quarta-feira, 2 de abril de 2014

Foi assim que aconteceu


Se fechar os olhos, ainda consigo imaginar-me a trautear a música do genérico numa noite gelada no Porto, entre cobertores, tarde e a más horas, com Faculdade na manhã seguinte. Não comecei a vê-la em 2005 e não continuei a vê-la até 2014, mas foi, sem sombra de dúvida, a série mais profundamente marcante da minha era universitária. Marcante não por ter sido a que mais me deslumbrou, não por ter sido aquela com que mais aprendi, mas pela sua desarmante colagem ao nosso ideário. Se calhar, as séries eternas são aquelas maiores do que nós; é, contudo, pelas que estão à nossa medida que nos apaixonamos. O How I Met Your Mother foi sempre uma do nosso tamanho. Palpável, contagiante e tão profundamente carismática nas suas infinitas particularidades. Não foi refundadora de um conceito, mas é inegável a vénia a todas as vezes em que foi tão bem foi escrita, tão perspicaz, genuína e tão criativa. Com tanta intimidade, tanta identidade e tanto grupo debaixo da pele.

Porque tive de consumir as primeiras temporadas por atacado - que foram sobejamente as melhores -, lembro-me de falar delas com um carinho desarmante, de todas as suas pequenas coisas que, ao longo do tempo, víamos e reconhecíamos como se fosse connosco. Da forma como uma série universalizava hábitos que desconfiávamos serem só dos nossos e como criou, muito mais do que isso, uma assinatura tão sua, concretizada em cada Intervention, num General Knowledge com continência, no Bro Code ou num qualquer Thanksgiving, da mesa do canto no MacLaren's ao imortal T2 com escada para o terraço. Falar naqueles bocados de dia-a-dia e no que eles valeram, nas lembranças e nas invenções, nas relações e nos rompimentos, do frenesim entusiástico e pueril até ao peso da maturação. No fundo, no tempo e no senti-lo passar, na vida da série e na nossa. E falar deles, claro, iconizados para todo o sempre no nosso imaginário, com a familiaridade surreal a que só as séries que marcam gerações podem aspirar.

Parei de vê-la há três anos, assim que me licenciei, porque tenho uma regra que é nunca prolongar uma série mais do que é devido, nunca poupar-lhe o golpe de misericórdia. No fim da sexta temporada, a realidade é que o auge já tinha passado e a série ameaçava arrastar-se indefinidamente num limbo doloroso. Perder a magia a cada mês era, pois, coisa que não podia permitir a algo que me trazia tão boas recordações. Ontem, porém, foi diferente, como tinha de ser. Agora que tocou o último sino, era inevitável voltar para prestar a minha respeitosa despedida. Se me perguntassem, teria feito quase tudo diferente: do derradeiro guião à edição, da narrativa individual ao desenlace. Isso, todavia, tem uma importância muito relativa, quando colocado na perspectiva de que ali se fechou um livro com uma década.

O que conta é que, durante aqueles 45 minutos finais, pudemos voltar a lembrar tantas coisas e a sorrir uma última vez com todas elas, porque as corremos juntos. Ao vermos as caras do primeiro episódio nos créditos, pensarmos como tem sido e como será na nossa vez, numa nostalgia do que já fomos e do que ainda vamos ser, na melancolia da camaradagem, das histórias únicas e irrepetíveis, da juventude sem data e da omnipresença - you've got to be there for the big moments -, até ficarmos com o vago aperto sobre a vida que muda e que separa, e sobre o que fica depois disso.

Não sei se algum dia o How I Met será equiparável ao Friends, à luz da História. Sei que, para mim, para a minha geração, teve com certeza esse alcance. E que, para nós, há algo que, por pequeno que seja, também ficou ali, com eles. É esse o tesouro da televisão.

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