sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O primeiro peso pesado


Já o era antes de ser, mas não deixou os créditos por mãos alheias: além de espantoso, Black Swan é mesmo um dos filmes do ano.

Confesso que não é um daqueles casos pelos quais nutro uma devoção instantânea, talvez porque é uma obra desprendida das coisas, e que se torna um tanto ou quanto distante, de imponente, perdendo alguma química no caminho, por assim dizer. Mas é, a nível estético e artístico, uma obra absolutamente extraordinária, que, com uma ou outra linha antecipável para a majestade do quadro final, consegue deslumbrar não só na percepção de obra finalizada, mas praticamente a tempo inteiro.

Black Swan é um filme sobre disputa, inveja e a doentia necessidade de conseguir, mas também sobre inocência perdida e afirmação, sobre medo, os nossos fantasmas e os sonhos dos outros, mas, sobretudo, sobre transcendência. E cruza tudo isto duma maneira sombria, e propositadamente violenta, para tecer a crueza que constitui o único caminho para a perfeição.

The Wrestler, o filme emotivo, fê-lo Aronofsky há dois anos. Este, por sua vez, é um tratado de realização, um exercício do mais puro devaneio genial à solta, que deixa no ar aquela sensação de que o realizador, mais do que assinar, inventa ali coisas, que dificilmente poderiam ser concebidas num argumento. Black Swan fala muito do saber expressar, do sentir, e do surpreender, e o realizador trata a tela como um palco, onde tudo é emocional, onde tudo é uma grande mancha de mensagem, repleta de significado, que nos abalroa e corta a respiração. Talvez mais até do que o próprio filme, Darren Aronofsky é um candidato gigante a Realizador do Ano.

Por fim, Natalie Portman. É, para mim, a maior da actualidade, e teve finalmente o seu momento. O desempenho é, tão simplesmente, perfeito. Não menos do que isso.

Black Swan é esmagador.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Good Will Hunting

Quo vadis?

Não sei se viram, não sei se não. No dia 26, a TVI pariu, no seu programa do Domingo à noite, um dos momentos mais horrivelmente maus que alguma vez vi na televisão portuguesa. Não vale a pena estar aqui a moralizar com dialécticas estúpidas nem com puritanismos, porque eu também vejo a Casa dos Segredos quando calha, e volta e meia aquilo até pode gerar uma curiosidade razoável, apesar de já se ter perdido há muito a pureza do impacto duma lenda como o Big Brother. Há naquilo muitas coisas muito más, mas acho que nunca se tinha violentado os mínimos do tolerável.

No Domingo, fez-se com que os concorrentes pudessem estar com pessoas que lhes são queridas , e com quem, no mínimo, já não estavam há 3 meses, no decurso do jogo e da pressão do jogo. O absurdo começou quando, por exigências dum directo que não tinha razão de existir, se fabricaram esses reencontros ali, no momento. Pessoas que no jogo têm de proteger segredos, ali a chorarem e a mendigarem por uma centelha de intimidade, ostensivamente negada por um directo esfomeado, para alimentar o povão curioso. Para cúmulo, numa conversa o mais sussurrada possível, num encarecida súplica muda por qualquer farrapo de privacidade concebível naquele momento, tivemos a apresentadora a dizer: "Fale mais alto, mais alto, no estúdio não conseguimos ouvir" [a puta da conversa com uma sobrinha longe da vista há meses].

É grotesco. Claro que quem lá está sabia ao que ia, mas haver 2 milhões de pessoas que garantem as audiências daquilo avidamente, a tempo inteiro, é quase assustador. Por acaso estava lá num intervalo e, no fio de dignidade que me sobrou, voltei à concorrência para ver publicidade. No dia em que se perder o nojo de vez, não sei o que será do entretenimento da nossa televisão generalista. Mas já estivemos mais longe.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A equipa do ano

Júlio César (Inter); Maicon (Inter), Lúcio (Inter), Piqué (Barcelona) e Zanetti (Inter); Müller (Bayern), Xavi (Barcelona), Sneijder (Inter) e Messi (Barcelona); Milito (Inter) e Forlán (Atlético)

Banco: Casillas (Real), Puyol (Barcelona), Lahm (Bayern), Schweinsteiger (Bayern), Iniesta (Barcelona), Robben (Bayern) e Villa (Valência/Barcelona)

Treinador: Mourinho (Inter/Real)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Os aposentados


Parece, durante boa parte do tempo, relativamente melhor do que é. Red é um filme de acção divertido, que nunca procura ser mais do que isso, mas, a dada altura, pareceu residir no seu devaneio uma certa criatividade, uma certa linha mais definida e uma piada mais genuína. No fim, não é essa a ideia que fica. Fica um filme muito porque sim, sem argumento e de risco zero nas bilheteiras, que não é intragável nem nada que se pareça, mas ao qual o elenco de consagrados dá e sobra para fazer os serviços mínimos.

