sábado, 28 de julho de 2012

O último romântico


Ele é uma das razões por que aprendi a gostar tanto do ciclismo.

Sempre houve super-homens como Armstrong ou Contador, que idolatramos porque é assim que tem de ser, mas Vinokourov era outra coisa. A alegria de correr, o mais combativo e o mais atacante onde quer que estivesse, alheio à táctica, ao resultadismo e à disciplina e, por isso, quase sempre à parte das grandes vitórias. Vino sempre foi o ciclismo em estado puro.

Lembro-me de ser miúdo e dalguns dos meus primeiros grandes momentos de Tour serem ele, naquelas tardes tórridas de Julho, a subir sozinho as infindáveis montanhas francesas. Deixava-me esmagado. Ele não ia para ganhar, porque tipos como ele, com o coração e o gozo que ele sempre teve, não podiam ganhar. Vino sabia disso e abdicava disso. Ia pelo espectáculo, pela rua e pelas pessoas, ia sempre para ser o espírito daquilo. O tipo saído lá do Cazaquistão ou do fim do mundo, meio estranho e quase esquálido, a suar em bica sozinho, sem equipa e sem chances de acabar em primeiro, mas feliz da vida com o caos que causava, com a forma como chicoteava a corrida e torturava os favoritos uma e outra vez. Toda a gente sabia que não seria ele a subir de amarelo nos Campos Elísios, mas, até lá, Vino podia vencer qualquer um em qualquer dia.

Era como aqueles heróis dos filmes que lutam batalhas impossíveis, batalhas que não podem ganhar, sabem eles e sabemos nós, mas que adoramos mais do que os outros, pela paixão de as lutarem mesmo assim. Sempre o idolatrei e, sinceramente, não me lembro de mais nenhum tão espectacular como ele. Não falo de talento, de rendimento, de cultura ganhadora; falo exactamente de espectáculo, de coração, e de fazer as coisas pelo mais puro gosto, mesmo que isso não leve a vitória nenhuma.

Hoje, levou. A um mês de fazer 39 anos, e com o final da carreira anunciado, a providência resolveu ser justa para com tamanha altivez competitiva. Os últimos anos não foram fáceis, com o ocaso a chegar-se à idade, mas ter voltado a ver o velho Vino a responder a todos os ataques, a ironizar com todas as probabilidades, foi tão impagável como no primeiro dia. Há anos que os britânicos preparavam esta medalha de ouro para Cavendish, que não é menos do que lhe chamam - o melhor sprinter de todos os tempos -, mas era tudo tão perfeito que tinha de correr mal, e ninguém melhor do que o Joker para roubar a festa. Só mesmo ele para sacar assim uma coisa destas. Esta vitória é de uma beleza inenarrável. Por toda esta teia de finas impossibilidades, e, sobretudo, pela maior de todas, pelo ouro olímpico ser a antítese de Vinokourov. Não é suposto que sejam tipos como ele a ganhar.

Durante tantos anos, Vino correu contra toda a gente. Não podia ir embora sem correr contra o próprio destino. Mais ninguém merecia tanto sair assim.

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