quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Whiplash. Doentiamente, genial


É adrenalina, mas em overdose. Uma pulsação pasmante, agonizante, incontrolável. Um ataque de pânico qualquer. É para acabar de ver e procurar a bomba de ar mais próxima, qualquer coisa que evite a taquicardia que por essa altura deverá estar iminente. Whiplash é um monumento, tão doentio quanto genial. Pensem num filme em contra-relógio. Pensem num drama realizado como um filme de acção. Sem tempo para pensar, só para sofrer e tentar respirar pelo meio. Em Whiplash, cada minuto foi idealizado para ter um efeito, para provocar uma reacção. É, sob todas as metáforas possíveis, um portentoso trabalho de orquestra, uma 5ª sinfonia possuída por um demónio acordado 1 hora e 40 minutos. O mais espantoso não é a intensidade, é o tempo que ela dura. Whiplash é um concerto esmagador para ovacionar de pé.

O léxico da introdução não foi escrito por acaso: a fusão de fórmulas, no filme, é realmente fascinante. Whiplash conta a história de um aspirante a músico, um baterista clássico na mais exclusiva de todas as escolas, aquela onde todos queriam estar, morada do homem que todos sonhavam impressionar. Um psicopata visionário, capaz de tudo para que os seus alunos desvendassem o seu verdadeiro potencial. Não é, de todo, comum encontrar uma peça fílmica tão incrivelmente coesa, isto é, uma realização que comungue tanto, pela forma, a mesmíssima narrativa que trata como conteúdo. Não é comum e não me parece que seja muito possível. Mas olhamos para Whiplash e vemos não um, mas dois ou três canais a contar a mesma coisa. A música - bendita sonorização, bendita banda sonora -, a electricidade e a exaltação, na trama, nas performances e na realização. Whiplash é um produto realmente excepcional. Honra e glória de um puto chamado Damien Chazelle, 29 anos, que inventou, escreveu, realizou, dirigiu e tudo o mais que lhe queiram creditar. Que tenha falhado os Globos de Ouro é aberrante. Que possa falhar os Óscares, uma tragédia. Damien Chazelle é o melhor realizador do ano. Lembrem-se do nome.

Os melhores filmes têm o hábito perverso de sugerirem que foi tudo fácil. A um texto fantástico, a uma realização brilhante, juntaram-se ainda duas daquelas performances para nos sentarmos e agradecermos. Para querermos pagar o bilhete. Miles Teller é um fenómeno. Muito poucos actores na casa da vintena de anos conseguem inspirar aquele respeito, aquela seriedade natural, tão comprometida com o papel, que logo nos esquecemos da idade, porque ele ignora esses teoremas e obriga-nos a concentrar-nos somente no que ele está a fazer. Era um papel que, nas mãos de outro, poderia facilmente ser cansativo, desgostoso, pouco crível. Não com ele. Teller faz ruir o ecrã com uma performance própria de um colapso nervoso, sempre em agonia, sempre no limite, na hipertensão e na superação. A sua jornada é uma droga, uma proposta irrecusável que nos cola ao ecrã de olhos tão arrebanhados como Kubrick um dia imaginou a sua Laranja Mecânica. As pistas estão todas aí. Não será este ano, mas a glória é só uma questão de tempo.

Para JK Simmons, por sua vez, já tem mesmo data marcada: 22 de Fevereiro de 2015. Após embrulhar toda a temporada dos prémios, será esse o dia de reclamar o seu inevitável e inquestionável Óscar. Um longo caminho percorreu ele, da histórica figura paternal que aprendemos a acarinhar em Spider-Man e até em Juno... mas que aqui, mais do que reinventar-se, transforma-se verdadeiramente, tão negro como o traje de que não abdica, concebido algures entre um manicómio e o Inferno. Simmons é um filme de terror dentro do próprio filme, uma figura que nos inspira realmente medo, por mais distância que queiramos manter. Não há ali nada empático, nada redentor, nada que nos vá surpreender. Simmons é todo ele a raiz do mal, multiplicando cena sobre cena a um nível quase inalcançável. Um verdadeiro recital.

Whiplash é das surpresas mais sensacionais a que vão assistir este ano. Não chega saberem que é bom, porque não vão estar inteiramente preparados para o que verão a seguir. Que haja justiça no mundo e que o dignifiquem amanhã com a Nomeação a Melhor Filme.

8.5/10

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