quinta-feira, 30 de maio de 2013

Comédias 12/13, o pulso final


Uma brutalidade, é o que é The League. A primeira temporada, num 2009 já distante, foi tépida. Parecia que aquecia, mas ainda não se tinha a certeza. Daí até Dezembro do ano que passou (season 4), foi uma escalada a correr. Não será injusto dizer que a história do dia-a-dia de cinco amigos trintões obcecados com uma fantasy league melhorou de temporada para temporada, e que está naquilo que se pode bem chamar um auge. É tão boa, tem tantas idiossincrasias, tantas piadas em verosimilhança com o que acontece nos melhores grupos de amigos, sem baboseiras, nem lições de moral, que se consome autenticamente a si própria. É um luxo e é imperdível.

New Girl confirmou tudo o que anteviu no início e foi, no mercado mainstream, a jóia da temporada. Tratou com charme e sem complexos a trama principal, e isso assegurou-lhe uma temporada cativante de princípio a fim, que se completou, como é óbvio, pelo resto do seu excelente universo. É carismática, tem uma frescura sem esforço, e arrisca sem nunca ser lírica demais, o que, no mínimo, terá de se reflectir no seu regresso a concurso para Comédia do Ano (coisa que foi, de facto). Depois do reconhecimento para Zooey Deschanel e Max Greenfield em nomeações (emmys e globos), também é hora de haver olhos para o nível do lead do grande Jake Johnson.

Big Bang começa a dar os sinais do tempo, agora que todas as personagens já estão absolutamente esgotadas, e que se sabe quase sempre o que esperar. No dealbar da 7ª temporada, avança para um ocaso claro, e, infelizmente, não parece nada expectável que possa reinventar o que quer que seja nesta fase. Modern Family continua no registo de sempre, e não evita algum desalento por isso. É a série mais pessoal nos temas, a mais fundista em maturidade, e possivelmente a mais bem escrita numa perspectiva geral, que não necessariamente cómica, tendo o palmarés de galardões a falar por si. Com o passar dos anos, no entanto, nem se esforça por carregar menos na sua seriedade emocional, e conservar a centelha que ocasionalmente demonstrou. É uma série que vai perdurar, mas com a qual é cada vez mais difícil criar uma certa militância.

Finalmente, Californication. A ter ido com a season 5, e teria acabado à sua altura. Mais um ano... e voltou o loop. Continuamos a ver porque sim, porque é impossível não empatizar com o que ela representa, porque Duchovny continua a ser um ícone, e porque, à semelhança do seu personagem, há ali tanto potencial condensado que, nunca se sabe, pode sempre surgir um lance de génio. Certo é que já não faz sentido e que, daqui para a frente, só se vai continuar a vulgarizar. Há que acabar o quanto antes, e essa é a única forma de honrar o seu notável ideário.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Champions 12/13: Os melhores do ano


1. Lewandowski
2. Ronaldo
3. Muller

Weidenfeller; Lahm, Thiago Silva, Dante, Alaba; Reus, Bastian, Muller, Robben; Ronaldo, Lewandowski.

Neuer, Demichelis, Gundongan, Vidal, Ribéry, Goetze, Ibra.

Treinador: Jurgen Klopp


Equipa-revelação
Caballero; Piszczek, Varane, Subotic, Schmelzer; Verratti, Matuidi; Lucas Moura, Isco, Pastore; Ylmaz.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O coração e o génio


Acreditei que o Borussia podia ter ganho, com aquela certeza de quem quer realmente que uma coisa aconteça. No campo, a Kloppologia fez jus à minha fé. Esteve lá, esteve quase, nos pés do Lew4, do Kuba, do Reus, todos a bombardearem a área protegida pelos tanques, e depois por um maior do que eles todos, português de primeiro nome, gigante de segundo, Manuel Neuer. Foi um jogaço e foi aberto, claro que sim, e o suspeito do costume não andou lá a vender milagres a solo. Do outro lado, bem se viu, esteve um senhor chamado Weindenfeller. Mas isso já se sabia, era como tinha de ser. A porta ao sonho fechou-a Neuer, tão gelado e providencial como sempre, qual ciborg a cumprir um guião, averso à paixão subversiva que as bancadas do Westfallen canalizavam em pleno Wembley.

