quarta-feira, 21 de agosto de 2013

"We are the happy ones"


Tarde de sol, casa cheia, ilusão a jorrar da rua para as bancadas. Alegria, um entusiasmo tão genuíno quanto mal disfarçado, um quase frenesi para poder viver tudo aquilo outra vez. Dizem que não devemos voltar ao lugar onde fomos felizes. No momento mais frágil da carreira, ele voltou. E eles voltaram com ele, como se nem tivessem forma de lhe agradecer. O Chelsea ganhou dois títulos europeus nos últimos dois anos, e, mesmo assim, arrisco a dizer que nenhuma dessas finais pôs os olhos daquela gente a brilhar tanto como este último domingo de Agosto, contra o pequeno Hull. Ganhar não é tudo na vida e, no fim de contas, o que fica no coração da gente é a forma como se o faz. É provável que qualquer blue preferisse perder com Mourinho do que ganhar com Benítez ou outro qualquer, e isso diz quase tudo. Não conheço nenhum adepto que, em vez de um treinador, não preferisse ter lá um dos seus.

Ainda não tinha feito 14 anos, e aquele Chelsea já se prestava a ser uma das equipas da minha vida. Foi amor à primeira vista, a cada carga de cavalaria liderada pelo generalíssimo Frankie, com um recém-prodígio holandês e um irlandês de ruivo sério a desconcertarem nas asas, a melhor dupla de centrais que vi jogar (Nesta-Maldini a par, sendo justo) e o mais carismático de todos os avançados-centro a que o futebol europeu assistiu no novo século. Mais um soldado checo então ainda averso a capacetes, um luso de brandos costumes a fazer a lateral-direita valer os 20 milhões de vez em quando, um francês pequenino que foi sempre uma âncora imensa, um 10 inglês que chegou a jogar o suficiente para o chamarem de brasileiro e um avançado com tanto de albino quanto de trunfo, nascido quase no Pólo Norte. Um exíguo ano depois do propalado melhor campeão de sempre - os Invencíveis de Wenger - uma equipa que, na verdade, quase só tinha gente para se provar, bateu esse recorde de pontos. I'm not one of the bottle. I think I'm a special one. Nunca ninguém poderá dizer que ele não avisou. 

O resto toda a gente sabe. Num deserto árido de títulos, notoriedade e reputação, ele esculpiu à mão um gigante europeu. Bicampeão na relva onde toda a gente sonha ganhar, mais um saco de taças e outras duas meias-finais continentais que ficarão para sempre a ser devidas à eternidade. Um projecto futebolístico temível e inesquecível, glorificado por uma legião de fiéis que o venerou como um herói em todas as horas. Uma explosão simbiótica de futebol, militância e carisma incapaz de deixar alguém indiferente. O jogo muito maior do que um jogo, no patamar onde só moram os que já não podem morrer. Reza a lenda que, no dia em que se despediu, Drogba chorou no balneário como uma criança. Lampard descreveu o momento em que o viu sair pela última vez como o mais emocional de toda a carreira. O povo, esse, dedicou-se a fazer-lhe o luto nos longos anos seguintes e a velar, sem pudor, e contra quase todos, pelo seu regresso sebastiânico.

Passaram 10 anos desde o primeiro dia. No campo, porém, foi como se nunca tivesse acabado. Foi isso que se viu no orgulho insuperável a encher a cara de todos os que o receberam de pé. Welcome home, Jose. We are the happy ones. Ele, mais velho, mais batido, mal pôde segurar a emoção nos olhos. Uma, duas, três vezes a ter de levantar-se e a agradecer, ele que não estará sempre no Chelsea, mas àquela gente que, como o provou uma vez mais, estará sempre lá para ele. O jogo rendeu vitória, claro. E o melhor foi Lampard, só porque era mesmo dia para as coisas que nunca mudam.

Até onde irá este Chelsea, não se prevê. Certo é que, em consciência, já tenho o meu campeão. Há viagens no tempo que ninguém pode recusar fazer, e os heróis são para sempre.


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