Antes de mais, um ponto prévio: nunca nenhum filme Harry Potter vai ser tão bom como um livro Harry Potter, porque é impossível retratar, em 3 horas, o que encerra cada volume daqueles. Porque cada livro Harry Potter tem paralelo a si todo um mundo, toda uma massa temporal inseparável e indivisível e toda uma dimensão de história que é impossível reproduzir num filme só. Portanto, quando decidimos ver a abordagem dum universo destes no cinema, deve haver uma certa auto-moderação de expectativas. O filme pode ser bom, muito bom até, como filme, mas não vai ser como o livro. Claro que a ideia não é dissociar as coisas, nem ver o filme por si só, mas até é saudável não ir à espera de milagres.
Ao fazer esse tal balanço entre livro e filme, como o filme está condenado a ser, a nível de enquadramento, não deixa de ser verdade que este Harry Potter tem uma série de pontos fracos. É compreensível, pelo que já se disse acima, que Half Blood Prince não viva, como o livro, da relação Dumbledore-Harry, nem mergulhe, ao extremo, na figura de Tom Riddle, apesar de ser isso, verdadeiramente, o que faz do livro o que ele é. Percebe-se que o filme não possa ter essa densidade, porque não há tempo para isso. O que custa mais a engolir, é o tempo que se perde com romances e beijinhos. Com o Harry a engatar empregadas de bar, a se fazer a gajas na biblioteca, com o Ron às voltas constantes com uma histérica, com a Hermione picada e a chorar, tudo isto em prejuízo, por exemplo, de se privilegiar o verdadeiro auge do filme, ou seja, toda a cena da morte de Dumbledore, que acaba por ficar ali quase às três pancadas. É pena, até pelo que foi capaz de mostrar, como já direi a seguir, que o filme se tenha perdido tanto com isto. Depois, caem mal, também, uma série de pormenores. Não era preciso ter metido uma ponte a ir ao galheiro para dar o cheirinho de espalhafato, e não se percebe porque raio é que o Harry não fica paralisado na cena da morte, só porque sim. Também os Devoradores da Morte, a dada altura, se tornam quase numa trupe, com a Bellatrix à frente, o Fenrir ligeiramente atrás, e dois mascarados. Custava muito pôr uma ou outra carinha nova? A Bonham Carter, porque é uma actriz monstruosa, e pela própria personagem, tinha de estar. Sempre sempre os mesmos, é que não.
Agora, o que é inegável é que este filme se transcende e vai para além de todos os outros no que à dureza diz respeito. Apesar dos muitos escapes, é um filme que foi capaz de ser negro como mais nenhum, violento mesmo, o que permite que este faça jus ao negrume que o próprio livro transmite, de uma forma surpreendente. Arrisco a dizer, até, que a sequência da caverna, todo o seu incrível poder, é, provavelmente, a melhor que um filme Harry Potter já teve. Assim como a interpretação de Michael Gambon, como Dumbledore, catapultada por esses momentos, se torna em qualquer coisa de marcante, muito justamente à dimensão do próprio personagem. Por isso, por ser tão difícil apanhar um filme que nos faça sentir o livro, este é, apesar de tudo, de maneira indiscutível, um muito digno Harry Potter.