Com o correr do jogo, o Borussia sentiu a vida a ir-se, ao passo que o Bayern, qual Dementor, ficava mais e mais predador. Quando o velho Roman voou a ir buscar o último torpedo de Schweisnteiger, porém, pareceu definitivo. A vitória era aquilo. Não seria na poesia dum circo a incendiar, mas o Borussia ia ganhar pelo desgaste. Com o rival a suar frio na meia-hora seguinte, e a ter os fantasmas todos a engoli-lo nos penalties. Tivesse chegado o minuto 90, e o Dortmund teria ganho. Talvez porque soubessem disso, os homens de Heynckes correram o que tinham e o que não tinham nesses últimos minutos. Como se, para eles, o jogo acabasse mesmo ali, e em vez de prolongamento, só os esperasse um longo e inelutável abismo.

De todos os desenlaces possíveis, o desfecho de última hora só podia ter morado nas botas daqueles dois grandíssimos futebolistas, há tantos anos a fazerem mais do que o necessário para merecer o seu lugar: o Scarface, com dois toques tão mínimos quanto portentosos, a endossar a bola em ambos os golos; e, claro, o Homem de Cristal, logo ele, destinado a passar à História como o tal que sucumbia às finais, já depois de ter voltado a falhar uma, duas ou três, logo ele, a materializar, ao compasso da sua idílica canhota, a obra-prima de uma vida, àquele minuto 88. O Borussia merecia viver o seu sonho perfeito, e o romantismo teria batido a força. A realidade vingou, sim, mas só porque dignificou a ilusão. Só seria possível quebrar aquela alma assim, à mercê de tamanho talento.

Vitórias maiores do que o resto


Este é o Vitória que só foi feito para sofrer. Mergulhado num passivo megalómano que punha em causa a sua própria existência, teve de saber estar à altura da situação. No Verão, não perdeu, pois, um par de jogadores relevantes. Teve de deixar partir, a um único corte, todo um corredor da fama de notáveis. Nilson, Defendi, Bruno Teles, João Paulo, Pedro Mendes, Nuno Assis, João Alves, Toscano, Faouzi, Paulo Sérgio e Edgar. Desfez-se de um onze para lutar pelos primeiros lugares do campeonato, e não ficou com mais do que uma mão de velhos caminhantes, para embalar o berço de miúdos de que se fez verdadeiramente o plantel. Um plantel que nem mesmo assim houve sempre dinheiro para pagar.

Este desfecho não é, portanto, menos do que uma monstruosidade. No início do ano, a equipa não tinha mais ao que aspirar, do que tentar humildemente evitar a tragédia que lhe estava escrita; hoje, leva para Guimarães a primeira Taça da História do seu histórico Vitória, está na Liga Europa e todos os seus miúdos parecem, na verdade, futebolistas notáveis, como se se tivesse descoberto uma mina qualquer debaixo do Afonso Henriques. Claro que nada acontece por acaso, muito menos quando alguém consegue transcender tão brilhantemente as suas circunstâncias. De todos os vitorianos que mereciam ter ganho esta Taça, nenhum a mereceu mais do que o Rui homónimo que é o chefe do barco. Admiramos os treinadores que ganham, e admiramos mais os que ganham quando não são favoritos. Aos que lá chegam depois de lhes terem roubado quaisquer expectativas, temos a obrigação de desejar ainda melhor.

Rui Vitória é um homem de quem se gosta. Simples, brutalmente genuíno. Sentiu-se isso outra vez hoje quando, com um nó na garganta, a primeira coisa que fez foi agradecer aos pais, que perdeu há dez anos num acidente de carro, na mesma semana em que se tornou treinador profissional. Fala assim, de coração, sem esforço. É um tipo empático, bom com as pessoas, um líder que, vê-se de fora, é fácil de querer seguir. Ao ver as condições que teve e o que conseguiu, ao ver a sua maneira de estar, é impossível não ficar contente por ele. Depois, claro, quem sabe sentir um clube como sente Guimarães, merece sempre. É o tipo de vitórias que não são minhas, mas que nunca me vão deixar indiferente. Como com a Briosa, no ano passado, é a essência da Taça consumada, é a celebração de um futebol português maior e melhor do que os grandes, que pode fazer a festa e ser feliz de Guimarães ao Funchal, de Coimbra a Setúbal. Ao saber como aquela gente vai festejar, é certo que faz tão mais sentido assim.

