Comecei a gostar de ciclismo há uns 5, 6 anos. Na primeira vez que calhou de acompanhar uma competição praticamente do início ao fim. Vendo bem, não era só uma competição, nem sequer só uma das grandes. Era, na verdade, a maior de todas. O Tour, o mítico Tour de France, cuja dimensão pude experimentar, pela primeira vez, nesse momento. Tenho ideia de ter ouvido, algures, que, depois dos Jogos Olímpicos e do Mundial de Futebol, o Tour é a competição desportiva mais seguida a nível mundial, e quem já a seguiu percebe porquê. O ciclismo, aqui em toda a sua expressão, tem qualquer coisa de particularmente apaixonante. É um desporto de equipa, como quase todos, mas continua a conservar, como poucos, uma magia muito especial na criação de lendas. O futebol, por exemplo, tem muito mais a ver com talento, podemos admirar jogadores brilhantes e decisivos mas, no fundo, só lhe estamos a reconhecer o talento. O ciclismo, pelo contrário, tem muito mais a ver com sofrimento. E, se calhar, é essa a sua poesia. Com a força de vontade necessária para correr 200 km sozinho, escalar Alpes e Pirinéus, e ser o primeiro a cortar a meta. Podem-me dizer que há o doping, o incontornável doping, sempre presente, sempre a alimentar escândalos, mas esse diz-me pouco. Se calhar não tão pouco quanto isso (ainda me lembro, há dois anos, do gelo ao saber do controlo positivo do Landis, depois duma das mais fantásticas provas que já vi), mas continuo a acreditar que o ciclismo não é mais falso do que qualquer outra modalidade e que os grandes campeões são muito mais do que doping. No dia em que deixar de acreditar nisso, deixo de ver ciclismo.
No ciclismo do "meu tempo", um nome sobressaía, claramente, de todos os outros. Em todas as épocas há uma referência, mas tenho para mim que poucos o terão sido como Lance Armstrong. Era ele e os outros. Sempre. Uma, duas, cinco, sete vezes. Um ícone e um campeão, na verdadeira acepção da palavra. Alguém que, aos 21 anos, é campeão do mundo e se vê afectado por um tumor maligno para, ainda assim, conseguir voltar e ganhar sete Tours, só pode ter qualquer coisa que não é bem deste mundo. E Armstrong sempre foi especial. Via-se isso em cada subida, em cada ultrapassagem, em cada vitória. E em cada uma dessas em resposta às perseguições que cada vez mais lhe foram sendo movidas, à medida que ganhava. Sempre foi público que os franceses, habituados a uma escola de grandes ciclistas e a coleccionarem por casa muitos canecos, não iam muito à bola com ele. E que o acusavam, sistematicamente, de se dopar, alegando, até, que o tratamento decorrente do tumor, e os cuidados que lhe passaram a estar para sempre inerentes, podiam albergar "algo mais". A isso, Armstrong respondeu sempre na estrada. Como os grandes. A deixar, uma por outra, as acusações por terra. Um controlo negativo e uma vitória, sempre, sem parar. Sete vezes. Até que resolveu descansar. Tinha 34 anos e a imortalidade garantida.
Três anos depois, muitas coisas mudaram. Mas Armstrong, do alto dos seus 37 anos, decidiu que era tempo de voltar. Não sei se, como ouvi nalgum lado, quis provar a quem o continua a acusar de doping, que ainda está vivo e ainda pode responder. Ou se sente que ainda tem alguma coisa a provar. Ou se teve, simplesmente, saudades. Facto, é que Armstrong está de volta. A velhinha Discovery já não mora aqui, substituída por uma Astana muito instável, e o Tour já não tem a mesma credibilidade (por mais que isso custe), porque os últimos anos foram madrastos. Além de que ele já nem volta para ser o líder incontestado. Mas facto, é que está de volta. E, só para meter respeito, depois de três anos parado, até já foi 12º no Giro. Segue-se o Tour, a partir de amanhã, e ele não faz por menos: até já veio dizer que se desengane quem pensa que o objectivo é só o top10. Tenho de acreditar nele. Afinal de contas, não era a primeira vez que via Armstrong fazer coisas impossíveis.
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