Felizmente, ao contrário do que acontece muitas vezes nestes casos em que é tudo fácil, o elenco de absolutos nomes grandes segura efectivamente o filme, com a tremenda Helen Mirren à cabeça, bem secundada por um Malcovich lunático.

Era fácil ter sido pior, foi pena que, como mostrou ser possível, não tivesse sido bem melhor.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Só uma ou duas coisas sobre a Bola de Ouro

Escrevi por cá há tempos que, logo no ano em que o Melhor do Ano FIFA se funde com a mítica Bola de Ouro da France Football, achava que era do interesse de toda a gente que o prémio fosse o mais credível possível, e estivesse colado à realidade. Desconsiderei, absolutamente, que, ao contrário do júri de especialistas e jornalistas que era o modus operandi da France Football, o prémio FIFA se decide consoante os votos dos seleccionadores e dos capitães das selecções desse Mundo. Não há poles, não há presenças obrigatórias e não tem de haver lógicas.

Vai daí, quando a Gazzetta dello Sport avançou o furo de que o trio candidato a Melhor do Ano era Xavi, Messi e Iniesta, com Forlán, Robben e, acima de todos, Sneijder de fora, o choque nem foi assim tão grande. Disse-se também que o vencedor será Iniesta, o mesmo que passou toda a 2ª metade da última época lesionado. Nem sequer deverá ir para Xavi, o único legítimo adversário do desterrado Sneijder, nem para Messi, o melhor do Mundo, há de ir para quem marcou o golo na final do Mundial, porque sim.

Hoje, contudo, a palhaçada engrossou ainda mais. Quem se prepara para ser considerado Treinador do Ano é Del Bosque, porque ganhou 6 jogos e foi Campeão do Mundo, com uma equipa feita por outro, e não Mourinho, que teve de fazer 58 jogos, sim, cinquenta e oito, e ganhou todas as competições que jogou: Campeão italiano, com Taça, e Campeão Europeu, num clube para quem não existia Europa há quase 60 anos.

Apesar do seu processo de eleição arcaico, a FIFA até tem seguido a escolher vencedores pouco contestáveis, adequados ao ano em causa. Se na época em que capa à Bola de Ouro a objectividade e a concorrência, a FIFA optar por uma palhaçada como esta, Blatter e companhia passarão a si próprios um redondo atestado de falta de honestidade intelectual, cuja única consequência palpável será o desprezo de qualquer pessoa com dois dedos de testa. Porque até a FIFA devia saber que, na sua cruzada intemporal por se vender o mais bonita possível, há limites para a falta de vergonha na cara.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A is for Awesome


Easy A é provavelmente das comédias-romance mais bem conseguidas do ano. Como quase sempre, porque é criativa. Tem o Secundário, o Liceu, os preconceitos, os boatos e tudo mais, mas também tem uma abordagem fresca e divertida, sem morais muito chatas e, especialmente, sem a sensação de que já vimos aquilo tudo nalgum lado. A juntar a isso, a estória romântica é francamente bem desenhada, e é das melhores que me lembro de ver neste género. É suave, delicada, e não é determinada à choramingas desde o minuto 1, como costuma ser tão insuportável.

Funciona também, porque a simbiose entre os protagonistas, Emma Stone e Penn Badgley, é excelente, quase genuína, o que está longe de ser fácil de conseguir. Emma Stone, ruiva de olhos verdes, é um deslumbre, e tem tanto mais interesse pelo carácter da sua personagem ser tão lúcido, provocador e bem-humorado. É um dos achados do ano. E como se não bastasse, nos secundários, grande show de um "casal" habituado a outras coisas, Patricia Clarkson e Stanley Tucci, que têm o texto mais delicioso de todo o filme.

