sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Captain Phillips. O regresso de um gigante


Fazer suspense com algo que já aconteceu na vida real será das coisas mais difíceis a realizar de forma fidedigna em cinema. Num argumento original, pode-se sempre inventar mais um compasso, mais uma nuance. Num 'verdadeiro' as cartas já estão todas na mesa. Se o primeiro reclama criatividade, o segundo só pode sobreviver com mestria. Captain Phillips é a prova de que, não raras vezes, a realidade pode-nos afectar ainda melhor do que a ficção.

O resultado final não é exactamente uma surpresa, ou o responsável não se tratasse de Paul Greengrass, que há sete anos já deslumbrara num registo parecido, então com United 93 (2006), a história do único voo sequestrado no 11 de Setembro que não atingiu um alvo civil. A mesma agressão emocional e o mesmo terror psicológico voltaram a ser filmados aqui com um nível elevadíssimo. Como o provou uma vez mais, o talento de Greengrass para dirigir histórias da vida real é ímpar. A forma como nunca se precipita nem é plástico, como consegue induzir um paz falsa, que conforta mesmo que saibamos que não vai durar, quais cuidados terminais, como conduz a tensão a conta-gotas, a tentar remediá-la, antes de finalmente a abater sobre as nossas cabeças, foi, de novo, todo um arranjo verdadeiramente brilhante.

Captain Phillips é um filme que parece 'normal' durante parte substancial do tempo, que não parece perigoso, porque nunca nos ameaça o suficiente. Temos quase a certeza com o que contar e sabemos que não pode ser muito maior do que isso. O facto do zénite da acção serem 4 escassos piratas numa lancha a assumirem mando de uma tripulação inteira num cargueiro mercante ilustra exactamente isso. Parece tudo relativo... e, no entanto, sem mudar nenhum factor de maior, o esmagamento final é de uma violência excepcional. Muito bom argumento adaptado de Billy Ray, ele que, além de Hunger Games, assinou o meu muito estimado State of Play (2009).

Na mesma ilusão perversiva, Tom Hanks insinua ir ocupar um papel meramente glorificado. Como se se limitasse a ir dar a cara pela chapa, ser posto à prova e subsistir com a coragem dos heróis. Mesmo numa fase já avançada continuava a estar amarrado a esses serviços mínimos. Dizem, todavia, que os melhores aparecem nos momentos decisivos; os últimos 20 minutos e, em particular, a sua incrível cena final não foram, portanto, menos do que o regresso formal de um dos maiores monstros de sempre. Diria que é impossível ficar emocionalmente indiferente à majestade da sua prestação. Não tem nada a ver com a execução técnica mas, antes, com uma autêntica humanidade em estado puro, tão incontida e vulnerável, tão 'real' que sobra muito pouco a dizer. Ata-nos a garganta e faz-nos experenciar uma compaixão integralmente genuína. Coisa, como é bom de ver, só ao alcance de uns quantos predestinados. Por fim, ainda vale a pena reconhecer o carácter dos piratas, que eram facilmente banalizáveis e que, em vez de serem parentes irrelevantes, vêm a contribuir de forma decisiva para o poder da acção.

Talvez Captain Phillips não seja um filme com que nos identifiquemos por instinto, porque tem características que o tornam numa peça particular, nomeadamente a paciência necessária para que o fim funcione. A sua concretização, no entanto, é inatacável e avassaladora, num primor de direcção e de extremo talento individual que os Globos de Ouro já reconheceram (nomeações Drama, Actor, Secundário e Realizador).

8/10

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