segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

I, Tonya: o que fomos e o que podíamos ter sido


É um dos bons registos do ano, um filme que apesar do carácter ligeiro e popular, se dá por bem empregue, e onde se destacam mais duas belas interpretações femininas da temporada.

I, Tonya conta a história da Tonya Harding, uma celebridade do desporto adolescente americano do início da década de 90, que foi vice-campeã do Mundo de patinagem artística, antes de cair em desgraça com o envolvimento, até hoje dúbio, num ataque à sua maior rival. Trata-se de uma personagem rica e bastante cativante, com escala a todos os níveis, seja em termos familiares, de personalidade ou mesmo afectivos. É uma figura que vai ao âmago do interior americano, ao qual faz uma homenagem, com modos singelos e humildes que valorizam a agrura desse património humano de uma forma, se nem sempre bonita, onde nem sempre existe beleza, pelo menos garantidamente honesta, respeitosa e redentora, na sua própria figura.

É um filme que se enraíza tanto na genuinidade da personagem, que porventura perde foco, ambição e noção do seu possível alcance. Tivesse, I, Tonya, investido num tom mais pesado, mais afectado e menos folclórico, teria sem dúvida apontado a patamares mais altos, porque tinha capacidade para isso. Numa curiosa analogia com a própria protagonista sobre potencial perdido, o rumo criativo acaba por modesto, e fica-se por um meio termo entre humor e crime que, no fim de contas, acaba efectivamente por lhe cortar as asas.

Quem pode dizer, com toda a propriedade, que contraria esse derrotismo é, pelo contrário, a própria Margot Robbie, que não só não vulgariza uma personagem quando era fácil fazê-lo, como assina a melhor performance da carreira, rematada com um crescendo final surpreendente, que lhe valerá certamente a merecida nomeação ao Óscar.


Com o Óscar quase garantido está, por sua vez, Allison Janey, a memorável CJ Cregg de West Wing, que depois da mala cheia de emmys, garantida pela melhor série de sempre, está quase, quase a chegar à Terra Prometida. É um papel distante do que lhe conhecemos, mas é um daqueles diamantes em bruto para as audiências. Mesmo a pedir um bocadinho mais de exposição e de preponderância, a sua aspereza inescrupulosa e ostensiva marca o filme e é como uma permanente ferida aberta à qual nunca paramos de reagir. Tem a passadeira estendida como Melhor Secundária do ano. Em termos individuais, uma última nota ao papel pequeno em tamanho, mas enorme a definir a pulsação do filme, do sempre extraordinário Bobby Cannavale.

I, Tonya entretém-se consigo próprio, às vezes até de forma pouco ortodoxa, e, se calhar também por isso, mantém-nos curiosos a tempo inteiro. No fim, cumpre inteiramente o seu papel, mas talvez não cumpra o seu inteiro potencial.

7/10

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