"I have no choice but to direct my energies toward the acquisiton of fame and fortune. Frankly, I have no taste for either poverty or honest labor, so writing is the only recourse left for me." Hunter S. Thompson
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
In the Heart of the Sea. Há histórias que não sabem falhar
A ambição era refazer um filme sobre nada menos do que Moby Dick. 100 milhões de dólares de orçamento, Ron Howard nas rédeas (Cinderella Man, A Beautiful Mind, Frost/Nixon, Rush...) e um elenco cravejado de estrelas para todos os papéis, do poster boy Chris Hemsworth a estrelas emergentes como Ben Whishaw (o "Q" dos novos Bond), de certezas absolutas como Cillian Murphy a instituições unipessoais como Brendan Gleeson. In the Heart of the Sea era um daqueles filmes aos quais se passa um cheque em branco, um daqueles que escolheu quase tudo de olhos fechados... e que, no fim, era suposto render verdadeiramente pouco. Um daqueles blockbusters onde esperamos, tão só, ter a sorte de encontrar alguma vertigem e alguma catarse. Este, contudo, foi demasiado bem escolhido para o seu próprio destino. Com uma odisseia intemporal americana trabalhada a tantas boas mãos, dobraram-se as tormentosas probabilidades e o que temos, afinal, é um certo fascínio a espreitar a vários níveis.
In the Heart of the Sea não parte directamente da maior de todas as obras de Herman Melville, mas do livro bem mais recente (National Book Award for Nonfiction, em 2000) de Nathaniel Philbrick, sobre os factos verídicos que motivaram o histórico naufrágio do baleeiro Essex, em 1820, no coração do Pacífico, e que viriam a render a magnânima epopeia da baleia gigante e dos náufragos de 90 dias, imortalizada em Moby Dick. O grande acerto do filme, aquele que define o seu sucesso, parte sobremaneira disso: In the Heart of the Sea é verdadeiramente genuíno, porque conserva muito perto de si esses "factos verídicos" e a mística das transcendentais histórias de mar, de gigantismo, mito e sobrevivência. Alimenta-nos com isso, faz-nos crer, envolve-nos e sabe-nos contar uma história, pelo destrinçar do argumento, sim, mas, mais ainda, pelo contexto, pelo ambiente e pela felicidade ao romantizá-los, desde aquela chegada de Melville a Nantucket - o maior porto baleeiro do mundo no século XIX - para entrevistar a uma madrugada o último sobrevivente, com uma garrafa de whisky e um dose ainda maior de expiação. É um filme onde gostamos de estar, que desperta a criança curiosa, fascinada e impressionável que temos no coração, e é um filme bonito, por ter esse jeito em trazer-nos um clássico, quando era muito fácil desperdiçar-se completamente num vácuo de espectacularidades bacocas e efeitos especiais.
O filme é cativante, ainda que seja inevitável reconhecer que não estamos na presença de nada supremo ou refundador. É uma obra que essencialmente se acarinha, como boa história e património histórico, não quiçá reflexiva ou fabular, como encontramos, por exemplo, em Life of Pi, num filme da mesma água. Isso, no entanto, não lhe retira o mérito. A adaptação de argumento ficou a cargo de Charles Leavitt (autor do incrível Blood Diamond) e, se às vezes falta algum tacto a temporizar a acção, lá está, a dar-nos mais tempo para pensar, o que era verdadeiramente essencial, ou seja, o exercício de fascínio, ainda para mais num projecto deste tamanho, foi conseguido com distinção. In the Heart of the Sea não só não era um "filme de realizador", como a realização movia-se, aliás, num abismo perigoso, pela propensão em exagerar e se perder. Nesse campo, este estará longe de ser um dos melhores filmes da carteira insultuosamente luxuosa de Ron Howard, mas o oscarizado americano protege-o ou, por outra, evita que o estraguem. Existem ocasionais sequências demasiado artificiais e são patentes os sucessivos cenários de laboratório, mas o filme é bem mais púdico do que aquilo que se poderia esperar e essa é outra das suas vitórias.
Costumo ser bastante preconceituoso quanto a elencos de luxo, sobretudo se se destinarem a filmes deste tipo. Este tratou-se, porém, de mais uma saudosa excepção. Chris Hemsworth, com quem simpatizo, continua a construir uma carreira comercial relevante e abraça o lead com uma franqueza e uma empatia que lhe começam a ser imagem de marca. Cillian Murphy é o trunfo que queres sempre ter a teu lado. E, por fim, um filme com Brendan Gleeson tem como que uma responsabilidade moral de ser bom. O seu papel cirúrgico de último sobrevivente do Essex impinge de carácter tudo o resto e dá-lhe o peso dos grandes épicos. Tenho para mim que, quando se principiou a produção de In the Heart of the Sea, não havia sequer a ambição de fazer algo tão narrativamente envolvente e, quiçá, carismático. O feliz resultado é um dos bons filmes do ano e uma oportunidade generosa para mergulhar num das grandes histórias do nosso ideário contemporâneo.
7/10
Etiquetas:
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