve de criar sozinho, numa última viagem pelos caminhos da América por onde fez vida, à procura de talentos. Desde logo, o filme esbanja esse ambiente. Esse cheiro da magia do desporto, dos velhos tempos e das rotas dos olheiros. É uma homenagem reverente à tradição, um texto de apaixonado que se vê em todas as pequenas coisas, e que lhe emprega um coração grande, que distingue os melhores filmes dos outros.

Acima de tudo é, porém, uma história notável sobre o desafio da paternidade, sobre querer fazer a coisa certa mas não estar à altura, e falhar a quem nos é mais querido. Uma história sobre sarar feridas e aprender a ser família, na consolidação do laço primordial entre um pai e uma filha. Como segunda narrativa, cabe ainda um romance atraente e saudável, feito com a ligeireza de um flirt bom, que tira peso e dá cor à acção. O grande defeito do filme é que, quando se entusiasma, torna-se lírico demais, o que insufla o romance e lhe tolda, por exemplo, todo o fim. Ainda assim, isso não afecta decisivamente a tremenda qualidade do texto do estreante Randy Brown, secundada por um trabalho impecável atrás da câmara de outro rookie, Robert Lorenz, um antigo Assistente de Realização de Eastwood.

O carisma de Clint Eastwood é indissociável do filme. É um dos monstros com assinatura, e se lhe escreverem um papel, ele exponencia-o até onde isso for possível. É o que acontece aqui. O seu Gus é acido, amargo e agreste, violentamente seco e sarcástico, à semelhança de muitos outros dos seus papéis, mas a chapa é tão boa, e sai-lhe tudo tão natural, que não há nada para pôr em questão. Ao mesmo tempo, e até com o mesmo desalento e a mesma indignação, e do alto dos seus gloriosos 82 anos, Eastwood ainda consegue ser comovente, no homem incapaz de criar a sua menina, que "fez o melhor que sabia", e que preferiu afastá-la, só para que não a pudesse magoar. Se a carreira como realizador já viu melhores dias, bem-dito seja o regresso de alguém deste tamanho aos ecrãs (quatro anos depois do também excelente Gran Torino).

Amy Adams continua a acumular grandes papéis. Com 3 nomeações aos Óscares nos últimos 6 anos!, dá, em Trouble with the Curve, mais uma mostra da sua extrema versatilidade, a conjugar o jeito casual de girl next door, a energia rebelde de uma miúda que cresceu nos circuitos de baseball com o pai, e que sabe tudo sobre o jogo, e as profundas marcas deixadas pela sua infância disfuncional. Todas as contra-cenas com Eastwood têm uma pessoalidade muito grande, e sem esse excelente encaixe entre os dois o filme não poderia ter resultado. Finalmente, Timberlake empresta tudo o que se lhe pedia. É bem disposto, carismático e tem uma naturalidade com a câmara. Dá gozo e dá cor ao romance, e assenta perfeitamente no papel.

As críticas têm sido francamente más, mas isso é coisa que me ultrapassa. Trouble with the Curve não é inovador na fórmula, não é trágico, e é lírico de vez em quando, mas tem ambiente, um carisma farto, uma humanidade indiscutível, um romance saboroso, e excelentes personagens, e é, sem dúvidas, um dos grandes filmes de 2012.

8/10

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Derby. Para um barco sem rumo não há ventos favoráveis


Vitória natural da melhor equipa.

O significado do jogo deu algum alento ao Sporting, mas, ainda estava 1-0, e já se adivinhava o que vinha. Fazer do derby um pontapé na crise era contra-natura para este Sporting, e a incapacidade existencial cheirou-a rápido a máquina do Benfica. Na 2ª parte, foi físico, foi emocional e foi tudo o que a equipa de Jesus bem lhe apeteceu. Não há inevitáveis no futebol, mas às vezes há condenados.

O Sporting fez uma primeira-parte digna, com nervo para responder. Qualidade de Insúa, grande carácter de Rinaudo e Capel, e grande execução de Wolfswinkel no golo. Não tem nível mundial, já se percebeu, mas, fazendo jus à escola holandesa, é um ponta-de-lança com capacidade técnica, culto na movimentação, e a equipa não se tem podido queixar. O fado é que o Sporting está desfeito mentalmente. Os jogadores entram em campo na esperança vã que qualquer coisa lhes espante o destino, porque não acreditam que podem, não acreditam no treinador, muito menos na estrutura e, definitivamente, não acreditam que alguma coisa possa correr bem. Ironicamente, o que o 1-0 fez foi assustar a equipa, queimar-lhe nas mãos. Talvez o nulo era uma coisa que se pudesse defender; estar a ganhar, pelo contrário, era provocar a sorte e pedir-lhes demais.

