terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

The Favourite: a inelutável futilidade do ser


Desengane-se quem estava à espera de um filme clássico ou de ficção histórica particularmente formal, ou pelo menos, politicamente estruturada e glamourosa, ainda que o estatuto de recordista de nomeações aos Óscares pareça conferir-lhe um estatuto bem mais ortodoxo do que aquele que tem. The Favourite é o contrário e assume-se como uma das peças mais disformes e nebulosas da temporada, assente num devaneio muito próprio, de leitura particularmente peculiar. É uma peça histórica, na medida em que remete à Corte Inglesa do século XVIII, à guerra com a França e ao reinado de D. Ana, mas nem tanto, tal é a teia a que se entrega, abdicando de quaisquer objectivos mais ambiciosos, para centrar-se compulsivamente nas idiossincrasias das suas personagens, na pequena trama, nos pormenores dos pormenores, não no Estado, mas no Paço Real, não no Paço Real, mas no quarto da rainha enlouquecida, e assim sucessivamente, condenando a ação a uma inevitável irrelevância existencial.

A temporada 2019 trouxe-nos muitas maneiras diferentes de ver e fazer cinema, desde o musical de Star is Born e, sobretudo, de Bohemian Rapsody, à cinematografia de Roma ou à televisão de Vice. Desse ponto de vista, The Favourite é, sem dúvida, aquele que mais se aproxima de uma abordagem teatral, quer pelos modos excessivamente exagerados e dramatizados, quer pela troca da grande ação pelo palco mais pessoalizado, íntimo e trivial. A isso, não será estranho o passado ligado ao teatro do realizador grego Yorgos Lanthimos, que nunca esconde a sua inclinação burlesca na maneira extravagante como vai pintando uma história dominada por intrigas sussurradas, urgências corriqueiras e vontades mundanas. Isso não é suficiente, como se pode imaginar, para ter um filme extraordinário. The Favourite acaba por ser um filme profundamente redundante, na medida em que só ambicionou fazer propostas bastante fáceis de recusar.

A opção podia ter sido uma abordagem mais dura, ou mais trágica, ou mais violenta, ou ainda mais demente, podia-se ter progredido ou evoluído de alguma forma mas, em vez disso, o filme preferiu ser uma novela, um retrato boçal de poder e estatuto, sexo, ciúmes e traições, mas até nisso, sem ser demasiado contundente, mas o mais melodramático possível. The Favourite é, afinal, uma obra à qual escasseia propósito, sem muita razão de ser, porque aquilo que oferece é só um retrato grotesto, e de interpretação muito livre, de um período histórico não especialmente importante. É um exemplo completo de escolha da forma sobre o conteúdo, do qual se retém muito pouco ou nada para o futuro. Isto lesa o que vou dizer a seguir, mas o filme tem efectivamente algo acima da média: as mulheres do elenco. E uma, a espaços, brilhante: Olivia Colman.

A britânica, reconhecida mais recentemente pelo excelente The Night Manager, chega à maturidade da carreira como uma das estrelas da temporada e reclama a si todos os momentos verdadeiramente superiores do filme, parte dos quais até a solo, na condição de monarca perturbada, vulnerável, e até primária. É a minha favorita ao Óscar, o que é tanto mais sintomático, num filme que não faz assim tanto por ela. Mas Emma Stone e Rachel Weisz também estão bastante bem e compõem um ramalhete que tem nas interpretações o seu único grande ponto. Weisz, mais experiente e se calhar com os únicos laivos crus e consequentes do filme, na frente de Stone pelo Óscar, esta tão energética e voluntariosa como sempre mas, neste caso, se calhar a esforçar-se um pouco demais.

The Favourite não é mais do que um luxuoso fait-diver, num ano em que, globalmente, faltaram propostas mais coesas que permitissem premiar filmes inteiros, e não pequenas partes deles.

6/10

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