terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ele também não sabia o que traria o amanhã

Não sou ninguém para falar de Pessoa. Dele só li excertos d'A Mensagem, excertos dos Heterónimos, e uma lista grande de pensamentos soltos, quase tudo por alturas do Secundário, em que a praxe era ter ódio aos autores que nos mandavam estudar. A maioria punha-se a jeito, digo eu. Camões, por exemplo. Mas nunca Pessoa. E claro que Os Lusíadas é que passaram à História, que o Eça é que saíu com Os Maias, e que Saramago, que muito respeito, é que foi Nobel. Mas Pessoa, percebia-se em quase tudo, era o outro campeonato. Pessoa era o maior de todos.

75 anos depois da sua morte, podia citá-lo com uma quase infinidade de linhas majestosas, da maneira como o mestre via a vida. Fá-lo-ei, contudo, com uma tirada à Lusíadas, que foi também o primeiro grande poema com que ele me esmagou.

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Nunca tinha visto nada assim.

Nunca, em tantos anos de futebol.

O Real chegou à Catalunha num altar, com Messi ofuscado por Ronaldo, e com o mundo aos pés de Mourinho. Nunca o Madrid teria entrado tão favorito no Camp Nou, e tenho para mim que até os melhores barcelonistas sentiam o arrepio pelo monstro.

O que se viu foi, no entanto, avassalador. Os extraordinários 5-0 claro, mas sobretudo a violência da superioridade do Barça em todos os segundos do jogo. Não existiram 5 minutos do Real, sequer. Só um banho de proporções apocalípticas, com 80% ou mais de posse de bola, uma pressão assassina, bolas atrás de bolas de golo, e um toque e uma gestão tão insinuantes, tão fáceis, tão debochantes, que fizeram o Real parecer a equipa mais vulgar do universo. Foi a maior humilhação da vida futebolística de quase todos aqueles jogadores, e de Mourinho, acima de todos.

Claro que hoje não se perdeu um campeonato, e que o Madrid continua a ter oportunidades mais do que palpáveis de chegar ao título. Tal como não morreu o projecto-Mourinho, e tal como este Real ainda vai a tempo de fazer muitas coisas grandes. Destes 90 minutos ficou, contudo, uma demonstração de força que, pelo simbolismo e pelo contexto, não tem precedentes. E a certeza absoluta de que o Barça ainda é a melhor equipa do Mundo.

domingo, 28 de novembro de 2010

Oportunidades perdidas


Foi uma desilusão. Realizado por quem já fez coisas como Se7en, Fight Club e Benjamin Button, escrito pelo reputado Aaron Sorkin (Os Homens do Presidente), e centrado num tema tão extraordinariamente sumarento, era preciso ter feito muito mais. A sensação que fica é que, se calhar, ainda era cedo para fazer qualquer coisa sobre o Facebook. Com os 500 milhões de utilizadores e Mark Zuckerberg como o bilionário mais novo de sempre, The Social Network acaba por só acompanhar o hype que vive agora a rede, e não traz nada de novo.

Numa palavra, o filme é superficial. Quanto mais exposta é uma estória, mais difícil tende a ser levá-la para o cinema, e aqui o falhanço foi evidente. O filme até arrisca alguma coisa, e imprime, desde o início, uma narrativa um tanto ou quanto dinâmica, que conta, simultaneamente, 3 momentos da vida de Zuckerberg: o cerne é o processo de nascimento do Facebook, e isso vai sendo intercalado com os diferendos judiciais que o protagonista manteve depois, com outros que foram parte integrante nesse processo. O resultado é, contudo, uma grande ligeireza de abordagem, com uma importância imponderada desses "inimigos" que anuncia a tagline, e uma tremenda ausência de criatividade, de surpresa ou até de interesse. Até a nuance romântica, desconsiderada quase todo o tempo, acaba a ser martelada no fim, num cliché doloroso.

A única mais valia do filme é o enquadramento do protagonista. Zuckerberg é mostrado como um "deus", um génio arrogante, mas profundamente corroído por egoísmos e por frustrações pessoais. Jesse Eisenberg era outro dos pontos de interesse do filme, e a sua interpretação pareceu limitada durante boa parte do tempo, mas cresceu no decorrer da acção, e materializou esse desenho que era bom de raiz. No resto, é quase um deserto. As personagens de Armie Hammer são caricaturadas, Andrew Garfield é fraco, e não deram importância suficiente a Rooney Mara. Até Timberlake, que costuma sair-se bem nestas coisas, passou ao lado desta vez.