Claro que não é tudo cabeça, ou não fosse o défice de qualidade tão evidente. Se, em tempos mais desafogados, o Sporting vivia da vitalidade da formação, hoje, em crise, o grupo é paradoxalmente mais caro e mais acomodado. Rojo, internacional argentino, é anedótico. Boulahrouz nunca foi bom o suficiente. Pranjic é um pré-reformado. Capel um overrated. Elias não pode ser o mais caro de sempre, e Carrillo já desistiu. Nisto, ficam a apanhar pó Carriço, Adrien ou André Martins. O Sporting tem um plantel fidalgo demais, a verdade é essa, terrivelmente mal pensado, feito de gente gasta, com tanto nome quanto qualidade duvidosa, difícil de motivar, e de quem se pode esperar pouco.

O jogo, o Benfica virou-o com facilidade, no mundo de diferença que separa as equipas individual, colectiva, táctica e emocionalmente. Ter sofrido primeiro foi só um acaso, a que a equipa, superiormente desenhada por Jesus, pôs fim mais ou menos quando entendeu. Individualmente, Cardozo vai consolidando, em especial nos jogos grandes, o estatuto de mais rentável de todos os mal-amados da história do futebol português. De facto, custa a crer a hostilidade para um jogador capaz de ser tão decisivo tantas vezes. Ola John é espectacular. E André Gomes, mesmo não sendo o puto-maravilha que pintam, tem uma disponibilidade física assustadora, que assenta como uma luva no modelo da equipa. Vai ter espaço, mas fosse mais esclarecido a dar a bola, e não havia quem lhe voltasse a roubar o lugar.

Ouvir os olés no fim do jogo deve ter moído o sportinguismo, mas não seria noite em Alvalade se Godinho Lopes não viesse tornar tudo ainda pior: o "Sinto que estamos a fazer um trabalho de grande dimensão", ainda com o cadáver do derby quente, é mais uma para a sua interminável lista de antologia. Depois da tragédia do ano passado, a 18 pontos do líder e a 2 da linha-de-água no Natal, fora da Taça e da Europa, ainda ser ele o presidente do Sporting é coisa digna do paranormal.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Brave


É o pior Pixar de sempre.

O argumento é desolador, e envergonha o nível extraterrestre em que a companhia colocou a Animação na última década. A aposta em feitiços e no animismo acéfalo torna doloroso pensar sequer no portefólio da Pixar (gente que já contou histórias impagáveis com ratos e robôs). A Ursa, que usurpa praticamente todo o filme, chega a ser intolerável. É uma ideia má à partida, e que, além disso, ainda é abusiva e mal feita. Não tem piada, não tem coração, e é um fracasso absoluto como metáfora sobre ultrapassar as diferenças. Haveriam 300 maneiras melhores para contar essa história, incluindo a convencional. Além da forma ser má, o conteúdo não é melhor. Os trechos que fazem a acção (as lendas do passado, a disputa pela mão da princesa, etc) não têm interesse, e a moral da história é de uma vulgaridade a toda a prova, no quebrar a tradição e lutar pelos sonhos e seguir o coração. É o tipo de contos 2+2 que se faziam há 15 anos atrás.

A isso não serão estranhos os responsáveis pelo projecto, Brenda Chapman e Mark Andrews, que realizaram e escreveram. Chapman estava na reserva há 13 anos!, depois de uma década de 90 mais ou menos movimentada, em que escreveu a Bela e o Monstro (1991), supervisionou o Rei Leão (1994) e se tornou na primeira mulher a dirigir um filme da Animação (Príncipe do Egipto, 1998). Se Chapman é uma veterana, Andrews é um estreante: Brave foi o seu primeiro argumento e, a par de John Carter, a sua estreia na realização. A Pixar ter achado que esta fusão estranha de opções discutíveis ia funcionar, é coisa que me ultrapassa. Certo é que o tiro no escuro foi um falhanço sonante.

