quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Bridge of Spies. Um bom filme dispensável


Parece-me pacífico dizer que, nos dias que correm, se queres fazer um filme sobre espionagem, ou mais, sobre a Guerra Fria, tens de ter realmente alguma coisa para contar. O tema já foi tão violentamente esgotado que, pese a mística intemporal e tangível, é preciso ter algum segredo na manga, alguma manha pronta a ofertar quando chegar a hora. Bridge of Spies, infelizmente, é uma ponte de sentido só. Começa-se a andar, é-se imperturbado e chega-se exactamente aonde se estava à espera chegar. Até pode ser uma ponte, mas tem muito pouco de espionável, porque é incapaz de seduzir-nos o suficiente. Não é, de facto, um filme mau ou sequer vulgar, ainda que o argumento seja perfeitamente enxuto, na reconstituição histórica duma troca de prisioneiros de guerra entre Estados Unidos e União Soviética, em 1960; é, no fim de contas, bem arrumado e simpático, mas é o arquétipo de um filme desnecessário, que acrescenta pouco ou quase nada e que não pede que se pague um bilhete.

Isto tem tanto mais peso pela contextualização que vale a pena fazer. Bridge of Spies afigurava-se, afinal, como um dos pesos pesados do ano, realizado por Spielberg, escrito pelos Coen e protagonizado pelo reverendíssimo Tom Hanks. Do leque, só mesmo o último soube estar à altura. Na linha do que escrevi acima, o argumento é francamente linear. Parte dos factos verídicos, mas é quase invisível para além disso: não tem rasgo, não tem cenas fortes, não é emocionalmente exigente para os protagonistas e não plasma, sequer, nada do que notabilizou os Coen, seja a perversão, o tipo de humor, o negrume ou o carácter cáustico, desafiante e cru. É um filme muito liso, muito morno, como se com isso quisesse perpassar alguma tensão... mas sem nunca o conseguir. Tem uma única cena contagiante, na honestidade do regresso a casa, que lhe marca o desfecho. Fica por aí.

A maior desilusão é, contudo, Spielberg. Num projecto realmente à sua imagem, com aquele toque imperial que lhe assenta tão bem, o seu apagamento é inexplicável. Bridge of Spies não é de todo atraente a nível visual. É um filme que parece irrelevado ou quase ignorado, e deixado a fazer sozinho. Aquela vida em permanente lusco-fusco, tão cara ao espectro da Guerra Fria, nunca é interrompida por nenhuma injecção de charme, por nenhum lance de inspiração. É uma contínua película uníssona, na mesma frequência e no mesmo tom, como um monitor de actividade cardíaca que já morreu. Três anos depois do excelente Lincoln, o velho mestre volta assim a cair no nevoeiro que lhe marcou a última década, e onde se contam filmes tão infelizes como o último Indiana Jones, Tintin ou War Horse

A boa notícia é, como quase sempre, Tom Hanks. O maior bonacheirão de Hollywood é o pilar do filme e aguenta-o uma e outra vez à base de fôlego, mascarando as ditas falências com base no facto essencial de gostarmos dele. Note-se que está longe de ser uma performance laureável, nada que se compare, por exemplo, à monumentalidade encontrada em Captain Phillips (2013), mas, num filme diminuído a vários níveis, Hanks sabe como levar as pessoas e empresta à acção a humanidade e a empatia que a história não demonstrou ser capaz de dar. Mark Rylance, nas roupas de espião soviético, acabou por ser a boa surpresa. Num papel que pareceu por ora demasiadamente calculado, no estatuto adquirido de espião que nunca o recusou ser, Rylance veio afinal, e na linha da sua própria personagem, roubar-nos respeito pela sua dignidade, temperança e dedicação. Um papel estilizado e peculiar que acabou por lhe valer a surpreendente nomeação para Melhor Actor Secundário nos Globos de Ouro.

Ver Bridge of Spies não é penoso, mas está longe de ser contagiante e é inevitável assumir a desilusão com um produto ao qual era obrigatório exigir mais. Com determinado nível-base e com boas personagens, limitar-se-á a passar à História como um bom filme de domingo à tarde.

6/10

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