terça-feira, 1 de julho de 2014

Copa, dia 18: a inevitabilidade da derrota


Alemanha 2-1 Argélia (ap)

Poucos teriam arriscado que o Alemanha-Argélia pudesse alguma vez durar mais do que a hora e meia obrigatória. Podia nem estar quebrado à partida, pela própria exigência física e mental desta fase da prova, mas a Mannschaft conservara os galões a brilhar e o entusiasmo da Argélia não parecia nunca poder patrocinar qualquer golpe. O melhor elogio a fazer à partida é que o 0-0 no fim do tempo regulamentar foi mais exuberante do que tantos outros jogos cheios de golos que um dia já vimos. E, afinal, não era à toa que os chamavam de Raposas do Deserto. Os argelinos tinham, de facto, um plano e a eficiência com que, não só anularam a Alemanha, como ainda a fizeram suar frio, passará sempre como uma das belas histórias deste Campeonato divinal. Ao fim e ao cabo, só mesmo aqui é que a Alemanha ir a prolongamento com a Argélia poderia não ser assim tão chocante. Os homens de Halilhodzic fizeram brilhantemente quase tudo o que estava no seu controlo. Para o golpe de teatro faltariam sempre um momento genial e uma estrela da sorte e esses é que, infelizmente, nunca chegaram. A Argélia resistiu enquanto pôde mas sabia que, no momento em que a disciplina começasse a soçobrar às pernas, estaria acabado. Os alemães também.

Os norte-africanos entraram no Mundial pela porta dos fundos, com uma derrota triste frente a uma Bélgica cinzenta, parecendo dar crédito aos que os velavam como os mais débeis do grupo. A transformação que se seguiu foi admirável. 6 golos em 3 jogos, um apuramento histórico a eliminar a selecção do treinador mais caro e um prolongamento ao adversário mais temível da prova. Hoje, Halilhodzic voltou a pensar tudo bem. Com a defesa baixa e a sobre-população ao meio, anulou todo o jogo interior alemão, jamais dando metros ao contra-ataque adversário, consciente de que, pelas alas, não chegaria o perigo. A chave do seu planeamento foi a capacidade de resposta. Com a Alemanha a usar a defesa mais alta do torneio, o bósnio plantou Slimani no meio dos dois postes centrais, soltando dois e três médios para as suas segundas bolas. As coisas saíram ainda melhores do que no papel. O avançado do Sporting fez uma exibição brilhante e, a espaços, caiu-nos o queixo de tão evidente estava a ser a exposição alemã. Os germânicos foram apanhados em contra-pé constantemente e não fosse a leitura prodigiosa de Neuer, hoje um verdadeiro líbero à imagem e semelhança de Beckenbauer, e podíamos ainda estar todos a fazer contas a um terramoto no Beira-Rio.

A Alemanha sai disto viva, como quase sempre, mas com a reputação razoavelmente abalada. A inaptidão da equipa para variar soluções quando lhe negam o plano principal, aliada à falsa segurança atrás - se, com defesas tão discutíveis, jogar tão alto já doeu contra a Argélia, imaginem o que aí vem - deixaram um mal-estar muito real. A Alemanha saiu do pedestal e teve de começar a sofrer muito antes do que se podia antecipar, com dúvidas que, ainda por cima, são estruturais. Desde logo, os laterais são um problema grave e capam a equipa de toda a profundidade. Dificilmente manter defesas adaptados pode ser a solução. Depois, jogar tão alto com estes centrais também parece pouco razoável. É bom lembrar, no fundo, que se estas são ideias de Guardiola, esta não é, pelo menos, a defesa do Bayern. Por sua vez, à frente, a passada de Reus faz muita falta e a confirmação de que Ozil está a passar ao lado disto é a outra pior notícia. Ficar a contar com remates a 30 metros e ter fé em Muller augura coisas más. Não é por um jogo que se pode pôr tudo em causa e, no fim, a equipa bateu o adversário por KO, mas certo é que esta já não é a equipa que pareceu imaculada a devorar Portugal e que se acumulem tantos indícios dá, pelo menos, que pensar. Isso e saber que a França não é a Argélia.

ARGÉLIA - No Mundial dos grandes guarda-redes, M'Bolhi vai embora mas fica no panteão. Irredutível sempre, foi na fase do tudo ou nada alemão que se deixou brilhar exponencialmente, com paradas cada vez melhores. Também concorre a melhor defesa do torneio, por um tiraço de Lahm. Não merecia que o castelo tivesse ruído naquele golo sem querer. Slimani sai tão valorizado como devia deste Campeonato do Mundo. Muita raça, muito à vontade de costas, ainda mais perigoso a encarar. Foi o homem perfeito para o trabalho e tornou o plano de Halilhodzic tanto mais notável. Faltou o golo de ouro. Halliche, a segurar o forte, Ghoulam, pela mescla entre sacrifício e perigo, na lateral-esquerda, e Feghouli, pelo talento livre nas costas do avançado, como tanto doeu aos alemães, foram as outras figuras.

ALEMANHA - Todas as odes para Manuel Neuer. Não fosse o melhor guarda-redes do mundo tão bom em áreas tão incomuns (jogo de pés, antecipação, presença fora da área) e esta seria certamente uma história diferente. As chapas icónicas deste Alemanha-Argélia serão indiscutivelmente as suas saídas a toda a força para cortar adversários na meia-lua. Num jogo muito mau dos interiores e dos falsos extremos, sobressaiu Phillip Lahm. Foi só quando Low finalmente libertou o capitão do estigma guardiolista, e o devolveu à ala-direita, que a equipa cresceu de forma instrumental. Khedira também entrou muito bem, na mesma lógica. Mais vertical a transportar do que qualquer um dos outros médios, foi determinante para sabotar o plano argelino. Finalmente, Muller, porque é um dia tão bom como qualquer outro para reafirmar que faz mesmo tudo, tudo bem.

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