É pena, por uma infinidade de razões. Desde logo, porque é desencorajador que a incomparável Pixar se chegue à frente com algo tão pobre, quando o seu último verdadeiro filme de génio já tem 3 anos, e, ainda por cima, sendo Brave a sua única não-sequela entre 2009 e 2014. Depois, tinha a novidade de estrear uma protagonista feminina, e Mérida era um boneco cheio de sumo, num ambiente tão carismático quanto possível - a Escócia mística das montanhas -, que foi recriado com boa envolvência. Por estes dias, contudo, escasseia a imaginação e sobra o comodismo, e o resultado é o que se vê. A única coisa absolutamente brilhante de Brave é a banda sonora do escocês Patrick Doyle (duplo nomeado ao Óscar), que deslumbra sempre que entra em cena, e é, com propriedade, uma das trilhas do ano.

Depois de um fim de década passada em que triturou a concorrência, e parecia já não ter limites (de 2007 a 2009, ofereceu Ratatui, WALL-E e Up), a Pixar parece, não só perdida, como em clara regressão. Oxalá a recordista de Óscares de Animação falhe as Nomeações pelo segundo ano seguido, a ver se soa o alarme. É que o filme do próximo ano não é mais do que a sequela de Monstros e Companhia...

5/10

No Caldeirão, Domingo às 4


Vou aos Barreiros desde os 8 anos. Já vi as melhores vitórias e as derrotas piores, já estive nos momentos mais contagiantes e nas depressões mais profundas, já vi jogos em todas as bancadas, já passei tardes com família, com amigos e com simples desconhecidos, já lá estive a suar em bica no pico do Verão e a apanhar as chuvadas mais dramáticas do auge do Inverno. Já vi tudo nos Barreiros.

Se aprendi alguma coisa, é que no campo só acontece uma parte do futebol. O jogo, na verdadeira acepção da palavra, é muito maior do que isso. É o gosto de chegar ao estádio. De ver as caras conhecidas, de ouvir as conversas e de partilhar o entusiasmo antes do primeiro pontapé. É ver, em todas as artérias próximas, a magia das nossas cores a convergirem para o coração do espectáculo, numa migração com que nos identificamos pela pele. É entrar e sentir-se em casa. Em cada esquina um amigo, todos tão diferentes quanto possível, a implicarem e a brigarem por ocasião, mas todos ali pelo mesmo, pelo que é muito maior do que eles. É festejar cada golo com o meu pai como se tivéssemos ganho qualquer coisa. É doer tardes e tardes até às vitórias, ou esperar e bater-lhes palmas, porque se perdemos, perdemos todos. Camus disse, uma vez, que tudo o que aprendeu sobre a moral dos homens, aprendeu-o nos campos, jogando futebol. Eu acredito que, sem a cultura de estádio, sem esse acumulado de experiência, não se pode saber verdadeiramente o que é viver o jogo.

Hoje, a ver a alegria transbordante da eterna matinée do Domingo às 4 nos Barreiros, tive a certeza que quem manda no futebol em Portugal não cresceu nem perto de um estádio. Um derby depois do almoço de Domingo, no sol frio de Inverno, com cheiro a Natal, é a razão porque, um dia, há 150 anos, houve um inglês que inventou o futebol. A família por todo o lado, os pais e os filhos, o conforto e o entusiasmo das pessoas. O espectáculo em estado puro. Jogar à 6ª, à 2ª e à noite é uma aberração própria de quem fez vida a fazer contas e a ver futebol pela televisão. Dizem que jogamos em todos os buracos de horário que nos mandam, porque precisamos do dinheiro da transmissão. Não é o produto que se adapta às pessoas, são as pessoas que se têm de adaptar ao produto, se quiserem. Não se respeita nem o jogo, nem a razão dele existir. Em vez de um mínimo de noção, há a pobreza de achar que estádios cada vez mais vazios são só um pormenor. Já no campeonato mais gloriosamente rentável do mundo, pelo contrário, é preciso um milagre para haver futebol sem a luz do dia. Tão ignorantes que eles são.

No entretanto, jogou-se o derby. Foi normal.

sábado, 8 de dezembro de 2012

End of Watch


Acção com conteúdo.

End of Watch é a história de uma dupla de polícias que se dá como dois irmãos, pouco ortodoxa mas tão activa e efectiva quanto possível, num dos bairros mais perigosos de Los Angeles. A trama é quase tão simples quanto isto, é correr com eles num meio já pernicioso por natureza, atrás do risco em cada esquina. De facto, não se investiu na elaboração da história a esse nível. O filme é, pelo contrário, muito forte a nível humano. Aliás, é pouco comum ver algo no género que valorize menos a conspiração e mais o carácter da história e dos personagens, mas é justamente isso que acontece em End of Watch. É, acima da acção e do crime, um tratado de camaradagem e de fraternidade entre irmãos de armas, um filme sobre relações, sobre família e sobre devoção à profissão, escrito sem lirismos, mas de uma forma particularmente sentida.

