É complicado saber por onde começar quando está em causa o filme mais esperado da década. Com a Guerra das Estrelas foi sempre assim: a vertigem do próximo capítulo, do próximo fim, do próximo regresso. Em cada um desses dias, em cada um desses anos, foram eles o filme mais esperado do mundo. A nossa História cultural contemporânea teve a sorte de assistir a sagas tão monumentais como as melhores de todos os tempos, que inundaram de fascínio cada bocado da nossa imaginação colectiva e desenharam muito daquilo que sonhamos hoje; nenhuma outra, contudo, se poderá gabar de tamanha plenitude e transversalidade e, sobretudo, de tamanha vitória sobre o teste do tempo. A Guerra das Estrelas é a saga mais aceite e mais comercial, a mais acarinhada e a mais antiga. É a língua e o espelho não de uma geração, mas de todo um entendimento do que é a nossa sétima arte comum, imperecível, una e majestaticamente fascinante.
A 25 de Maio de 1977, o meu pai tinha 17 anos. Esta devia ser a história dele; na quinta-feira à noite, contudo, sentado na estreia mundial, com literalmente milhões e milhões de pessoas ao mesmo tempo, não havia ali nada que me pudessem tirar. O cinema será sempre o primado das grandes histórias, mas o cinema não seria cinema sem a experiência. Sem aquela mobilização, sem a propensão de ir viver a energia que vai muito, muito além de tudo o que se expele na tela. Ter passado as últimas semanas na expectativa, os últimos dias a namorar trailers e artigos, o dia da estreia com a obsessão da recompensa, reservar os bilhetes, seguir em romaria e depois sorver reverentemente, quase grato de respeito, cena sobre cena, deslumbrado com os pequenos regressos a casa, com aquele reconhecimento tácito que nos diz que somos todos parte do mesmo, é algo de genuinamente maravilhoso, que qualquer apaixonado por cinema, mais do que fã, não pode em consciência recusar-se a viver. Achando-se o que se quiser do frenesim ou do mérito da história, ver uma Guerra das Estrelas nestes termos é uma coisa que só acontece um punhado de vezes na vida.
Acho que já é líquido por esta altura que me é difícil separar o que é o filme, daquilo que representa a saga. Mesmo admitindo orgulhosamente toda a minha parcialidade, é com uma certa comoção que digo que foi... muito bom. E dizê-lo é tão catártico como tê-lo visto. É evidente que a Guerra das Estrelas não poderá jamais voltar a ser o sopro de futuro impossível que foi naquele ocaso dos anos 70, ou voltar a ter aquela magnitude refundadora do realizador ao argumento, do admirável mundo novo visual até às avenidas de criatividade absolutamente sem limites e sem termo de comparação, que chocaram aquela era. Mas é com honesta felicidade que sublinho que JJ Abrams foi o homem certo no lugar certo. O fardo era dum peso bestial, o negócio tinha chances desfavoráveis e todo o novelo era, afinal, assombrado pelo falhanço de casting com que todo o planeta recebera em agonia The Phantom Menace, em 1999. O pai de Lost, o reinventor de Star Trek o que faz é um abraço do tamanho da galáxia a toda aquela excepcional universalidade, um abraço de fã, com o entusiasmo e o gosto de quem está num gigantesco e infindável parque de diversões, deliciado com cada sequência, comprometido com cada viagem, emocionado com cada reencontro.