Se a predisposição for um filme leve, divertido e bem inventado, vale a pena pegar em Easy A.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A cidade


De coisas mais ligeiras como os Oceans, até obras tremendas como Inside Man e Heat, tenho uma certa paixão pelo que podem ser descritos como filmes de ladrões. Não é preciso ir à psicologia para absorver a beleza e a romantização daquilo. Filmes de ladrões são sempre um obrigatório, e The Town fez-me salivar desde a primeira vez que o vi. Sem sequer falar do elenco colossal, e correndo o risco de me fiar em trailers exuberantes por definição, aquele gritava alto.

O primeiro apontamento que posso fazer sobre o filme tem exactamente a ver com isso: a cadência que deslumbra no trailer não é uma coisa desenhada para esses dois minutos e meio, mas antes o ritmo da própria película em si. Affleck, depois da aclamada estreia em Gone Baby Gone, investe aqui num filme muito ritmado, que abusa da edição para abanar uma acção que já seria sempre mexida. E funciona mal. Em muitos momentos das quase duas horas de filme, a ideia de atordoar tornou-se num atropelo, resultado dessa realização um tanto ou quanto turva.

Ao argumento, co-escrito pelo mesmo Ben Affleck, que já ganhou Oscar na modalidade (Good Will Hunting, 1997), também se exigia mais. Há muita coisa feita nisto dos filmes de ladrões, muitos lugares-comuns, e se um ou outro até pode ser tolerável, construir a narrativa sobre eles não é. E o pior foi a simplicidade constrangedora com que se inventou a óbvia história de amor, arrasadoramente a seco.

Ao nível do cast, as coisas melhoram. Jon Hamm parece directamente saído de Mad Men, e não funciona, e Rebecca Hall podia estar mais forte, porque é uma das melhores da actualidade, mas o elenco é tão farto em qualidade, que garante o sucesso. Jeremy Renner, acima de todos, é fantástico, e leva o filme às costas com uma interpretação crua e visceral, oposta a todo o romantismo que costuma estar associado a estas coisas. Affleck também faz coisas bastante boas, mas é prejudicado, ironicamente, pela sua manifesta pobreza nas cenas amorosas, onde nunca escapa às posturas-cliché de menino bonito. Uma última nota para os secundários, nada menos do que Chris Cooper e Pete Postlethwaite, e ainda a belíssima Blake Lively, uma agradável surpresa.

Passe tudo o que critiquei, The Town não deixa de ser um filme que vale a pena ver. Tinha potencial para ser bastante melhor, e é nessa óptica que lhe saliento as falhas, mas além da génese cativante e do óptimo elenco, tem um contexto muito bom (a herança intrínseca do crime em Charlestown, Boston), um fim com qualidade, pormenores de realização/fotografia muito bonitos, e uma simbiose de alto nível - a interacção entre Renner e Affleck - que garante cenas de grande qualidade, as melhores do filme.

As enormidades que este miúdo anda a crescer, no FM edição especial Wenger



Nasri, a bisar assombrosamente, e a dar a liderança da Premier League ao Arsenal (2-1 ao Fulham)

sábado, 4 de dezembro de 2010

Claro que o Barça é que é romântico, e que foi injustiçado hoje, e que mesmo assim largou 3, mas sobrevivência foi noutro lado

Absurda a situação a que foi sujeito o Barça hoje, em Pamplona, e grande resposta da equipa em campo, a consumar o drama com final feliz.

Ainda assim, bem mais custosa a vitória do Real, depois dos eventos recentes. Num jogo duro, mais por incapacidade própria do que por obra dum Valência que até tem qualidade, valeu outro bis fantástico de Ronaldo, que, pese esses retumbantes 5-0 que vão assombrar cada dia do ano do Real, continua a fazer uma época assombrosa a nível individual. O Madrid precisará dele como nunca, nos próximos tempos, para acreditar que ainda é possível.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Scala & Kolacny Brothers

Este coro de meninas belgas, conduzido e acompanhado ao piano por dois manos de nome Kolacny, saltou para as bocas do mundo quando sonorizou o trailer do fresquíssimo The Social Network, com uma cover da lendária Creep, dos Radiohead. A coisa é tão poderosa, que ontem lá fui ver o que mais esta boa gente andou a fazer, e só tenho a dizer que o produto é bom. Muito, muito bom.