A química entre Gyllenhaal e Peña também é absolutamente notável. Era isso que o papel lhes exigia, mas conseguem ambos construir qualquer coisa a mais, numa fusão francamente genuína. Michael Peña cumpre bem, num registo mais sóbrio de irmão mais velho, mas é Jake Gyllenhaal quem se destaca. Há muito tempo que o californiano, ainda com 32 anos, anda a acumular performances acima da média (foi nomeado ao Óscar em 2005, por Brokeback Mountain) e, para mim, está hoje entre os 20 nomes com mais potencial do mercado. Em End of Watch dá nova prova da capacidade interpretativa, do carisma e da tremenda facilidade que tem para deixar marca nas cenas, pelo que um papel maior, ao nível do que é capaz de fazer, não deve demorar muito mais tempo a chegar. Com Up in the Air e 50/50, Anna Kendrick também tem sido das actrizes que mais apreciei nos últimos anos. É pena que, mesmo não passando despercebida, porque tem sempre um jeito especial, lhe tenham pedido um papel quase só decorativo.

David Ayer, homem que, ao longo da última década, assinou uma série impressionante de blockbusters de crime (Fast and Furious e Training Day à cabeça, mas ainda U-571, SWAT ou Street Kings), realizou e escreveu, o que não fazia há 4 e 7 anos, respectivamente. Se as suas experiências de juventude no Sul de Los Angeles, que inspiraram muitos dos seus filmes, asseguraram mais um argumento de muito bom nível, a realização tem mais que se lhe diga. Ayer filmou quase tudo de câmara na mão, com tanto ruído visual quanto possível. Se no último terço do filme isso recompensa, porque exponencia a pulsação do desfecho, no resto acaba por revelar-se uma ideia exagerada e cansativa para quem está a ver.

End of Watch não é um thriller criminal extraordinário, mas o que oferece a nível pessoal e dramático, aliado à qualidade das interpretações, coloca-o num patamar de distinção.

7.5/10

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Vercauteren


Ao fim de um mês, não dá para fazer ideia se é ou não um grande treinador. Certo só que, no Sporting, o provável é falhar, e falhar no Sporting, como as dezenas antes dele, não chegará nem para lhe beliscar a carreira. Funciona tudo tão mal à sua volta, aliás, que um sucesso que seja, deve, no mínimo, pô-lo nas bocas do mundo, com fama de milagreiro.

Há, contudo, pormenores que fazem a diferença. Ontem, a estrutura do clube fez questão de passar mais um absoluta vergonha pública, ao anunciar que, em virtude do adiamento do jogo da Liga Europa, o Sporting recusava-se a entrar em campo na Segunda, para receber o Benfica. Isto porque os regulamentos determinariam a necessidade de 72 horas de intervalo entre jogos. Regulamentos que, como é evidente, ninguém no Sporting se deu ao trabalho de ler. Ninguém coçou sequer a cabeça para se lembrar que a única vitória desde Setembro aconteceu no mês passado... meras 70 horas depois de um jogo europeu.

Como sempre, o Sporting quis ser esperto. Quis envenenar o ambiente do derby, fazendo dele ou uma vitória heróica contra tudo e contra todos, ou uma derrota inevitável, do clube perseguido pelo sistema. Como sempre, foi apanhado com as calças na mão. Em mais um episódio da tragicomédia em que o clube vive, só há uma coisa a reter: Vercauteren. O belga, com perspectivas de futuro difíceis, e que só teria a ganhar se se limitasse a proteger a pele, disse, na primeira oportunidade: "Quem é profissional tem de estar preparado para jogar dois jogos em três ou quatro dias. Não é desculpa."

Realmente ainda não dá para saber se Vercauteren é bom, mau, muito bom ou apenas razoável. Por este exemplo, no entanto, o provável é que seja melhor do que Godinho Lopes merecia.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E se o Platini dos Bosques até teve uma boa ideia desta vez?


"Está confirmado: o Campeonato da Europa de 2020 vai ser disputado em algumas das principais cidades do continente, e em vários países." 