The Force Awakens é um filme tecnicamente inatacável e monumental. 2h15 de pleno gosto, onde tudo se derrama na medida certa, sem exagero mesmo no que é exagerado, sem poupança mesmo no que é poupado, de excelência sob qualquer prisma, um filme ao qual, visualmente, não há nada a acrescentar. JJ Abrams viveu à altura da reputação e pôs na rua um show atraente mesmo para quem não tiver nada a ver com isto, um filme com vida própria, capaz de mostrar aos novos de hoje de que é que são feitas aquelas estrelas. Essa capacidade de sedução é o inevitável cartão de visita para quem for espreitar as perniciosidades da história. E aqui chegamos ao guião, que fora o aspecto mais frágil das prequelas e aquele que marcaria o grau de sustento de todo o novo empreendimento. Se é certo que a espinha dorsal da narrativa não puxa de nenhum ás de trunfo, acho que a maior parte das pessoas também concordará que o argumento excedeu as expectativas. Com uma ligação carnal à narrativa-mãe, patente em quase todas as esquinas, o desvelar da acção consegue aguentar-se nos próprios pés até ao fim e resistir a quaisquer suspiros desiludidos que o quisessem diminuir. Os novos segredos aguentam-se, seduzem-nos, sabem temporizar-se - alguns deles mantêm-se segredos -, e têm uma singular chave de ouro: as personagens.
The Force Awakens devolve a Guerra das Estrelas às personagens, numa dicotomia entre legado e pujança, entre os galões dos velhos e a vitalidade dos novos, e é de encher a alma. A cena do regresso da Han Solo à sua Millenium Falcon, 32 anos depois! de Return of the Jedi, é um nó cego na garganta. O momento em que a pisa novamente, com o seu inseparável Chewbacca, mas ainda depois disso, os segundos em que se deixa estar a balbuciar na cabine, com os olhos a brilhar, como se tivesse esperado por isso em todo e cada um dos dias em que estiveram distantes, seria suficiente para querer fazer isto tudo outra vez. Harrison Ford é, de resto, a figura nevrálgica e verdadeiramente patriarcal do filme, ao que responde com total compromisso e espírito, com uma genuinidade que não encontra esforço. Disse-se, na antecâmara, que este era o filme que lhe tinha recuperado a alegria de actuar e o seu carácter de estrela pop, e é impossível contestá-lo. Solo viveria sempre por si enquanto personagem mas, pese todo o legado, é uma interpretação reverencial da parte de Ford.
Finalmente, o ponto alto: se o Episódio VII tem uma estrela que brilha acima das outras, essa tem 23 anos, olhos verdes e nasceu em Londres. Daisy Ridley é um avassalador acerto de cast, uma gema preciosa descoberta numa galáxia muito muito distante que, mal é desempoeirada, se põe a luzir de uma forma quase desarmante. Já li sobre ela que é a personagem feminina melhor formada e mais bem maturada de sempre em Star Wars, mas diria mais, diria que é uma das mulheres de maior poder e potencial que vi nos últimos anos. Ridley é uma força da natureza. É terrivelmente realista. Corajosa e abnegada sem ser necessariamente heróica, vulnerável sem ser superficial mas, antes, empática e cativante. Gosta-se logo dela, quer-se que as coisas lhe corram bem e anseia-se que viva à altura do seu destino que, por ora, parece gloriosamente grande. Investir sem pejo numa figura feminina para o núcleo da acção era só uma excelente ideia à espera de o ser, e foi-o na plenitude. De entre os novos, John Boyega - com uma falibilidade honesta que nos conquista - e Oscar Isaac - com o glamour da juventude de Han Solo - saem na mó de cima, como também sai o adorável boneco de Lupita Nyong'o. Adam Driver, numa das personagens-chave, é porventura quem mais fica a dever ao papel.
As contas deste Force Awakens eram, no fundo, muito simples: ou acertava de pleno direito ou falhava a todo o vigor. Ganhou. Mais do que isso, ganhou a jogar bem. Confiamos e fomos recompensados porque sim, é o melhor em mais de 30 anos, sim, é o filme pelo qual estávamos à espera e, depois, um pouco mais. Quinta-feira foi uma noite bonita.