Porque também há derrotas maiores do que o resto, o último capítulo do Benfica 2012/2013 não pode ser relativizado. Mantenho a opinião sobre a valia de Jesus, mas há um limite racional para o que se pode realmente perder. Até mais do que o campeonato e do que a UEFA, deixar fugir esta Taça de forma tão grosseira e desencantada, com postura de quem perderia todos os jogos destes até ao fim da vida, e ainda ter uma das figuras da equipa a colapsar isso tudo em pleno campo, é esse limite. É o tipo de caminho do qual dificilmente há regresso.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A última fronteira do futebol romântico


Admire-se o Bayern, claro que sim. É tanta força, tanta disponibilidade, tanta ausência de limites. É a pujança, a disciplina e a fiabilidade de um exército perfeito, capaz de esmagar, em dor e em contra-relógio, virtualmente qualquer adversário. 7-0 à melhor equipa da História, a rodar jogadores, a tirar o pé, e quase sem suar. Dois anos sem ganhar foram quanto baste para congeminar a equipa ideal. Tão estupidamente forte em cada detalhe da sua mecânica, que até se autoriza a não ser germânica, de cada vez que liberta o talento alucinante franco-holandês que tem nas asas. Este Bayern plenipotenciário é a equipa que pode tudo, menos falhar. É um Império feito à mão na goela de todos e de cada um dos seus adversários, à espera da mera formalidade de se oficializar.

Do outro lado, como numa Batalha de Termópilas em mais radical, um homem chega-se à frente sozinho, contra todas as legiões. Iluminado pelo seu divino sorriso dos loucos, desdenhoso e provocador, como se o David contra Golias lhe fosse, na verdade, um plano espectacularmente favorável, mesmo que mais ninguém o saiba. O seu Borussia presta-se em campo com metade do orçamento do rival, para quem acabou de perder, não só um campeonato por 25 pontos, como, à laia de troféu, o seu mais brilhante futebolista. Klopp ri-se. Churchill disse, uma vez, que uma das coisas que mais admirava, era que os homens soubessem rir enquanto lutavam. Não viveu para o ver acontecer. Klopp ri-se de todas as vezes, de boca cheia e olhar incendiário, e, sozinho, comete a barbaridade de assombrá-los a todos, como se soubesse mais do que eles, como se o grande rival já estivesse morto e ainda nem pudesse desconfiar.

O Bayern é favorito; é, também, quem tem tudo a perder. O Borussia, por sua vez, dar-se-á ao luxo de jogar uma final dos Campeões a ser tão desconcertante como o seu ADN. Wembley é a festa que uns vão para zelar, e outros para assaltar, que uns vão garantir que corre bem, e outros fazer com que corra mal. Claro que o Bayern é mais forte, e claro que tenderá a ganhar qualquer jogo entre ambos. A certeza que terroriza Munique, porém, é que, em qualquer dia, o seu inimigo público número 1 pode mesmo roubar a festa. E nenhum bayernista poderá dizer, com certeza, que não será amanhã.

Nesse doce terror psicológico, Klopp jogará a sua final como merece. Na pele do underdog que só sabe ser entusiasmante, mas que, no fim, pode realmente ganhar. Porque o Borussia tem em si um delírio muito mais importante do que o jugo das probabilidades: tem a confiança estapafúrdia de que, com talento e coragem, se pode sempre tudo. E vive tão grandemente a essa imagem, que nos obriga a todos a acreditar. Este projecto futebolístico inesquecível, esquadrinhado por um feiticeiro de uma pequena aldeia da Floresta Negra, é o futebol romântico nos seus dias de maioridade, a subverter sejam quais forem as fórmulas. É possível não estar a torcer pelo Borussia?