Desde que assumiu o gabinete mais importante do futebol europeu, Platini não tem sido propriamente um Presidente ortodoxo: da reconstrução da Liga dos Campeões, para acolher gente de menor monta, à extensão do Campeonato da Europa para 24 equipas, o triplo Bola de Ouro francês tem feito por insinuar uma espécie de capa democrática. Como se fosse um Platini dos Bosques, que dá oportunidades aos mais pequenos, mais uma sempre que possível. A verdade é que o francês aprendeu rápido a ser um negociador de interesses, a dar às pessoas o que elas querem, e a ganhar com isso. Foi, desde logo, eleito com os votos dos países mais pequenos. E como manter amigos dá muito jeito, de repente a Champions e o Europeu foram esticados, e, à custa de uma diminuição evidente de competitividade, Platini pagou os seus almoços em falta.

A última ideia viveu da mesma lógica: para quê dar o Europeu a um quando se pode dar a toda a gente? (e lucrar mais e fazer ainda mais amigos?) Aprovou-se hoje: o Euro-2020 será jogado em várias cidades, ao invés de num único país. Desta vez, porém, e para variar, até pode ser bom para nós. A mobilização de um país inteiro para o torneio vai-se perder, correndo o risco de o descaracterizar, e o desgaste em viagens será bastante maior, o que, num fim de época, pode afectar ainda mais a qualidade da prova. Ao mesmo tempo, desde que seja a título excepcional, e porque são os 60 anos da UEFA, as possibilidades são generosas. Termos, por exemplo, os grupos estacionados pelos quadrantes da Europa, um Lisboa-Madrid-Paris, outro Roma-Atenas-Viena, outro Londres-Amesterdão-Berlim, ou haver, quem sabe, uma rede de transportes feita de propósito para incentivar a ida dos adeptos a todo o lado. No ideal, poderíamos ter todo um continente em espírito de festa durante um mês de Verão, e não se diz não a essa imagem.

As motivações de Platini não foram românticas, mas quem sabe o Euro-2020 escreve-se certo por linhas tortas.

Champions. Fim dos grupos


BENFICA. Desoladora a forma como o Benfica perdeu a oportunidade histórica de ganhar no Camp Nou. O Barça geriu e tirou o pé, não há que branquear isso, mas também não se pode menosprezar a qualidade que a equipa de Jesus foi capaz de pôr em campo, que não está ao alcance de qualquer um. O Benfica provou, até ao último minuto na Catalunha, que foi mesmo o único culpado por uma eliminação que não podia ter acontecido.

PORTO. Os jogos em Braga e em Paris devem ter deixado aos adeptos do Porto aquela sensação desconfortável de que, por melhor que as coisas estejam a correr, é melhor ter sempre um pé atrás. Por ingrato que isso possa ser, para a História fica que Vítor Pereira poupou na Taça para ganhar na Champions, e que, nesses 5 dias, perdeu ambos. Às vezes, parece que há quem não consiga enganar a própria sorte.

BRAGA. 5 derrotas em 6 jogos, e Peseiro resumiu a participação com um "demonstrámos que podíamos ter chegado aos oitavos-de-final da Champions." Ridículo. Mesmo no grupo estranho em que esteve, o Braga sai bem pelos fundos, e Peseiro já tem idade e carreira para saber que alta competição não é um jogo no recreio, em que perder ou ganhar é desporto.

ALEMANHA vs INGLATERRA. Notável o facto das três equipas alemães em prova terem ganho o grupo. O que diz muito da competitividade aliada ao grande aumento qualitativo que a Bundesliga está a viver. No lado oposto, a equipa mais cara do mundo despediu-se com 0 vitórias, e o Campeão Europeu em título foi o primeiro da História a não passar à fase seguinte. Também no ano passado, já duas equipas inglesas tinham ficado nos grupos, o que dá que pensar. Espanholas, claro, passaram as quatro.

AFIRMAÇÕES. A rodar a equipa nos dois últimos jogos, o Málaga ganhou o grupo a Milan e a Zenit sem derrotas. Os malaguenhos são novos-ricos mas pouco, porque desinvestiram claramente nesta época, e ainda assim o percurso foi absolutamente sensacional até ao último minuto (e com 5 golos portugueses). Num ano amargo para milionários, ainda a pisar ramos verdes, e mesmo sem ter sido a melhor equipa de um grupo que era bastante acessível, o PSG de Ancelotti foi, além da melhor defesa, quem fez mais pontos na fase de grupos. Vale o que vale, e não acho expectável que os franceses possam alimentar muitas aspirações daqui para a frente, mas ter Ancelotti continua a tornar tudo mais fácil. No segundo grupo da morte, a Juve até empatou com o pior de todos, mas, muitos anos depois da última participação, vestiu o fato de gala, e, com uma segunda volta brilhante, foi ganhar o grupo a casa do melhor adversário. Quem sabe nunca esquece.