8/10
Acho que já é líquido por esta altura que me é difícil separar o que é o filme, daquilo que representa a saga. Mesmo admitindo orgulhosamente toda a minha parcialidade, é com uma certa comoção que digo que foi... muito bom. E dizê-lo é tão catártico como tê-lo visto. É evidente que a Guerra das Estrelas não poderá jamais voltar a ser o sopro de futuro impossível que foi naquele ocaso dos anos 70, ou voltar a ter aquela magnitude refundadora do realizador ao argumento, do admirável mundo novo visual até às avenidas de criatividade absolutamente sem limites e sem termo de comparação, que chocaram aquela era. Mas é com honesta felicidade que sublinho que JJ Abrams foi o homem certo no lugar certo. O fardo era dum peso bestial, o negócio tinha chances desfavoráveis e todo o novelo era, afinal, assombrado pelo falhanço de casting com que todo o planeta recebera em agonia The Phantom Menace, em 1999. O pai de Lost, o reinventor de Star Trek o que faz é um abraço do tamanho da galáxia a toda aquela excepcional universalidade, um abraço de fã, com o entusiasmo e o gosto de quem está num gigantesco e infindável parque de diversões, deliciado com cada sequência, comprometido com cada viagem, emocionado com cada reencontro.
The Force Awakens devolve a Guerra das Estrelas às personagens, numa dicotomia entre legado e pujança, entre os galões dos velhos e a vitalidade dos novos, e é de encher a alma. A cena do regresso da Han Solo à sua Millenium Falcon, 32 anos depois! de Return of the Jedi, é um nó cego na garganta. O momento em que a pisa novamente, com o seu inseparável Chewbacca, mas ainda depois disso, os segundos em que se deixa estar a balbuciar na cabine, com os olhos a brilhar, como se tivesse esperado por isso em todo e cada um dos dias em que estiveram distantes, seria suficiente para querer fazer isto tudo outra vez. Harrison Ford é, de resto, a figura nevrálgica e verdadeiramente patriarcal do filme, ao que responde com total compromisso e espírito, com uma genuinidade que não encontra esforço. Disse-se, na antecâmara, que este era o filme que lhe tinha recuperado a alegria de actuar e o seu carácter de estrela pop, e é impossível contestá-lo. Solo viveria sempre por si enquanto personagem mas, pese todo o legado, é uma interpretação reverencial da parte de Ford.
Finalmente, o ponto alto: se o Episódio VII tem uma estrela que brilha acima das outras, essa tem 23 anos, olhos verdes e nasceu em Londres. Daisy Ridley é um avassalador acerto de cast, uma gema preciosa descoberta numa galáxia muito muito distante que, mal é desempoeirada, se põe a luzir de uma forma quase desarmante. Já li sobre ela que é a personagem feminina melhor formada e mais bem maturada de sempre em Star Wars, mas diria mais, diria que é uma das mulheres de maior poder e potencial que vi nos últimos anos. Ridley é uma força da natureza. É terrivelmente realista. Corajosa e abnegada sem ser necessariamente heróica, vulnerável sem ser superficial mas, antes, empática e cativante. Gosta-se logo dela, quer-se que as coisas lhe corram bem e anseia-se que viva à altura do seu destino que, por ora, parece gloriosamente grande. Investir sem pejo numa figura feminina para o núcleo da acção era só uma excelente ideia à espera de o ser, e foi-o na plenitude. De entre os novos, John Boyega - com uma falibilidade honesta que nos conquista - e Oscar Isaac - com o glamour da juventude de Han Solo - saem na mó de cima, como também sai o adorável boneco de Lupita Nyong'o. Adam Driver, numa das personagens-chave, é porventura quem mais fica a dever ao papel.
As contas deste Force Awakens eram, no fundo, muito simples: ou acertava de pleno direito ou falhava a todo o vigor. Ganhou. Mais do que isso, ganhou a jogar bem. Confiamos e fomos recompensados porque sim, é o melhor em mais de 30 anos, sim, é o filme pelo qual estávamos à espera e, depois, um pouco mais. Quinta-feira foi uma noite bonita.
8/10