Um profissional

Mithrandir


Estou estupidamente deslumbrado com ele.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

So fluffy


Foi uma boa surpresa. Era muito fácil que o filme se ficasse nos bonecos fofinhos, e que se perdesse na mediania e na sombra que, por estes dias, é o lugar de quase toda a Animação que não é Pixar. É verdade que, a nível de narrativa, continua a não haver comparação com os gurus da Califórnia, e Despicable Me não é excepção. O mérito da produção da Universal é, contudo, perceber isso mesmo e fugir às comparações, e não tentar jogar de igual com a Pixar, como a Dreamworks tenta fazer tantas vezes (quase sempre sem sucesso).

Despicable Me é um filme desconcertante no bom sentido, colorido e enternecedor, e desenha uma acção onde tudo é permitido e possível. Não se prende a lógicas, e explora a dimensão onírica da banda desenhada mais tradicional, onde as quedas, os choques ou as explosões não têm sequer de fazer sentido. Tudo isto se tolera pelo facto do filme ser tão despretensioso, e o tom ternurento e puro, mais do que condescender, leva a um riso genuíno.

O filme tem pouco de Pixar, e se quisermos avaliar por essa bitola, é preciso reconhecer que a essência do conto em Despicable Me é linear, ou fácil. Para mim, porém, há espaço para muita coisa na Animação, e o filme de Pierre Coffin e Chris Renaud é uma ideia boa, inteligente e bem levada, que conquista o seu espaço com todo o merecimento. Foi uma boa surpresa.

Lugar aos novos

O primeiro Mundial transcontinental e no Leste, e o primeiro no Médio Oriente. Política, economia e conspirações à parte, fica bem entregue.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

370 anos a não precisar de esmolas

10 anos depois, estamos outra vez na corrida para organizar uma grande competição internacional.

Então como agora, a polémica não ficou à porta: em 2000, acreditava-se que organizar o Euro, quatro anos depois, era perfeitamente megalómano, que dez estádios novos não eram sustentáveis, e que estávamos a sonhar muito para lá das nossas possibilidades. Hoje, a falta de dinheiro, definitivamente mais grave do que nessa altura, está outra vez na ordem do dia, mas o maior dilema até é outro. Ao contrário de 2004, este não é um projecto só por nossa conta. Desta vez, ao contrário até de qualquer parceria normal, a ideia nem é que fique a meias. A ideia é termos 19 dos 64 jogos, termos 3 dos 12 estádios, e não termos nem abertura, nem final.

Em 2004, mesmo perante todos os caminhos sinuosos que se percorreram desde aí, provou-se que o sonho estava certo. E fizemos algo que a própria UEFA considerou não ter comparação.

A ganharmos amanhã, talvez em 2018 sintamos qualquer coisa parecida. Talvez reconheçamos que não fazia sentido admitir a falta de dinheiro e reclamar, ao mesmo tempo, de "estarmos" pouco, e percebamos que isto era injusto, e que existiam vantagens em metermos o nosso nome na candidatura como iguais, quando no fundo só lá estávamos a menos de 30%. Talvez o meu eu de 27 anos veja como hoje estava a pensar pequeno, tanto como os que quiseram impedir o marco que foi 2004, e como todos aqueles que desprezo por sonegarem o risco e a ousadia que nos pode fazer verdadeiramente grandes. Ainda por cima em tempos difíceis, quando só se lembram de nós pelas piores razões.

Amanhã, contudo, não vou estar a torcer. Irrita-me estar ao lado de espanhóis, e irrita-me ainda mais nós termos o crédito todo em organização, mas isto ir ser o Mundial deles, 70% deles, no qual estamos prontos para ser só o parente pobre, como tanto lhes apraz. Irrita-me que, nesta "união de povos", a chefia da candidatura seja a Federação Espanhola, e que nisto dos "hermanos", eles vão ter 8 ou 9 cidades envolvidas, e nós 2. Por mim, perdiam amanhã (eles, que isto tem pouco de nosso), e juntavam a derrota às lembranças do pós-1 de Dezembro, abaixo da Restauração que lhes enfiámos há quase 400 anos. Para consolo marcávamos mais um amigável, este em Madrid, para termos mais hermanos a ver, e íamos lambuzar-nos outra vez a humilhar o campeão do Mundo.

Depois de termos feito SOZINHOS "o melhor Euro de sempre", só posso desejar que amanhã o destino lhes meta as esmolas e as suas infinitas boas intenções onde melhor lhes convier.