O sorteio está marcado para o dia 20 de Dezembro, com um twist curioso: este ano, os tubarões dividiram-se irmanamente entre primeiros e segundos lugares, pelo que há que contar com jogos grandes já a partir dos oitavos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"A critical favorite, commercial blockbuster and cultural phenomenon"


Há consensos que não se afectam. A lenda Seinfeld, considerada em 2002, pela TV Guide, como o melhor programa televisivo de todos os tempos, é obviamente um deles.

A mãe das sitcoms, que se tornou num verdadeiro ícone da cultura televisiva americana na década de 90 (9 temporadas, 1990-1998), foi criada pelo próprio Jerry Seinfeld, em parceria com outro monstro, Larry David (Curb Your Enthusiasm). Seinfeld interpreta, como depois nos habituamos a ver, uma versão ficcionada de si próprio, e, basicamente, a série segue a sua vida de trintão em Nova Iorque, sempre ao lado do melhor amigo, da ex-namorada e do vizinho da frente.

O texto é absolutamente de outro mundo. Não apenas nos temas, no talento brilhante com que se lê e retrata as situações do quotidiano e na caracterização das personagens, mas muito especialmente nos pormenores. Todos os episódios são um manancial de princípio a fim, cheio de detalhes, ideias e saídas deliciosas, tão genuínas que parecem improvisadas, coisa de quem tem um brilho e uma piada verdadeira em tudo o que faz. Esse carisma é tão palpável, que contagia a série a tempo inteiro.

Se calhar agora até se estranha, porque a comédia não é "hardcore" como nos habituamos a ver nos últimos anos (Gervais, Louis C.K.). Tem, por sua vez, uma classe e uma luz próprias dos velhos tempos, que cativam absolutamente. Não tem sexo, agressão, preconceitos, acidez, mas não tem nada de banal. É uma sitcom de ideias e de humor puro, genial e actual na recriação das relações e do dia-a-dia, sempre entusiasta e nada pretensiosa, no sentido em que a ideia daquilo nunca é dar lições, mas tão simplesmente viver, e rir disso o mais possível.

Jerry Seinfeld tem um carisma imenso, que contamina a série de forma indissociável. É o pivot de tudo, sem forçar, sem conter o riso uma e outra vez, chegando-lhe ser um natural. Julia Louis-Dreyfus (Elaine) é a melhor lead comédia que já vi. Beneficiando também do relaxamento da série, é um mimo vê-la com ar de miúda, ora entusiástica e acelerada, ora de ar gozão na cara, com um certo swag, mesmo nos roupões dos 90s. Jason Alexander é o melhor texto e a melhor interpretação. O seu George Costanza, o melhor amigo de Seinfeld, é brilhante na psicose atómica, sempre desesperado a correr atrás de qualquer coisa, fatalista e a dar cabeçadas. Finalmente Michael Richards, o grande Kramer, é o bom gigante, alheado e non sense, feito de ideias mirabolantes e de pouco tacto.

A realização é feliz na conjugação da acção e do stand-up real de Seinfeld, e extremamente homogénea a ligar os temas, fazendo com que toda a composição brote naturalmente. É, sem dúvida, outra das razões do sucesso.

Seinfeld é tão maduro, carismático e saudável que devia andar há um quarto de século num loop de serviço público pelas televisões desse mundo fora.

Boardwalk Empire, season 3


A melhor forma de a resumir é dizer que teve grandes momentos, foi muito bem feita numa série de segmentos mais ou menos individuais da história, mas que, no fim de contas, não foi capaz de contar com uma "ideia maior" para se colmatar. O desenlace em que a temporada desagua, o ponto em que fica, é, simplesmente, uma repetição da história que já tínhamos visto. A forma foi diferente, com mais violência, mais quantidade e mais espectáculo, mas, no fim de contas, a série não andou para a frente em novidade, fazendo, na verdade, uma circum-navegação até voltar ao ponto em que estava.