ZON Sagres 12/13: Os melhores do ano

 
1. Matic
2. Jackson Martínez
3. Lima

Cássio; Danilo, Garay, Mangala, Alex Sandro; Matic, Moutinho, Vítor; Salvio, Jackson e Lima.

Helton, Otamendi, André Leão, Enzo Pérez, James, Licá, Ghilas.

Treinador: Jorge Jesus


Equipa-revelação:
Oblak; André Almeida, Steven Vitória, Dier, Jefferson; Tiago Rodrigues, Carlos Eduardo, Josué; Cícero, Baldé, Hassan.

terça-feira, 21 de maio de 2013

O Moudridismo

 

Foi uma experiência tão radical quanto os dois. O treinador e o clube mais mediáticos do mundo finalmente juntos, egos individual e colectivo a se equipararem numa tempestade perfeita. Acho que se sabia, desde o início, que como num qualquer clássico de glória e tragédia, não poderia acabar a bem. Teria vida, apogeu, mas, no fim, nenhum felizes para sempre. Sabia-se, e não deixa de ser crua a forma como acabou. Mourinho acossado, sozinho contra todos os leões que, no fundo, ele próprio se dedicou a convocar ao longo destes anos. Pela primeira vez na carreira, sai pela porta dos fundos, e essa é uma imagem indesmentível e forte que chegue.

É facto que, 4 anos depois de uma seca desértica que não parecia poder ter fim, o Real voltou mesmo a ser campeão, com recorde de pontos e recorde de golos, o que diz tudo sobre a hipérbole da tarefa. É facto que, após 6 anos de vergonha europeia, fizeram-se 3 meias-finais seguidas, e o nome do campeoníssimo continental recuperou finalmente o respeito. Mas é facto que, por menos habituados que estejamos a dizê-lo, isso não lhe chegou para ganhar a aventura em Madrid. Não lhe chegou pelos resultados, e não lhe chegou pela falta do infinito poder de encaixe que é necessário para subsistir num monstro como o Real.

Para ganhar a batalha do tempo, era preciso fazer concessões. Mourinho reiterou, porém, desde o primeiro dia, que seria o único dono do seu destino, custasse o que custasse. E isso custou-lhe quase tudo. Fê-lo ir longe de mais, e não o salvou do abismo que se sabia estar no desenlace do caminho. Ganhou coisas que importam, mas não ganhou tudo o que podia, nem ganhou para poder sair por cima. No fim, o próprio Madrid foi o adversário que nem ele pôde derrotar. O colosso que não admitiu que não se baixassem a ele, o mosaico de ilustres pronto a lembrar-lhe sempre da sua insignificância, a menina dos olhos da imprensa mais agressiva do mundo, que não lhe perdoaria nem o que não era preciso perdoar.

Mais do que ganhou e do que perdeu, o pináculo e a queda de Mourinho foi a percepção. O seu legado, mais do que os 3 títulos e as 3 meias-finais, é ter devolvido o Real ao ideário das equipas grandes. Por mais que custe aos madridistas, o velho gigante era só um borrão merengue amarelecido pelo tempo que, entre fortunas gastas e treinadores duvidosos, ninguém levara realmente a sério na última década. Isso é o que ninguém lhe pode tirar. O seu abismo foi insistir que, em Roma, não tinha de ser romano. Que o acatariam se dividisse para reinar, que o seguiriam, mesmo se ele os tirasse do pedestal. Para o bem e para o mal, o Real não é assim. Mais do que não o ter percebido, Mourinho é que não saberia estar de outra maneira. Ganhou coisas que importam, mas não ganhou tudo o que podia. Sai, porém, como entrou: igual a si próprio, sem dever nada a ninguém. Entre dobrar e quebrar, nunca existiu realmente opção. O Real terá agora tempo que chegue para descobrir a falta que ele pode fazer.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Nas tragédias não se pode ganhar. Vale alguma coisa que não se perca tudo


