quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Um erro histórico


"Ozil é único. Não há uma cópia dele, nem sequer uma má. Tornava as coisas fáceis para mim e para os colegas. Todos o deviam querer. É o melhor número 10 do Mundo."
Mourinho

O Real saiu de um ano pesado e precisava de expiação. Precisava de destruir para construir, e precisava, em suma, de mais uma aquisição intergaláctica que voltasse a baralhar a ilusão das pessoas. Nos anos de Mourinho, caro foi um defesa-esquerdo de 30 milhões. Não é sexy, e o Real precisa desesperadamente de o ser, todos os dias. Tem no seu código genético ser essa fábrica de sonhos, ser a catarse com que as pessoas fantasiam. Não correu tudo bem no Mourinhismo, longe disso, mas, nos últimos 3 anos, e para variar, o futebol foi mesmo a principal razão em Madrid. Menos circo, mais resultados. Em Chamartín, contudo, não se sabe viver assim. Acho que Ozil é o melhor resumo dessa Era. Chegou a Madrid como não mais do que um talento para polir, à semelhança de tantos outros. Hoje, dificilmente haverá alguém a rebater que não é ele o melhor 10 do mundo. Mesmo assim, saiu pela porta dos fundos, porque uma coisa é certa: o mago de Oz nunca poderia ser uma pop-star. E, como à mulher de César, ao Real não basta ser, é preciso parecer.

Achar que Ozil é um jogador muito talentoso é um erro de palmatória. Não é. Mesut é infinitamente melhor do que isso. É um predestinado. É uma perda incomensurável não pelo que fazia efectivamente - e se calhar as pessoas não têm noção de como era extraordinária a sua produção -, mas pelo que podia vir a fazer em qualquer momento. Pela fusão brutalizante entre qualidade, inteligência e rendimento. Nestes três anos, terão sido incontáveis os jogos que resolveu por ser tão melhor do que os outros. Não a marcar os 60 golos, mas a inventar 120 caminhos impossíveis para lá chegar. Não pelas dezenas de assistências que deu, mas pelas centenas que possibilitou. Ozil é o tipo de jogador insubstituível, não porque não haja outros muitos bons, mas porque, quando se ganha a lotaria, não se deita o bilhete fora para começar a jogar outra vez. É que, não é mal lembrar, sem um Ozil a meio, nem sempre há um Bale no fim. Ter Ozil em campo era como levar para dentro um feiticeiro e uma bola de cristal. A classe pachorrenta com que carregava a bola, o génio com que a dava, a ver muito antes e muito melhor do que quase todos, e a estapafúrdia qualidade técnica fizeram-me lembrar tantas vezes o maior que vi jogar, o mágico francês da camisola 5, que, um dia, também morou naquele miolo. Alguém que tenha visto Ozil vestir a merengue uma única vez e que o ache dispensável, não sabe nada de futebol.

O problema de Ozil, como já disse, foi só jogar a bola. No Madrid, mesmo quem o faz tão gloriosamente bem, não chega. O problema de Ozil é ter sido um galáctico que só custou 15 milhões. É ser o Nemo em vez de um Armani. É resolver os jogos todos sem ter de aparecer na ficha. Como o Mourinhismo, o problema de Ozil foi não ser sexy. E, por isso, não ter nada a ver com o Real. Mesut é um futebolista de outra casta e de outro tempo ou, senão, definitivamente para outro clube.

O Real achou razoável abdicar do seu rendimento incrível, porque as pessoas precisavam de novo pão e de novo circo. É assim que provavelmente perderá o próximo campeonato, com super-jogadores de dezenas de golos a atropelarem-se em campo, no expoente da única anormalidade competitiva em que o clube parece ser feliz. Já Ozil, depois de 3 anos aos holofotes do mundo, parte agora para um sítio onde nem pelo título poderá lutar. Uma coisa é certa, porém: o Real sentirá mais falta dele, do que ele do Real. E se o jogo nem sempre é grato ao talento, as pessoas são. O Arsenal de Wenger tem muitos defeitos, mas nenhum deles é ter alguma vez deixado de ser um santuário de bom futebol. Há coisas mais importantes do que ganhar ou perder, e Londres é um bom lugar para se ser feliz.