O ponto em que estava era o fim esmagador da season 2, corolário daquela que foi, para mim, a melhor série do ano passado. Esta terceira temporada fez por ser mais pessoal, sobretudo na figura e nas relações de Nucky, mas estendendo esse tom à história de quase todas as personagens. A sua primeira parte, do Nucky solitário, distante, à procura de si mesmo, rende episódios muito bons. Os seus fantasmas, a sua permanente necessidade de fugir, de não tornar nada demasiado pessoal, é muito bem plasmada na relação com a mulher, com o irmão e com o número 2 (o episódio fechados na cave é o melhor da temporada), e no impacto disso para a sua vida no limite. Nessa fase, também a corte entre ele e o novo arqui-inimigo é de grande nível, e promete muito.

O que seria necessariamente de esperar é que houvesse alguma carta na manga para iludir a temporada, e essa nunca chega, deixando-a correr como um rio para o fim mais do que esperado. Boardwalk sempre se distinguiu pelo veneno elegante da acção, e investir tudo em espectáculo sem um fim que lhe valha acaba por deixar um gosto a desilusão. Dois outros problemas devem ser salientados: a trama política foi mal conseguida, pouca densa e com maus elementos; e, depois, foi excessiva a falta de coesão das personagens, já que há muita gente incompreensivelmente desaproveitada (Chalky, Al Capone), e outros com histórias-ilha, isoladas de todo o resto do quadro (Van Halden, Harrow, Luciano).

Buscemi nunca é um a menos, mas, depois da potência do último ano, acaba por nunca transcender o registo cansado que acompanha a personagem. Fica a sensação de que podia ter feito mais. Já Bobby Cannavale incendeia a temporada de princípio a fim, com um daqueles personagens escritos para ganharem prémios. O seu Gyp Rosetti é um poço de força delirante e imparável, sempre no limite entre o seu charme e a sua total intratabilidade, de brilho louco nos olhos, sempre capaz de tudo. Faz de todos os episódios uma história, rouba quase todas as cenas e dá sempre espectáculo. É um incontornável que terá de estar presente na época das galas. Numa storyline desapegada de tudo o resto, Richard Harrow (Jack Huston) acumula momentos brilhantes, na sua caminhada enternecedora de militar desfigurado a sonhar com uma vida, ou pelo menos a lutar por ela. Eli Thompson (Shea Whigham), o irmão pródigo de Nucky, também acaba por ser uma excelente "readição", oferecendo muito mais carisma do que até aqui.

A terceira temporada de Boardwalk Empire é como um puzzle cheio de potencial, que mostrou manchas muito atraentes à medida que foi sendo construído, mas que uniu mal algumas peças, e resultou num quadro final sem magia, ou já não o tivéssemos visto.

Candidatos. Um terço de Liga


8 vitórias e 2 empates, ambos a melhor defesa, praticamente ambos o melhor ataque (ganha o Porto 26-25), 9 pontos de avanço para o terceiro. O Braga e o último dia do mercado eram os factores que poderiam perverter a esperada Liga a dois, mas não foram que chegue.

A segunda versão do Porto de Vítor Pereira tem deslumbrado, e meteu o esboço a um canto. Não fosse a gestão infeliz que contribuiu para a eliminação na Taça, a folha com requintes de realeza estaria imaculada, destacando-se, obviamente, a campanha digna de grande europeu na Champions, que se espera possa ser selada com a vitória no grupo em Paris. Escassos meses depois, não há quem fale de Hulk e, pelo peso que o Incrível tinha, isso é uma monstruosidade. Mais ou menos como a época que James, o MVP da Liga, está a fazer, ele que quase bebeu sozinho o vazio do antigo companheiro. Na cabeça do ataque, Jackson veio, com capa de super-herói, preencher as carências traumáticas do ano passado, logo com sotaque colombiano para lembrar os bons tempos. Moutinho e Varela voltaram à boa forma, Helton e Lucho tornam tudo fácil, e tem crescido muita gente, Otamendi, Danilo e Alex Sandro em especial. De repente, tudo parece bem, até o discurso e a postura do treinador, e tal como era ele o problema no ano passado, não há como negar hoje o valor do trabalho de Vítor Pereira.

