domingo, 5 de dezembro de 2010

A cidade


De coisas mais ligeiras como os Oceans, até obras tremendas como Inside Man e Heat, tenho uma certa paixão pelo que podem ser descritos como filmes de ladrões. Não é preciso ir à psicologia para absorver a beleza e a romantização daquilo. Filmes de ladrões são sempre um obrigatório, e The Town fez-me salivar desde a primeira vez que o vi. Sem sequer falar do elenco colossal, e correndo o risco de me fiar em trailers exuberantes por definição, aquele gritava alto.

O primeiro apontamento que posso fazer sobre o filme tem exactamente a ver com isso: a cadência que deslumbra no trailer não é uma coisa desenhada para esses dois minutos e meio, mas antes o ritmo da própria película em si. Affleck, depois da aclamada estreia em Gone Baby Gone, investe aqui num filme muito ritmado, que abusa da edição para abanar uma acção que já seria sempre mexida. E funciona mal. Em muitos momentos das quase duas horas de filme, a ideia de atordoar tornou-se num atropelo, resultado dessa realização um tanto ou quanto turva.

Ao argumento, co-escrito pelo mesmo Ben Affleck, que já ganhou Oscar na modalidade (Good Will Hunting, 1997), também se exigia mais. Há muita coisa feita nisto dos filmes de ladrões, muitos lugares-comuns, e se um ou outro até pode ser tolerável, construir a narrativa sobre eles não é. E o pior foi a simplicidade constrangedora com que se inventou a óbvia história de amor, arrasadoramente a seco.

Ao nível do cast, as coisas melhoram. Jon Hamm parece directamente saído de Mad Men, e não funciona, e Rebecca Hall podia estar mais forte, porque é uma das melhores da actualidade, mas o elenco é tão farto em qualidade, que garante o sucesso. Jeremy Renner, acima de todos, é fantástico, e leva o filme às costas com uma interpretação crua e visceral, oposta a todo o romantismo que costuma estar associado a estas coisas. Affleck também faz coisas bastante boas, mas é prejudicado, ironicamente, pela sua manifesta pobreza nas cenas amorosas, onde nunca escapa às posturas-cliché de menino bonito. Uma última nota para os secundários, nada menos do que Chris Cooper e Pete Postlethwaite, e ainda a belíssima Blake Lively, uma agradável surpresa.

Passe tudo o que critiquei, The Town não deixa de ser um filme que vale a pena ver. Tinha potencial para ser bastante melhor, e é nessa óptica que lhe saliento as falhas, mas além da génese cativante e do óptimo elenco, tem um contexto muito bom (a herança intrínseca do crime em Charlestown, Boston), um fim com qualidade, pormenores de realização/fotografia muito bonitos, e uma simbiose de alto nível - a interacção entre Renner e Affleck - que garante cenas de grande qualidade, as melhores do filme.

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