quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Desertor, de Daniel Silva


Quem gosta de thrillers não pode deixar de gostar deste.

O autor é Daniel Silva, um americano com a curiosa particularidade de ser filho de pais açorianos. Começou a carreira como jornalista da United Press, e, no fim dos anos 80, fixou-se no Cairo, como correspondente da agência no Médio Oriente. Voltaria depois para Washington, onde foi produtor-executivo da CNN até 1997, altura em que, devido ao sucesso do seu primeiro livro, passou a ser escritor a tempo inteiro.

Em 2000, já com 3 livros escritos, criou aquela que se tornaria na sua maior marca: a saga de Gabriel Allon, um restaurador de quadros israelita que, no seguimento dos atentados aos atletas judeus nos Jogos Olímpicos de 1972, é treinado pela Mossad para ser espião e executor, e levar a cabo a mítica operação Ira de Deus, destinada a matar todos os responsáveis. Desde aí Allon torna-se numa verdadeira lenda da Mossad, um espião e assassino de elite, o homem encarregue de perseguir e matar todos os grandes inimigos do Estado de Israel.

Desde 2000 Silva editou 11 livros, literalmente um por ano, todos na lista de mais vendidos do New York Times: os últimos 4 chegaram mesmo ao mítico #1 da lista, dado mais do que identificativo do seu sucesso.

O Desertor (2009) é o número 9 da série. Dá seguimento a As Regras de Moscovo (2008) - o seu primeiro número 1 do Times - , com Allon e a sua equipa a terem desta vez motivações pessoais para levar a cabo a sua missão.

Mesmo com a saga avançada, é um thriller de indiscutível qualidade, que vale por si só. É intenso, com uma cadência fortíssima e o mérito de ser muito bem gerido: mais descritivo em dadas alturas, prolongando os momentos de tensão, alguns dos quais magistrais, mais objectivo noutras, cortando momentos óbvios, ora do ângulo da acção ora numa espécie de flashbacks. As sucessivas referências a momentos passados dão-lhe coesão e identificam-nos com o grande protagonista que é Gabriel Allon, líder carismático e assassino assombrado.

O que me impressionou mais foram as personagens. Daniel Silva é um absoluto mestre da caracterização, e todas as suas personagens são absolutamente cativantes. Têm passado, profundidade, relações e histórias comuns. Mesmo para quem nunca leu nenhum dos outros livros, projectam uma coisa apaixonante: cumplicidade, o que torna a sua interacção deliciosa. Comparativamente a Dan Brown, com quem tenho mais familiaridade no género, Silva é francamente superior neste aspecto: a riqueza das personagens e a profundidade da história.

Brown, pelo contrário, é mais forte na contextualização. Os seus livros, com mais ou menos erros, são pequenos tratados de história e religião, com uma oferta de informação farta; Silva, que cresceu cristão mas converteu-se ao judaísmo, investe mais numa escrita jornalística sobre política e ordem internacional (neste caso, o pano de fundo era a densidade da Rússia do século XX), fixando-se em temáticas judaicas: o holocausto, o anti-semitismo, a agressividade islâmica, etc, sempre do ângulo da história de vida do seu protagonista.

Apesar de partilharem o mesmo ritmo de escrita, Brown, no auge pelo menos, era mais surpreendente e desconcertante. O Desertor, apesar de rico em quase tudo e do clímax magnífico, tem uma ponta final previsível, e esse é o seu ponto fraco.

Não desfazendo, é uma obra com um potencial cinematográfico imenso, e os direitos já foram comprados pela Universal. Paul Haggis (Million Dollar Baby, Crash, Casino Royale!) é o homem de quem se fala para fazer a primeira adaptação (argumento e eventualmente realização). Cá esperamos, contando voltar a Daniel Silva em breve.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

"But there was one man who taught us to fight,


" ... to storm the wire of the camps, to smash those metal motherfuckers into junk. He turned it around. He brought us back from the brink. His name is Connor. John Connor."

Kyle Reese (Michael Biehn), The Terminator (1984)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Blue Valentine


Merecia a nomeação para Melhor Filme nos últimos Óscares.

Blue Valentine é uma belíssima história de amor, contada com um realismo cru e impressionante. Não é banal e não tem pudor em retratar desgaste e desencanto, o que só aprimora a pureza do romance em si. O filme entrecorta o presente com o início da relação (com flashbacks e forwards), e é impossível não nos rendermos à mestria do argumento e das interpretações. Apreendemos a frescura e a doçura dos primeiros tempos tanto quanto sentimos depois a violência da realidade em que essas já não estão, numa obra triste mas de beleza intrínseca.

O filme fala de ambição e de evolução, do que nos faz felizes e do que chega para um mas pode não chegar para outro. Mostra paixão tal como as pequenas coisas que, a pouco e pouco, os separaram, qual mão invisível que nenhum dos dois poderia verdadeiramente deter.

Derek Cianfrance realizou e co-escreveu. A realização denota sensibilidade, mas é ofuscada por um argumento magistral a nível de diálogos e da caracterização da relação e das personagens. O filme é o retrato de sentimentos e da passagem do tempo, implicando mais maturidade do que criatividade, e é tanto mais difícil de escrever por causa disso. É um argumento sobre pessoas, e a materialização, do encanto à amargura, tanto em Ryan Gosling como em Michelle Williams, roça a perfeição.