Até valeu a intenção de não querer tornar a estória num conto de fadas, e de contornar a secura duma biografia com narrativas paralelas. Mas foram boas ideias que se esfumaram numa declarada falta de conteúdo e de criatividade, evidenciadas por um argumento fraco. Infelizmente pareceu só uma encomenda, para fazer render a moda.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

And it has begun


Acho sobretudo que David Yates tem feito um trabalho bastante bom. É facto que acompanha a lógica dos livros, mas ver um Harry Potter é hoje uma verdadeira experiência cinematográfica, depois de filmes infantilizados, que não se levavam muito a sério. 3 filmes depois, o britânico tem na mão uma franchise perfeitamente madura, que vale o bilhete. A negritude é o que salta à vista e, depois duma boa Ordem da Fénix e dum ainda melhor Príncipe Meio-Sangue (para mim, o melhor HP até agora), Yates teve o mérito de segurar muito bem os cavalos, num filme limitado, à partida, por não ser um fim em si mesmo.

Individualmente, Daniel Radcliffe teve todo o espaço para brilhar, num filme desenhado para ele, mas a verdade é que esteve muito bem. Foi a sua melhor prestação de sempre, e funcionou como derradeira afirmação, ao descolá-lo da inócua cara-paixoneta das adolescentes. Foi uma excelente surpresa, e abre bem melhores avenidas para o que lhe é exigido no último filme. Emma Watson mantém um registo interessante, e Bonham Carter é tão boa como sempre. Num filme que foi muito focado nos protagonistas, nota ainda para o grande Bill Nighty, senhor da frase mais retumbante do trailer, e que ainda que pouco presente, leva para outro nível o papel um tanto ou quanto banal que lhe foi reservado.

A banda sonora é óptima como sempre, mas desta vez salta mais à vista a fotografia, francamente bonita. E se a cena de Dumbledore na caverna (Príncipe Meio-Sangue) é a melhor de sempre dum HP, a da morte de Dobby entra no top dos momentos emocionais mais fortes, e é o ponto alto desta Parte I.

No mais, sentiu-se muito o medo, a vertigem, a caça e a fuga, e o filme nunca quis ser positivo ou condescendente. Este definiu-se como uma fatia enegrecida de Talismãs da Morte bastante bem conseguida, antes do twist-final-feliz que o 8º filme está forçado a assumir. No próximo Verão, o desafio que se coloca à realização é justamente ser capaz de contornar o óbvio, e engrandecer uma última linha de acção que, na minha opinião, já não é o ponto alto da estória.

É fácil fazer um final feliz, mas é redutor pensar na Parte II de Talismãs da Morte como tal. A saga só poderá fechar em grande com uma gestão muito boa do peso emocional do fim do livro, e acima de tudo, com sensibilidade para trabalhá-lo de forma ambígua, e evitar que ele se torne num linear conto de fadas. É preciso não só o sofrimento do caminho, mas sobretudo um final ferido, custoso e amargo. Essa é a essência, e é também a única grande leitura que se pode fazer de Talismãs da Morte Parte II, que é, em perspectiva, um desafio gigante para o realizador. Só assim teremos o verdadeiro "acontecimento cinematográfico duma geração".

Mobile Press (?)

Apercebi-me hoje de que "leio" o Público todos os dias no telemóvel. Talvez o jornalismo deixe de ser uma crise bem mais cedo do que se pensa.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

É bom estar de volta

Poucas vezes me senti tão envergonhado com a Selecção Nacional do meu país como no dia 29 de Junho de 2010. Em pleno Mundial, contra o nosso rival eterno, depois da década mais gloriosa da História do nosso futebol, fomos eliminados porque morremos de medo, o medo bafiento de décadas a fio, que alimentou durante todos esses anos a nossa pequenez internacional, o nosso “eliminados de cabeça erguida”. Depois de 10 anos inesquecíveis, da impensável remontada contra a Inglaterra em 2000 ao golo de Nuno Gomes aos hermanos em 2004, dos penalties sem luvas de Ricardo, à Batalha de Nuremberga e aos 7 à Rússia, perdemos na África do Sul sem um mínimo de respeito para com tudo o que conseguimos. Não foi por São Casillas, pelo tiki-taka ou pelo Villa Maravilla, foi pelo mais puro medo. Antes perder uma final todos os dias para os gregos a acreditarmos que vamos conseguir, do que perder uns oitavos-de-final para o futuro campeão do Mundo, porque estamos simplesmente mortos de medo para tentar.