Naqueles dois segundos em que um compasso invisível desenhou um arco imaculado à cabeçada de Ivanovic, acho que ninguém acreditou verdadeiramente que a bola lá acabasse mesmo dentro. Acho que, mesmo depois dela pingar na rede com aquela graciosidade desesperante, se perderam mais uns segundos a não acreditar. Há coisas que não acontecem. O Benfica perder uma competição europeia depois de perder o campeonato, no espaço de 5 dias, e sempre ao minuto 92, era uma delas. A cara das pessoas à volta será muito difícil de esquecer. Não era raiva, nem pânico, nem desilusão; era o desalento em estado puro. Era cara de quem já tinha vivido o pesadelo e que, em toda a consciência, não podia crer que o estava a viver outra vez. Cara de quem se esvaiu da força para reagir, de quem queria chorar e já nem conseguia.

O Benfica fez uma final notável. Cheia de personalidade, própria de uma equipa madura, que perdera o campeonato há um par de dias, mas que continuava a ir jogar uma competição europeia certa de si. Uma equipa vaidosa do seu futebol, a fazer questão de mostrá-lo à Europa e de ir ganhar com ele. No Dragão, o Benfica agiu como quem tem tudo a perder, e perdeu; o efeito foi entrar em Amesterdão disposto a ir ganhar primeiro, tão bem como sabia. Assim, está-se sempre mais perto. Assim, ninguém perde para sempre.

Claro que houve gente a festejar a derrota do Benfica. Faz parte. Depois do Porto, contudo, e do extremismo de um versus o outro, acho que a grande maioria dos não benfiquistas teve a hombridade de saber compadecer-se. A nobreza de, seja por um vago patriotismo, pelo sentido de que ninguém merece perder assim, ou pelo reconhecimento de quem foi, de facto, melhor, ter ficado afectado pela derrota, a desejar-lhes sinceramente outra sorte. O Benfica perdeu, e isso não melhora. Não existem vitórias morais. Faz parte. O respeito das pessoas, porém, mesmo que não seja mais do que uma gota de luz no breu, diz sempre quase tudo sobre o mérito do que se fez.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

2-1, marcou o trauma


Tudo eternizado num bocado de fotojornalismo ideal. Dificilmente se poderia resumir melhor por palavras o que de épico e trágico assolou o fim do jogo do ano. Um nos joelhos, prostrado, no momento em que voltava a perder tudo; outro suspenso no ar, a flutuar na efusão de uma vitória quase profética, que lhe garantiram impossível.

O Benfica podia ter perdido no Dragão de muitas maneiras diferentes. Perdeu nos descontos, quando já sobrevivera à borrasca e já via a praia, quando já tinha feito tudo o que era difícil, e quando até o relógio já corria por si. E perdeu por obra e graça de duas galinhas de ovos de ouro tiradas pessoalmente da cartola de Vítor Pereira, primeiro um velhote que já pediu pensão de invalidez, depois um rapazinho brinca na areia, de quem nunca se esperou verdadeiramente nada. Afinal, pareceu no fim, os deuses estiveram só a brincar com o Benfica; independentemente do que fizessem um e outro, acabaria sempre assim. Não escrevo com condescendência, mas o chutão de Kelvin carregou uma brutalidade tal, que qualquer um que tenha visto de fora, deve-se ter compadecido do Benfica. Portistas houve que se chocaram antes de festejar; e qualquer benfiquista deve ter pensado que, se não ganhava ali, não ganha nunca mais.

Claro que nada disto é assim tão simples. Quem perde, tem sempre culpa, mesmo que essa culpa não seja só ter especulado com um resultado que lhe era favorável; quem ganha, tem sempre mérito, mesmo que esse mérito não seja só ter tirado na lotaria todos os seus suplentes. A verdade é que, imprimindo uma qualidade extrema ao seu jogo, Jesus continua a baquear em todas as 25as horas, e isso não é azar. Vítor Pereira, por sua vez, vive naquela luta nervosa por reconhecimento, que traduz a sua falta de carisma, e com a qual é impossível simpatizar, mas tudo o que tem feito é chegar à meta a esmagar as expectativas que têm para ele, e isso não tem nada a ver com sorte.