Os dois são, claro, determinantes para o produto final. Só Michelle chegou aos Óscares, mas era justo que lá tivessem estado os dois. Pessoalmente até acho que o desempenho de Gosling foi superior: a tristeza que projecta é impagável e a sua impotência perante o descalabro da relação é devastadora; o descalabro para o qual ele, em consciência, nunca contribuiu directamente, pelo que não o poderia aceitar, como lembra quando diz que nunca a traiu, nunca a tratou mal, nunca foi mau pai. O papel de Michelle é diferente. É mais de desencanto, de fuga, na celebração da premissa que o filme lança a dada altura e que, no fundo, o define: que só os homens amam verdadeiramente. E que, de alguma maneira, precisam de menos para serem felizes.

Blue Valentine é um filme lindíssimo. Com tanto de delicado como de violento, tanto de encanto como de tristeza. Um pleno romance.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quem ganha merece sempre


Campanha bestial dos miúdos.

Não haveria, com certeza, uma mão cheia de pessoas que apostasse neles, há um mês, e no entanto lá estão, com uma naturalidade quase perturbadora: pelo caminho a Argentina, super-favorita, e a França, besta negra, mais uns pornográficos 570 minutos sem sofrer golos, recorde absoluto da história da competição e, provavelmente, de tudo o que a FIFA alguma vez organizou.

O estapafúrdio sucesso que alcançaram não tem sido, contudo, de elogio unânime. O defensivismo acérrimo e o futebol de risco nulo têm recolhido críticas, que, não sendo agradáveis, são justas: é difícil gostar de ver a equipa jogar. O seu jogo faz-se de um festival de bolas longas da defesa para o ataque, ocasionalmente de progressão pelas laterais, ponteado de vez em quando pelo talento de Caetano. A regra é nunca arriscar, e não há três passes seguidos nem construção no meio-campo criativo. Ilídio Vale não seria o treinador recomendado para qualquer um que goste de apreciar um jogo de futebol e isso não é um pormenor.

Ainda assim, há uma coisa que, para mim, será sempre sagrada: os resultados. No futebol não existe sorte e Vale pegou numa equipa sem estrelas, diagnosticada com um potencial próximo de zero, e pô-la na final da competição mais importante do futebol jovem mundial, sem sofrer um único golo. O torneio que faz lendas, que qualquer jovem só pode jogar uma vez na vida e que, em caso de sucesso, marcará a sua carreira até ao absoluto último dia. O torneio que para nós, ainda por cima, se reveste de proporções quase cabalísticas, não tivesse sido, há 20 anos, o berço da melhor geração da história do nosso futebol.

Então como agora, um Portugal-Brasil na final, qual ironia do destino. Talvez não tenha o rasgo desses dias, mas esta é uma selecção recheada de outras qualidades: disciplina, solidariedade, maturidade, coragem e uma imensa capacidade de superação. Não há vencedores iméritos. E, espectacularmente ou não, já se sente o gosto do tri. Quem diria.

sábado, 6 de agosto de 2011

The horror


"I've seen horrors... horrors that you've seen. But you have no right to call me a murderer. You have a right to kill me. You have a right to do that... but you have no right to judge me. It's impossible for words to describe what is necessary to those who do not know what horror means. (...) You have to have men who are moral... and at the same time who are able to utilize their primordial instincts to kill without feeling... without passion... without judgment... without judgment! Because it's judgment that defeats us."

Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando), Apocalypse Now (1979)

Genial.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Miscelânea cinéfila de verão


Due Date. Dois senhores do género não poderiam fazer uma má comédia. Primeira-parte sensacional e superior à segunda, mas balanço claramente positivo. 7/10

The Damn United. A biopic do lendário e irascível Brian Clough, um dos dois únicos treinadores ingleses a vencer por mais do que uma vez a Liga dos Campeões. Foca-se num período de 44 dias ainda no seu início de carreira, em que orientou, sem sucesso, o gigante Leeds United. Interessante, com ângulo e uma bela performance de Michael Sheen no papel, bem secundado por Timothy Spall. 7/10

Harry Potter and the Deathly Hallows: Part II. Não é o melhor dos oito como se fazia crer, mas é um filme muito bem feito em muitos momentos, capaz de ilustrar com nota positiva a segunda parte de um livro muito difícil de filmar. Foi também o melhor desempenho de Radcliffe. A partir da "ressurreição" o filme começa a decrescer, com o capítulo final a ser um falhanço grotesco, tão mau como no próprio livro. Apesar de tudo, David Yates merece o reconhecimento, porque levou a saga ao nível seguinte: os seus quatros filmes foram os quatro melhores. No topo, está Half-Blood Prince. 7/10

X-Men: First Class. Sou fã da BD, gostei do que já foi feito e a prequela não desiludiu. Exagera várias vezes com efeitos especiais mal feitos e desnecessários, e tem um argumento só suficiente, mas alimenta a mística da saga e, como se esperava, é alicerçada em grandes prestações individuais: o genial Michael Fassbender à cabeça, mas também James McAvoy e Jennifer Lawrence. 7/10

Limitless. A maior surpresa da semana. A sinopse era basicamente a de um escritor falhado que de repente ganhava poderes especiais, o que é frouxo, mas o filme é muito mais do que isso. O argumento é das maiores lufadas de ar fresco que apanhei nos últimos tempos, eminentemente criativo, e o final ainda por cima não tem nada de banal, o que é cada vez mais raro por estes dias. É interessante de ponta a ponta, e conta com um Bradley Cooper suficiente para manter o nível. 8/10

segunda-feira, 1 de agosto de 2011