segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Before Midnight

 

18 anos. Before Midnight não é o epílogo de uma trilogia normal, mas de uma que demorou uma vida a fazer. Em 1995, Richard Linklater- realizador-argumentista -, Ethan Hawke e Julie Delpy puseram na rua um pequeno romance indie tão sedutor quando incapaz de medir o culto que viria a personificar. Acho que o grau mais alto a que um filme pode aspirar é o de entrar no imaginário colectivo. Before Sunrise foi um desses filmes perfeitos. Tão puro quanto despretensioso, foi, tal como eles, um amor à primeira vista. Europa, uma viagem de comboio e uma miúda bonita. Um assomo de coragem e uma noite, uma única noite, perdidos deliciosamente por uma cidade tão apaixonante quanto os dois. Conta-se que o aumento do turismo em Viena foi mesurável nos anos seguintes, menos, conquanto, do que o imaginário de todos os 20 anistas que tenham entrado num comboio para cruzar a Europa, nestas duas últimas décadas. Before Sunrise foi um tipo-ideal, em simbolismo, ambiente, qualidade extrema do texto e química entre os protagonistas. Teve tudo.

Em 2004, Before Sunset cumpriu o assomo de manter-se na mesma bitola. Bem menos juvenil, com mais uns quantos anos no tempo real e no tempo da história, mas, como nos melhores romances, a demorar quase nada até parecer que a última vez tinha sido ontem. Uma tarde de reencontro inimaginável em Paris, o mesmo contra-relógio e o mesmo fim aberto, e a merecida nomeação ao Óscar para Melhor Argumento. Mais uma hora e meia de um par perdido a pé por ruas fora, de excitação mal disfarçada, numa viagem para não deixar ninguém indiferente e que ninguém queria que acabasse. Deste último capítulo, não era certo o que esperar. Se uma mudança na forma, se uma mudança no tom, se, de facto, um fim, na verdadeira acepção da palavra.

Before Midnight é, realmente, um filme mais diferente do que os seus antecessores, por culpa de um contexto que é diferente e obrigatório. O momento já não é o da descoberta, da sedução e da ilusão. É o dos anos de história vivida e da vida para ser gerida. É o momento de sombra em que as traves mestras começam a ceder, e onde emergem o gasto e o embate. É um filme menos puro e mais adulto, mais difícil, que nos seduz menos, mas que se aprende a admirar o mesmo tanto. O lirismo está sempre adstrito ao seu código genético, e é mais ou menos omnipresente, mas Before Midnight não evita que ninguém se magoe. Volta a ter um texto extraordinário (Linklater, aqui em co-escrita com os protagonistas, continua a ser genial), mas, desta vez, é cru, até hostil, ao marcar distâncias, repensar necessidades pessoais e retratar desencanto, o tempo que passou e as histórias perfeitas que não existem. É o fim do espectro como ele tinha de ser, o quadro completo com todas as suas dimensões, e com a maneira como Jesse e Céline decidem reagir a elas pela última vez. Se a paixão são só as coisas boas, essa ficou nos dois primeiros capítulos. Midnight é um filme sobre o que o amor nos exige, sobre conseguir ficar ou ter de partir quando há coisas que já se perderam, um filme não tanto sobre gostar, mas sobre saber ou não continuar.

Hawke e Delpy estão no ponto em que começaram há duas décadas. O mesmo enleio, o mesmo toque, o mesmo laço, seja como for que acabe. Ele tão errante, sem jeito e certo de si como então, ela sempre sensual, pungente e afligida pela dúvida. Papéis feitos à sua medida e que eles brilhantemente elevaram ao expoente de ícones. Before Midnight não teve o desconcerto de outros tempos, como um adulto já não tem o rasgo da juventude. Exactamente da mesma forma, ofereceu uma profundidade cáustica que só agora seria possível. Ser diferente não belisca o imenso estatuto que partilha com os antecessores; é, pelo contrário, o que o reafirma como tal, porque os completa. Os Before serão a obra magna da carreira de todos os envolvidos, e uma que, em 18 anos, o foi até à última hora.

8/10

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