sábado, 12 de janeiro de 2013

E se uma comédia romântica for o filme do ano?


Anteontem, quando foram anunciados os Nomeados aos Óscares, partiu o chão aos mais atentos: uma comédia-drama romântica tinha acabado de ser nomeada, não para uma ou duas, mas para todas as sete categorias mais emblemáticas da Academia. Não é que isso aconteça poucas vezes; a última que aconteceu foi há 31 anos (Reds, 1981), e quem o chancelava era um filme de requinte do Panteão de Hollywood. Restava, pois, ir ver. Depois de ir, e depois de crer, ainda lhe estou a dar graças: pela sombra das hiper-produções, e contra todas as probabilidades, uma comédia romântica está mesmo no cume do que de mais excelente se fez em 2012.

David O. Russell realizou e adaptou o livro do americano Matthew Quick (2008). O seu trabalho é extraordinário a todos os níveis, e vale, num género que não é treito a este tipo de consideração, um dos dois ou três trabalhos que marcarão mais pronunciadamente a sua carreira. Não se pode tirar mérito à obra-mãe, mas tê-la concretizado a esta altura, é tarefa de um argumento cuja adaptação nunca estaria ao alcance de qualquer um. A isso, junta uma realização eléctrica, que gosta de pormenores, com tanta vida e peculiaridades como o filme, com sensibilidade, bom gosto e grandes momentos, a que soma uma banda sonora espectacular. Por mérito próprio, O. Russell é um dos nomes grandes do ano.

Silver Linings conta a história de um ex-professor que está a sair de um hospital psiquiátrico. A sua jornada para subsistir às circunstâncias, inseguro, sozinho e perdido da realidade, até sarar-se e redescobrir-se, é um textos mais genuinamente bons que já vi. Pela forma como replica a essência das pessoas, as anormalidades que todos temos, a comiseração das relações, a nossa insustentável leveza, e o termos de nos aguentar pelos próprios pés, quando não há mais sustento nenhum, até termos a felicidade de descobrir um caminho qualquer. E o filme conta isso com uma pureza desmedida, desconcertante até, do protagonista que não tem nada a que se agarre, mas para quem "o final feliz" há mesmo de acontecer, se acreditar nele o suficiente. Até porque, para ele, é pensar assim ou morrer.

O filme cruza, digamos, três géneros, e é notável em todos eles. A matriz é a comédia, e o humor é impagável e imparável, psicótico, constrangedor, provocante, eminentemente inteligente, repleto de situações realisticamente estranhas, magicadas com dose e predisposição para nos porem a rir a tempo inteiro. No drama, tem uma subtileza magistral, omnipresente sem estar sempre a pesar, mas capaz de partir o filme em cacos nas suas descargas, materializadas em cenas verdadeiramente intensas, para dar um nó na garganta.

O romance, finalmente, é tão inortodoxo quanto profundamente sedutor e empático, com duas personagens perturbadas, mas nunca caricaturadas, a conhecerem-se no equilibrismo sem rede que é as suas vidas, a tocarem e a chocarem, e a passarem a ser alguma coisa juntos, mesmo que ainda não o fossem. Silver Linings é um filme adulto, inteligente e despretensioso, com a conclusão bonita de que toda a gente é fodida da cabeça à sua maneira, e de que a vida não é normal, não é senso comum, é tão estranha e retorcida como se possa imaginar, mas, que no fim, se quisermos fazer o certo dela, ela dá-nos qualquer coisa.

Bradley Cooper é excepcional, e faz o seu grande papel da carreira, coisa que já era só mesmo questão de tempo. É um deslocado da realidade, ora melhor com a vida, ora desfeito da cabeça, ora simplesmente a correr obcecado pelo que nunca poderia voltar a ter, com um jeito desleixado, quase sempre triste, mas abnegado e desafiante. Seria uma estampa por si só, mas a química estapafurdiamente natural que consegue ter com Jennifer Lawrence, a chama envergonhada dos dois, a recusa da atracção mútua e o toque da dança, levam tudo ao nível seguinte.

Jenny Lawrence é, para mim, a lead do ano, a meter num caixote ao fundo da despensa Jessica Chastain (Zero Dark Thirty), que parece, por esta altura, a grande favorita ao Óscar. Tem uma personalidade incontornável, uma presença que agarra e palpita em todas as cenas, e é perfeitamente cativante, entre a dureza áspera e uma delicadeza frágil e desconcertante (a que alia o facto de ser um total deslumbramento). Não é propriamente um acaso que, aos 22 anos, esteja já seja a sua segunda Nomeação.

Nada menos do que 20 anos depois, também o enorme De Niro vai voltar aos Óscares, e com toda a propriedade. A caminho dos 70, foi numa comédia romântica que um dos mais explosivos e icónicos de sempre se reencontrou, como um pai com uma capa forte, sem muito jeito, mas a fazer pelo melhor para cuidar de um filho que vê a fraquejar.

Silver Linings Playbook reinventa as comédias românticas. É um filme estupendo de uma ponta à outra, com um coração e uma riqueza intrínseca, sobredotado na fusão da comédia, do drama e do romance. Até agora, é o melhor que vi, de 2012, e tenho a certeza que virá a ser o filme mais unanimemente apreciado do ano.

9/10

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