Racionaliza-se tudo e, no fim, continua a parecer insuficiente para explicar. Estejam melhores, piores ou mais ou menos, estejam muito moralizados ou perfeitamente descrentes, seja num 5-0, ou a recuperar dois golos de desvantagem fora, ou com um golpe de asa nos últimos descontos do campeonato, um e o mesmo trauma continua a encontrá-los de todas as vezes. Como é que se olha para os jogadores e se os convence que da próxima vez vai ser diferente?

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pai para sempre


Nem as lendas têm de estar à altura da sua reputação na primeira vez que as virmos. Ele, claro, esteve. Eu tinha 8 anos, era o dia 26 de Maio de 1999 e o Camp Nou estava a brilhar num fim de tarde de sol, quando Mario Basler deu a entender que o Bayern ia ganhar aquela Liga dos Campeões. Há coisas que louvamos quando as vivemos, mas cuja dimensão só entendemos verdadeiramente mais tarde. Ter começado a ver finais europeias nesse dia é um daqueles acertos sagrados para agradecer por todos os tempos.

Ao minuto 90 redondo, Munique abria bidões de cerveja a comemorar com certeza, quando o eterno Teddy Sheringham encravou uma final que já estava mais do que perdida. O impacto da Taça esvair-se para o prolongamento entre os dedos, ainda percebi. Já o efeito do 'Baby Face Killer' Solskjaer tê-la feito mudar de dono, num minuto de descontos que durou mais do que algumas vidas inteiras, foi só coisa para estarrecer um miúdo à frente da televisão. Foi esse o dia em que um feiticeiro escocês de sorriso desconcertante me ensinou que o jogo, não raras vezes, é bem maior do que podemos compreender.

Há treinadores que admiramos pelos títulos. Outros pela filosofia. Dele, o que vou guardar para sempre é a devoção pelo jogo. Tudo o que as câmaras lhe eternizaram naquele metro quadrado de tijoleira do Teatro dos Sonhos. As explosões nos golos, a agonia nos falhanços, o ar gozão no bom futebol e o sanguinismo nos erros do árbitro. A mão na cabeça a ser apanhado de surpresa, o riso esmagador a fazer um cheque-mate ao adversário e os olhos turvos quando um dos seus miúdos entrava e ia brilhar pelas próprias pernas.

Com Fergie, não havia bluff, não havia distância, nunca houve. Só se podia viver os 90 minutos de uma maneira, como um rapazinho que está a começar a jogar na rua. Se o futebol mundial do último quarto de século teve algo de puro, foi ele. No maior clube do mundo e na era mais impessoal de sempre, foi ele a antítese do negócio, do cinismo, do cinzentismo. Foi ele o portal para a essência do jogo, o mentor que esteve sempre lá a lembrar-nos do que era verdadeiramente importante: subir à relva em cada tarde, desfrutar, entusiasmar-se e ser feliz. Aprenderíamos mais a olhar para ele num dia normal, do que a saber todos os passos da carreira de um táctico qualquer. Acima de tudo o que ganhou, a maneira como viveu futebol é o que o distingue de todos os outros, e o que o perpetuará no ideário, na unanimidade e no coração das pessoas.

Dizem que os homens passam e os clubes ficam. Talvez com os outros seja assim. Já o United, como o futebol europeu, nunca poderá ser o mesmo sem ele no trono de Old Trafford. Acho que acreditei, desde que o vi naquele primeiro dia, que ele lá ficasse para sempre. De uma forma ou de outra, acho que ainda acredito.


P.S. - Não havia mais nada para ganhar, mas ficarão a dever à eternidade o abraço do regresso a casa.

terça-feira, 7 de maio de 2013

No campo não há desculpas


O Benfica só podia ser campeão se ganhasse o derby. O melhor Sporting do ano, um Sporting que subiu à Luz para ganhar. O Benfica ganhou o derby. Mas o Benfica só podia ser campeão se ganhasse nos Barreiros. No tormento do Atlântico, no stadio horribilis onde o próprio rival perdera a esperança. O Benfica ganhou nos Barreiros. Mas o Benfica só saberia estar nesta fase se, um quarto de século depois, voltasse finalmente à sua final europeia. Derrota num inferno em Istambul, 3 dias de descanso, 50 jogos nas pernas da época. O Benfica chegou à sua final. Enquanto não se sentiu campeão, é possível que este Benfica tivesse ganho a qualquer equipa. Falhou no momento em que achou que já o era, quando estava tudo fácil demais para poder falhar.