Os 4-0 de 4ª talvez nem contem para nada. Não dão pontos, não dão títulos, talvez não acontecessem se dessem, e talvez nem os ganhássemos se isto fosse o Mundial outra vez. Mas olhamos para a Selecção, e transbordamos orgulho. Eles até podem gozar dos nossos olés, que era coisa de deslumbrados por terem feito aquilo aos imponentes campeões do Mundo, ou dizerem que os amigáveis são de concentração difícil, mas em campo não esteve menos do que o 11 campeão do Mundo, e toda a gente viu Busquets a bater, Casillas a desesperar e Del Bosque a agonizar silenciosamente. Não dá pontos, não dá títulos, mas isto era um Portugal-Espanha. E num Portugal-Espanha ninguém brinca, ninguém não quer saber, e ninguém convive bem com um 4-0. Eles vão-se lembrar tanto dele como nós.

Fosse há uns meses, e tínhamos estarrecido outra vez. E tínhamos jogado com 6 médios, e Pepe a trinco, e laterais dentro da área, com o fantasma de Ronaldo e sem ponta-de-lança. E teríamos perdido, claro, por 1 ou 2, coisa normal perante o Campeão do Mundo. Na 4ª não entrámos em campo para ter sorte, entrámos para ganhar. Não foi só atitude, porque ninguém humilha assim a Espanha e tem tamanho caudal de jogo sem trabalho táctico, e ainda mais mérito do seleccionador por isso, mas foi sobretudo atitude. Confiança em nós próprios, no nosso jogo, no nosso contra-ataque, no nosso extraordinário talento individual, consciência de que era preciso anular a Espanha, sim, mas sempre pela força e pela qualidade do nosso próprio futebol. E essa mentalidade ressaltava mesmo que tivesse sido só 1, e estará com esta Selecção até à Polónia e à Ucrânia em 2012.

Escrevi, depois da nossa eliminação na África do Sul, que depois de 10 anos a nos tornarmos grandes, se voltássemos a perder a mentalidade, perdíamos tudo. É bom saber que ainda fomos a tempo, que recuperámos a nossa dignidade e que voltámos a fazer coisas deste nível. É bom saber que estamos de volta.

E depois não cito mais batidas no ceguinho

"rui santos termina a sua 'opinião', hoje no 'record' com o seguinte desabafo:

'A Seleção Nacional, com uma bela exibição, banalizou os campeões do Mundo. Quando os jogadores querem, até o treinador é "bestial'.

repeito a sua opinião mas eu remataria a avaliação que fez à selecção nacional, de uma outra maneira, mais consentânea com a realidade dos factos, recentes e menos recentes: 'quando o treinador não é uma 'besta', até os jogadores querem'."




"Será possível ao Carlos Queiroz não se sentir um imbecil quando vê a selecção jogar?"

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Claramente, este tipo não tem lugar na Roja, tirem daí a ideia


"Que se lixe a goleada. 1-0 com um golo destes era o bastante."

Sena Martins, no Arrastão

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ah porque o Facebook até está a fazer isto com os bonecos

Claro que os Power Rangers foram os meus primeiros. Idolatrei durante anos o robô que tive no quarto, composto pelos animais mecânicos que cada um deles andava a guiar. O ranger branco foi o meu primeiro boneco de sempre. E lembram-se dos Motoratos? Lá está. Tive um sacana dum motorato que se dava corda e ele disparava, antes de ter falecido num balde com água. O Oliver veio mais tarde, com o Benji e os magos da bola, bem mais tarde do que o Dartacão, esse lendário que corria grandes perigos, e cuja música ainda me faz entrar num estado autómato de euforia. Ainda mais tarde foram os Pokémons, nos quatro cantos da Terra, e eu tinha a disquete amarela, só para que conste. O Recreio foi depois disso tudo, nas minhas manhãs transtornadas antes de ir para a catequese, na mesma altura que andei perto das Tartarugas Ninja, anos e anos depois de ter tido uma festa temática sobre elas, não devia ter mais do que 4 ou 5 primaveras. Cheguei a ver a Carrinha Mágica, e vi muito Inspector Gadjet, la-la-la-la-lá-la. Ah e revi vezes sem conta uma coisa que, descobri hoje, chama-se Pinky e o Cérebro. Muito bom material, devo dizer.