Tal como a Jesus. Os últimos dois anos foram violentos a nível interno, e as derrotas feias para o grande rival, sobretudo a catástrofe do ano passado, com um Porto que só gatinhava, pareceram, no Verão, empurrá-lo para a porta de saída. O Benfica, porém, pesou os prós e os contras e, lembrando os traumas do pré-Jesus, e dando o justo valor ao que se fez, resolveu manter no cargo um homem que, para os cofres do clube, tem sido um Midas: Di María, David Luiz, Coentrão, Javi, Witsel, todos evoluções de autor, com um recibo de 150 milhões de lucro, coisa que só era costume ver-se lá mais para Norte. Mais um título e duas grandes campanhas europeias. O Porto continua a ser favorito, mas na prática o Benfica tem respondido com toda a propriedade. Aliás, é impossível não fazer uma vénia ao trabalho de Jesus nestes 3 meses de época, depois do fecho de mercado ter-lhe deixado uma bomba no colo. A provável eliminação da Champions foi uma derrota pessoal sua (a obsessão por desequilibrar ofensivamente a equipa foi a morte em Moscovo), mas as competições europeias estão asseguradas, a Liga vai tão bem como possível, e, num Benfica que se descaracterizou muito individualmente, Ola John e o tão malfadado Melgarejo são pérolas cada vez mais límpidas, a que se juntam a fiabilidade de Artur, Garay e Cardozo, e a extrema mais-valia de Lima. Para como poderia ter corrido, o trabalho de Jesus foi notável.

Finalmente Peseiro. Depois do que o Braga já jogou este ano, o desfecho actual é quase brutal. Entrar na Champions, correr com os de cima quase a tempo inteiro, inundar de futebol o Teatro dos Sonhos, quase poder tocar em tudo, e depois perder quase tudo. É ingrato, mas a sorte e o azar no futebol são só um pormenor, e, independentemente de todos os méritos que tem, toda a carreira de Peseiro foi assim. Ter entrado na Champions é uma vitória que lhe deve ser reconhecida. No entanto, perder os jogos grandes no campeonato, perder duas vezes com o United depois de estar a ganhar, e, sobretudo, perder duas vezes para um Cluj que é pior do que o Braga, cujos jogadores dificilmente jogariam no Braga, e, ainda por cima, ficar fora da Europa num grupo simpático, é tudo tão grave quanto palpável. O projecto Braga fez-se dos jogos que não eram supostos ganhar; já não há volta, e não se pode, sejam quais forem as minudências do jogo, falhar naqueles em que, agora, se exige melhor. A equipa continua a ser favorita ao 3º lugar, e tem as Taças, nomeadamente a excelente posição na prova-raínha, às quais se agarrará com tudo, até porque o primeiro troféu da era Salvador teria um peso muito especial. A verdade é que, daqui para a frente, fica a sensação de que o Braga já só tem a perder, e de que já só pode minimizar os danos. Peseiro terá de correr pela vida até final do ano, e isso não é confortável para ninguém, muito menos para ele.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Nunca duvidarás do Walking Dead em vão (temporada 3, midseason)


Não se poder fazer melhor, não é o mesmo que não se poder fazer tão extraordinariamente bem como sempre.

Não era possível fazer melhor do que o midseason do ano passado, mas, e já com mais uns quantos episódios estratosféricos no bolso da temporada 3, voltámos a ser brindados com um intervalo de antologia. 

Executado com perfeição, tornou um cenário de acção gratuita, numa corrida inteligente, bem medida e de tensão impossível, com picos de thrill animais, e exponenciando, no fim de contas, a humanidade e o realismo negro e cru que faz da série uma obra-prima do nosso tempo. Do génio doentio de cada pormenor da sequência em casa do Governador, aos gritos que vinham de dentro da prisão, e a essa storyline (o miúdo Chandler Riggs, 13 anos, passou de erro de cast a jóia da coroa), e, como não podia deixar de ser, a mais um fim majestoso, atordoante e perverso, capaz de, sem sequer precipitar a acção, violentar-nos com o autêntico terramoto primitivo que oferece.

O facto de Walking Dead andar arredado dos grandes prémios, até de nomeações (a única excepção foi a indicação da season 1 para Melhor Série, nos Globos 2011), é uma coisa encarada com naturalidade no meio, como se a forma, o género ou o público-alvo a condenassem para a vida a um qualquer lugar de menoridade. Como um bom espectáculo plebeu que nunca será levado mesmo a sério, porque não tem sangue azul. Não sei se mais esta meia temporada a envergonhar esse pseudo-intelectualismo preconceituoso e míope vai ou não valer o reconhecimento devido; a boa notícia é que, mesmo que não valha, uma coisa é certa: não há forma de a fazer pior.