sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Tarantino faz acção, os outros fazem outra coisa qualquer


Nenhum filme de Tarantino poderia ter sido feito por outra pessoa qualquer. Há filmes melhores que os dele, e esses filmes poderiam ser concretizados por um punhado dos melhores realizadores. Ninguém, porém, poderia fazer os de Tarantino. Tudo ali é tão plasmado do seu génio abusivo, das particularidades do seu imenso talento, da sua leitura e gosto inacompanháveis, que é como se o víssemos assinar cena atrás de cena. Foi assim há 20 anos, quando o colossal Reservoir Dogs lhe deu o pontapé de saída, e é assim hoje. Tarantino continua a ser o homem à parte, ele e os outros, e a inteligência do seu cinema gore de acção é um culto sem grande coisa que se lhe compare.

Como acontece, se calhar, com os mais especiais, não é para toda a gente. É preciso entranhar primeiro, deixar-se levar, beber o todo. Para quem estiver disposto, no entanto, Django é mais um filme estupendo, com o único defeito de estender-se para lá do que devia (dura 3 horas, e a própria história ressente-se). À parte disso, é um prato cheio do melhor humor retorcido, do texto mais politicamente incorrecto, da mais fina perversão, de uma amoralidade carismática, uma tensão surda e uma loucura e uma violência exagerantes e espectaculares, num western pré-Guerra Civil, sobre um escravo que surge no caminho de um caçador de recompensas, e que com ele fará par nos negócios, até que esse o apadrinhe na sua busca por vingança e pelo resgate do passado que lhe arrancaram. No fundo, gostar ou não de Tarantino é o pormenor que vem depois de reconhecê-lo como um mestre.

Se o Argumento Original é mais uma pérola da sua gloriosa galeria, que o empurra para o 2º Óscar da carreira na categoria, a Realização não fica atrás, e é impensável que tenha ficado fora das contas da Academia. Tarantino não é nem argumentista, nem realizador, é um criador na suprema acepção da palavra, e Django é um trabalho do mesmo quilate nas duas dimensões. Tarantino tem uma ideia para todas as cenas, acrescenta sempre mais um ângulo, mais um efeito, mais uma carta tirada da manga, e proíbe-as todas à vulgaridade. Em Django, como que coseu o filme a uma cena cheia de cada vez, explorando toda a riqueza visual que se possa imaginar, na sua criatividade sem paralelo. A par de Spielberg, é ele o Realizador do Ano, e é um crime que tenha ficado de fora da corrida. Além do poder da imagem, o filme ainda é pautado por uma banda sonora decalcada do melhor estilo dos spaghetti westerns e que é, no mínimo, perfeitamente sensacional, para ir sacar a correr, e que celebra um conjunto quase perfeito.

O elenco brilha todo à vez, dos principais aos secundários, o que é pouco usual. Di Caprio é o maior entre os maiores. Que poder tem o seu Calvin Candie, com o brilho dos alucinados, a envenenar de tensão todas as suas cenas, esteja dormente, com o seu sorriso falsamente pacífico, ou possuído nas suas descargas electrificantes. É absurdo que, também dele, os Óscares se tenham esquecido. Christoph Waltz é a personagem paradigmática de Tarantino. Uma espécie de joker que incendeia tudo à sua volta, sentimental sem o ser, estranhamente normal na sua anormalidade. E o austríaco volta a ser magnífico, bendita a hora em que Tarantino o descobriu.

Mas também Jamie Foxx merece mais reconhecimento do que tem tido. É ele o protagonista, afinal de contas, e nunca se secundariza. Tem estofo para ser a cara daquilo a todas as horas, não emocionalmente, como se poderia pensar, e como o papel nunca lhe pede, mas com um pragmatismo e uma agressividade impagáveis, potenciadas por um texto delicioso. Nos secundários mais fundos, L. Jackson faz o melhor papel em anos, na figura enervante e caricatural de um mordomo negro que idolatra brancos. Tem expressão e influencia a acção, não é só decorativo. Kerry Washington, mesmo com menos visibilidade, é um enganche feminino com sumo, não apenas simbólico.

Como qualquer filme de Tarantino, a materialização da acção em Django Unchained poderá ser coisa só para os apreciadores. O resto, porém, qualquer um deverá admirar: a realização, as interpretações, as nuances geniais do texto. 3 anos depois, ele voltou, e voltou a fazer um dos filmes do ano. Não sabe fazer de outra maneira.

8/10

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