Todas tiveram o seu papel, facto, mas este não é mais do que um post manhoso sobre elas, só para falar, na verdade, do que nenhuma foi capaz de fazer por si só: marcar, indelével e incomparavelmente, toda uma geração: a dos doirados anos 90 (doirados com i tem outro nível). Esse abismo existencial carrega-o uma e só uma, mítica e inimitável. Quem não se arrepia com esta música, não é filho de boa gente.

domingo, 14 de novembro de 2010

Há sempre alguém que diz não

"Mas, apesar do insistente aranzel intriguista para virar uns contra os outros, nesta fase negra da vida colectiva, a canga será derrotada. A Madeira teve um 'antes'. Quem sabe se em breve não raiará um 'depois', cheio de esplendor"


sobre a utilização do CS Marítimo como arma de arremesso do Governo Regional contra o DN Madeira, um texto notável de Luís Calisto, para todos quantos quiserem perceber a realidade contra a qual se luta todos os dias

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

E depois dos 5-0?

Jorge Jesus foi nada menos do que crucificado depois da derrota no Dragão. David Luiz a lateral, Saviola no banco, 5 médios, de repente Coentrão não era bom o suficiente para marcar Hulk, e Gaitán ou Peixoto nem a brincar. A primeira sensação quando se viu o onze do Benfica que subiu ao Dragão foi de facto só uma: medo. Ao invés do perfumado 4-4-2 losango, uma espécie de 4-5-1, com 3 centrais em campo. Era difícil o instinto da primeira impressão ser melhor. Ninguém gosta do receio, ninguém gosta das dúvidas, sobretudo nos grandes jogos.

Insistiu-se muito que, considerações tácticas à parte, Jesus falhou acima de tudo porque mandou a mensagem errada à equipa: que o Benfica normal não tinha argumentos para ganhar ao Porto. Restava, portanto, subjugar-se e rezar para ter sorte, o que feriria de morte fosse qual fosse a estratégia adoptada.

É retórico dizer que se Jesus tem ido ganhar ao Dragão com as trancas à porta, tinha passado a semana a ser o mestre da táctica. Quem o criticou acha que, mesmo que tivesse dado certo, Jesus estaria sempre mais próximo de perder, da maneira como entrou em campo. Eu acho precisamente o contrário. Reconhecer o extraordinário momento do Porto por oposição a um Benfica tão oscilante, ter em conta a confiança dum jogos daqueles no Dragão, e tentar pensar uma estratégia de condicionamento do jogo adversário só revela uma coisa: inteligência.

Claro que é mais bonito pensar que mesmo em losango e com o futebol-carrossel era possível anular o Porto, que o Benfica tinha de estar seguro de si, que tem um título a prová-lo, mas Jesus foi lúcido e pragmático. E a pensar o jogo estaria sempre mais próximo de ganhá-lo, não o contrário.

Durante a semana os jornais multiplicaram-se em listas de objectivos que Jesus não pode de maneira alguma falhar, se quiser continuar a ser treinador do Benfica. Diz-se que está a ser contestado, e um campeonato resolvido à 10ª jornada custa muito a engolir. Para o bem do Benfica, é bom que isto tenha mais de especulação do que de verdade. É claro que, época notável do Porto à parte, era exigível que o Benfica não estivesse, com 3 meses de época, a 10 pontos do primeiro. Era exigível outra regularidade, e um início de época menos conturbado, talvez outra estaleca na Liga dos Campeões. Mas é evidente que o lugar de Jorge Jesus não deve estar em risco.

Não porque supostamente não há campeões à 10ª jornada, ou porque ainda é possível. Isso já não existe e, a menos que haja uma surpresa mesmo muito grande, o campeonato é do Porto. Jesus deve continuar porque foi a única coisa realmente com sentido que passou pelo banco do Benfica em muitos anos, porque é um dos grandes treinadores portugueses da década, e porque, pela sua qualidade indiscutível, voltará invariavelmente a ser campeão. Fazer a sua continuidade depender da presença nuns oitavos-de-final seria bem mais do que ingratidão ou falta de visão. Seria o Benfica a deixar passar uma oportunidade tremenda para se reafirmar de vez como um campeão natural.

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terça-feira, 9 de novembro de 2010

O dia em que o presidente do meu clube agrediu um jornalista

"Na manhã desta terça-feira, Carlos Pereira agrediu um jornalista do Diário de Notícias da Madeira, que acompanhava os trabalhos do plantel às ordens de Pedro Martins.

Ao Maisfutebol, o editor de desporto do periódico explicou tudo o que se passou com o jornalista Marco Freitas. «O presidente do Marítimo nem perguntou nada ao meu colega. Apareceu pelas costas, deu-lhe um murro na cabeça e arranhou-o no pescoço», descreve Edmar Fernandes.

«É uma situação lamentável e nada justifica este acto. O Marítimo cortou relações connosco porque não temos medo de dizer as coisas como elas são.»"



O Diário de Notícias da Madeira foi incorrecto para com o Marítimo recentemente. E já pediu desculpas também, apesar de continuar sem credenciais para os jogos nem para os treinos. A equipa está mal, a instabilidade dos últimos largos anos começa a tocar o insuportável, e Carlos Pereira tem sido bastante visado por todos, adeptos em primeiro lugar.

Se o DN foca mais ou não a situação pelo que aconteceu, não sei. Sei que tem veiculado um desagrado que está instalado. E sei, acima de tudo, que o Presidente duma das maiores instituições desportivas do país tem de ter estatura moral para o cargo que ocupa. Seja qual for a agressividade da relação que se criou, NUNCA será nem sequer remotamente aceitável, nem ao Presidente do Marítimo nem a ninguém, que se agrida um jornalista no exercício das suas funções. Porque isto não é a Coreia, nem o Irão, nem a Venezuela, e porque as acções de Carlos Pereira, são, antes de tudo, as acções do Presidente do Marítimo. Se não tem, ao fim destes anos todos, maturidade intelectual para aceitar as críticas e para ter consciência das suas responsabilidades, então o melhor que Carlos Pereira tem a fazer é pôr imediatamente o seu lugar à disposição. Mesmo que amanhã o Presidente do Governo Regional até lhe venha dizer que agredir e tentar calar jornalistas é normal.

"Pessoas que merecem"*


título e o resto copiados pela sua justiça cristalina d'A Causa Foi Modificada

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Há dias assim

Hulk a fazer o marcador especial David Luiz espalhar-se atrás dele no 1-0. 3-0 à meia hora, e com mais um calcanhar assombroso de Falcão. Hulk a fazer Coentrão, o único equiparável, abalroá-lo no 4-0. O Benfica humilhado e a 10 pontos do líder, quando só já foi um terço de campeonato. E uma Supertaça pelo caminho. O jogo de hoje foi tão incrível como tem sido a época do Porto, nada menos do que isso. Os números são extraordinários, mas o que mais salta à vista é a qualidade no campo e a personalidade que a equipa transborda. Disse, no início de época, que Vilas Boas era uma evidente aposta de risco, quiçá um tanto ou quanto desnecessária para um Porto vindo dum ano mau. Digo hoje que este é, sem grande sombra de dúvida, o Porto mais entusiasmante do pós-Mourinho.

Amanhã dir-se-á que Jesus duvidou, hesitou e que os 3 centrais e os 5 médios foram o princípio moral dum resultado que envergonhará o Benfica durante muito tempo. Digo que foi um jogo ingrato, e que é injusto julgar o treinador do Benfica. Jesus não foi orgulhoso e foi inteligente o suficiente para reconhecer a superioridade do Porto. A ser lúcido ao pensar o jogo, estaria sempre mais próximo de ganhar. Perdeu, por 5 dadas as condicionantes dum jogo perfeito para o adversário, há deles assim, como teria perdido com Peixoto, Saviola e o mesmo esquema em campo. Os adversários não gostarão de ouvir, e este campeonato ainda poderá dar muitas voltas, mas a realidade é só uma: este Porto, o de hoje como dos últimos 3 meses, não tem adversário na Liga Portuguesa.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

E eu a cagar se só descobri esta preciosidade por causa da Calzedonia

O meu querido pé esquerdo

Entre os três enormes pés esquerdos que chegaram aos grandes a partir de 2007, devo dizer que era em Vukcevic quem sempre apostei as minhas fichas. Di María chegou mais novo do que os outros, mas, mesmo com a técnica transbordante, pareceu durante demasiado tempo um miúdo que não queria crescer, descomprometido com o jogo, para quem o que conseguia fazer num ou noutro grande movimento, mesmo que inconsequente, dava e sobrava.

Hulk foi o último a chegar e, sinceramente, era aquele que menos me impressionava. A potência esteve sempre lá, mas Hulk passou muito tempo a não saber pensar, e essa condição de máquina sem cérebro, que se assumia como inequívoca fragilidade emocional nos grandes jogos, chegou a fazer parecer que o super-herói resgatado às profundezas da segunda divisão japonesa nunca chegaria a sê-lo verdadeiramente.

Vukcevic era diferente. Era uma espécie de médio-ofensivo ou interior esquerdo ou direito, que jogava sem doer a ponta-de-lança e que finalizava com a mesma facilidade com que pensava jogo e com que, com o seu iluminado pé esquerdo, não parava de criar futebol. Acima de tudo, Vukcevic tinha algo de impagável, ainda por cima num jovem que chegou com 21 anos: classe. O enorme potencial bruto de Vukcevic acabou no entanto por esbarrar no seu próprio feitio, e o assomo dos primeiros tempos, que o puseram aos olhos da Europa, acabou por se eclipsar.

Num Sporting tão predisposto a casos, foi a pior coisa que lhe podia ter acontecido. O montenegrino passou os últimos dois anos e meio e três treinadores entre o castigo e as pequenas oportunidades, entre o brilho que carrega nas botas e a intermitência a que é condenado cronicamente. Continua a ser hoje, para mim, o maior jogador do Sporting, mas a jogar a 4.ª época em Portugal, uma coisa já parece inevitável: a sua confirmação, se algum dia chegar, nunca o será em Alvalade.

Haverá muito de problema estrutural, num clube invulgar a criar talentos como o Sporting, mas que é incapaz de potenciar durante tempo que se veja o que cria ou o que contrata. Foi essa a grande diferença para os outros dois. Di María e Hulk puderam crescer. O argentino beneficiou duma conjuntura fortíssima no Benfica, o brasileiro da estrutura do Porto. Ambos da exposição, da boa orientação, da confiança e da mecânica de vitória. Ao ver Di María, pleno de confiança, deixar para trás jogadores do Milan e fazer assistências de golo no São Siro, ou Hulk a ser muito maior do que a Liga Portuguesa, e a pôr pé e meio nos grandes da Europa, não deixa de dar que pensar. Num Sporting pouco menos sombrio do que no ano passado, um talento continua a morrer aos poucos.

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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pippo


O futebol europeu na minha adolescência era pouco da Premier League, da Serie A ou de La Liga. O futebol europeu da minha adolescência eram os jogos da Champions de 3ª e 4ª à noite, os jogos grandes, inapeláveis, os jogos que criam lendas. Duma geração que produziu alguns dos nomes maiores da histórias dos golos das competições europeias, de Raúl a Henry e Shevchenko, os meus maiores eram dois inimitáveis dentro da área: Van Nistelrooy e Inzaghi. O holandês era mais comercial, do assombro de Old Trafford ao luxo do Bernabéu, Inzaghi era diferente. Menos indiscutível, mais na sombra, ligado para a vida ao calcio e ao San Siro rossonero. Foi durante muito mais do que merecia o jogador para a última meia-hora, a solução de recurso para safar jogos desfavoráveis. Nunca teve pinta de estrela, e em campo era um caso à parte na coisa dos avançados: pouca finta, pouco sprint, poucos golos espectaculares. Era uma ave de rapina, como me lembro de lhe chamar Freitas Lobo, sempre na sombra das defesas em linha adversárias, ou, como disse um dia Ferguson, que já nascera em fora-de-jogo.

Sempre o adorei. Ver Inzaghi em campo sempre foi um desafio ao próprio jogo, uma insinuação de caos capaz de virar qualquer resultado a qualquer altura. Ronaldo ganhava melhor do Mundo, Sheva ia às Bolas de Ouro, Raúl e Henry exalavam classe, mas ninguém desmanchava jogos como Inzaghi, ninguém inventava impossíveis como ele. Num misto de piada e respeito, a saber a profecia, Mourinho disse que neste duelo com o Milan para a Liga dos Campeões, Allegri podia usar quantos dos seus avançados quisesse, fosse Ronaldinho, Pato, Robinho ou Ibra, desde que não usasse Inzaghi. Nos dias em que, com 34 anos, Nistelrooy já mal sobrevive ao ocaso em Hamburgo, ver como Pippo, aos 37, explodiu nas mãos do Real um jogo do qual o Milan já respeitosamente desistira, continua a ser tão impressionante como há 10 anos. As noites europeias de Milão lembrar-se-ão das corridas loucas depois de um golo, quando as suas botas finalmente se pendurarem. Daqui a muitos muitos anos, claro.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Mitos dum tipo que, no fundo, viu muito pouca coisa

Como já terei partilhado, a minha obsessão-compulsão ocasional manifesta-se muito grandemente na elaboração de listas, tendencialmente tops no geral. Vai daí, e porque no fundo não tenho muito trabalho, resolvo partilhar com vós qualquer coisa como os meus grandes protagonistas da última década de televisão, aka os humildes senhores das poucas e humildes grandes séries que eu tive o prazer de ver nestes meus curtos e verdes anos de ficção. Talvez não sejam ícones de facto, pelo menos a maior parte deles, mas são os vultos que caminham comigo, neste work in progress que sou eu até ganhar um Globo de Ouro para melhor argumento. Sentai-vos:

10 - Aaron Hotch (Thomas Gibson), Criminal Minds
O Reid tem piada e o Gideon era de grande campeonato, mas o general silencioso do BAU é a personagem mais poderosa da equipa. O extraordinário foco que lhe foi dado entre a 4ª e a 5ª temporada contribui bastante para isso.

09 - Alan Shore (James Spader), Boston Legal
No espectro quase imperturbado que foi o meu crescimento a querer ser jornalista, só duas coisas terão feito abalar esta jovem consciência: os anúncios da Nike, que me fariam publicitário, e os discursos deste senhor, que me poderiam ter levado a uma carreira de sucesso na advocacia. Aos textos, Spader juntou sempre a eloquência e a força persuasiva, numa personagem toda ela muito pouco by the book.

08 - House (Hugh Laurie), House MD
É nada menos do que um mito, e sempre foi tanto mais cativante por percebermos que havia ali muito espírito do próprio Laurie. House e toda a dimensão que já teve perdurará por muitos e muitos anos. Está hoje para mim deste lado da lista porque, apesar de todo o tempo de auge, falhou num aspecto que é uma absoluta pedra de toque: saber sair. É pena as últimas duas temporadas.

07 - Desmond Hume (Henry Ian Cusick), Lost
I'll see you in another life, brotha. Claro. O escocês, um secundário sempre ali a modos de protagonista, foi das personagens mais perturbadoramente sedutoras do imenso Lost, e teve a capacidade de, durante os anos dessa grande obra, nunca ter perdido o interesse, recriando-se uma e outra vez. Mereceu o protagonismo a que teve direito na season finale.

06 - Johnny Drama (Kevin Dillon), Entourage
Nem o E, nem o Turtle, nem o sex symbol Vinnie Chase. Do bando, do alto da 7ª temporada, é o extraordinário Johnny Drama a verdadeira estrela, o Drama genuíno, bom coração e do seu profundo e bromanceado sentido de humor. Sem falar de que cresce gigantemente desde a certa discrição que o envolvia na 1ª temporada.

05 - Marshall Eriksen (Jason Segel), How I Met Your Mother
É daqueles que se entranha. Numa série que o afasta da ribalta por várias razões, o Marshall grandão, nórdico, puro e animalesco, na sua incontornável team-up com a Alyson Hannigan, é uma personagem de quem, mais do que deslumbrar, se passa a gostar.

04 - Barney Stinson (Neil Patrick Harris), How I Met Your Mother
Uma lenda, tão chocantemente gay como um tipo chamado Albus Percival Wulfrico Brian Dumbledore. Uma lenda.

03 - Sawyer (Josh Holloway), Lost
Não era o Jack, nem o Locke, nem o bem, nem o mal. O nome maior do Lost era o assombrado James Ford, retinto, dorido e crente. Os twists and turns, os fantasmas, o sentido de humor negro e refinado, o pragmatismo e a sua alma de caminhante tortuoso, tornam-no numa das maiores personagens que já segui.

02 - Ari Gold (Jeremy Piven), Entourage
3 Emmys e 1 Globo de Ouro falarão por ele. É impossível falar do irascível Ari Gold, da sua falta de escrúpulos com bom fundo, no que isso possa significar, do seu fulgor, da sua pujança e, absolutamente, da sua inigualável violência verbal, sem ter o prazer de ver o autêntico show que deu nos quase 10 anos de Entourage. No próximo Verão, estaremos cá para a despedida.

01 - Denny Crane (William Shatner), Boston Legal
Terá sido o primeiro grande ícone da minha juventude seriísta, e é extraordinário como continua a ser, ao fim destes bons anos, um personagem único e inimitável, conjugador de quase todas as vertentes conjugáveis nestas coisas da ficção, do drama à comédia, da confusão à eloquência ,tudo ao mesmo tempo. É ele o exemplo da fusão homem-personagem, e é isso que sempre exalou. Um quarto de século antes de andar por cá, já o gigante William Shatner andava a ser estrela em Star Treks. Às portas dos 80 anos, ainda é vê-lo aí a estrear séries. É um mito, o maior de todos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Em memória de todos os que já pereceram à espera duma sessão tranquila

Tenho saudades de ir a uma sala de cinema. Saca-se tudo da internet, sejam versões screeners ou DVD rip, mas não é a mesma coisa. Proliferam agora as versões HD, mas o som não é o mesmo, o ambiente não é o mesmo, e o deslumbre também não. Não se confundam, eu até sou um indivíduo francamente caseiro, que por regra vê pouca beleza em despender tempo livre em locais apinhados antes da meia-noite, o que me torna num misto de antisocial e ser ininteligivelmente superior, mas o cinema sempre foi uma saudável excepção.

Não se confundam novamente. Eu gosto muito do Porto, mas o Porto não é a minha casa, e sobretudo não tem o sol do Funchal, a falta de vento do Funchal, e o aconchegante calor perene do Funchal, associado à proximidade do mar e a centros comerciais perto de passadiços quentinhos e bons de passear. No Funchal, eu até sou socialmente de excepções. Já no Porto tenho menos hipóteses, dado o problema gravíssimo de haver um bocado de gente a mais. Rusticamente, deverei ser um tipo de cidade pequena, suponho. No Funchal, eu posso ir ao cinema duas vezes por dia, todos os dias da semana (isto numa equação metafórica que desconsidera os preços pornográficos dos bilhetes), e ter um aproveitamento de satisfação na ordem dos 90%. Claro que na sala pode estar só mais uma pessoa, e eu tenho a certeza à partida que essa pessoa vai ficar religiosamente sentada ao meu lado, mas a experiência diz-me que isso são regras secretas que todos os cinemas do mundo têm de respeitar, em nome da inter-relação e do calor humano.

No Funchal, eu posso ir ao cinema com evidentes probabilidades de não ter gente com os pés em cima da minha cadeira, gente a cuspir pipocas, a guinchar, a rir, a falar alto, a avacalhar, a apalhaçar, a não perceber o filme em voz alta (e pensem um bocado na beleza deste conceito) ou a tentar, através de métodos estupidificadores, cortejar jovens donzelas cortejáveis através dos mesmos. Por tudo isso, passo à porta dum cinema no Porto, mas já nunca páro. Antes ver lojas (não exageremos, mas ilustrativamente é uma contraposição gira).

Acho que tenho pena de quem nunca viu uma sessão descansado. Ou quase nunca. E, como sou egoísta, tenho pena de mim próprio nesta minha espécie de desterro cinematográfico. Tenho saudades de ir ao cinema, repito. Também as terei do Funchal, provavelmente.