Na Luz, o amarelo do Estoril chegou a parecer um borrão de Borussia. Cada abertura e podia ser a morte. Percebeu-se, aí, que não era questão de tempo, que os astros não se iam alinhar nas botas de Lima ou de Cardozo, mais cedo ou mais tarde. O Benfica forçou e não conseguiu. Esperou, sofreu, quis crer, mesmo que mais a pé do que a correr, mas ontem era dia do destino ter a sua ironia. Como num filme de terror, a equipa nem quis ter medo. Mas foi consumida pela dúvida, e acabou afogada na aterradora visão de estar a morrer na praia. O Benfica olhou para o abismo, e o abismo olhou para o Benfica. Numa lei de Murphy providencial, a equipa superou todos os jogos que iam correr mal, só para falhar no último, o único que só podia correr bem.

O Porto já tinha perdido, Vítor Pereira já era uma caricatura de jornal. O Benfica já tinha ganho, Jesus já tinha um contrato em branco para assinar. Agora voltam ambos ao nervo da relva, a dependerem exclusivamente de si para lá chegar. Ninguém que tenha visto o Benfica sucumbir ontem às suas circunstâncias, pode ter pensado noutra coisa que não uma incineração no Dragão. Especialmente os próprios benfiquistas. De repente, é o rival quem volta a ser favorito, ao encarar um Benfica que, como aconteceu torturantemente nos últimos três anos, volta a ter tudo a perder. E já se sabe como é que isso tem corrido. Este não deixa, contudo, de ser o Benfica que fez o melhor jogo do ano há 5 dias, que foi a melhor equipa da temporada, e que está em duas finais; como o Porto não deixa de ser o grupo que desiludiu as expectativas, que saiu envergonhado de quase todos os palcos, e, especialmente, o barco onde todos os marinheiros descrêem o capitão.

A única coisa certa do Porto-Benfica de Sábado é que será o jogo de uma vida. Nunca "o jogo do título" terá sido uma coisa tão cruamente literal. Todo um ano inteiro de futebol será jogado em cada palmo daqueles 90 minutos, e ganha o campeão. É uma liga de jornadas, mas a acabar numa finalíssima com golo de ouro. É um guião perfeito. Também porque, no fim, não contarão as miudezas de caminho, não contará o paleio para tolos do que foi limpinho e do que foi sujinho. No fim, Porto e Benfica terão ambos a sua uma e mesma chance. Sem azares, sem desculpas, sem conspirações. Merecerão cada fio da sorte que tiverem. No fim, só será o melhor quem tiver batido o melhor.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Trova do tempo que passa


A Queima é um estado de espírito. Não é a noite, o recinto, o exagero. A Queima é viver o dia todo, todos os dias dessa semana. É acordar ressacado, mas já atrasado para qualquer coisa. É beber a electricidade do ar, contagiar-se pelo entusiasmo das pessoas, e, até mais do que das pessoas, dos sítios, das ruas, das casas, de tudo. O velho Porto exala vida todos os dias, mas, na Queima, tem 20 anos. Tem restaurantes necessariamente lotados, onde se come bem ou se come melhor, e onde se bebe muito e se paga pouco. E tem um amigo em cada esquina, um a vir embora da festa, e outro quase a lá voltar, enquanto o resto da gente se compadece, e sorri para esse círculo que nunca dorme.

A Queima foi jantar com a Tertúlia, e principiar as festas com a Monumental. Com 18 anos, ia ver se uma Serenata era gira de se ouvir; no fim, de olhos turvos e nó na garganta, fui agitar as fitas no silêncio mais respeitoso em que consegui reverendar os melhores anos da minha vida. A Queima foi inaugurar o Domingo tão cedo quanto desse, correr à Coronel Pacheco, e fazer tudo para ajudar com a Imposição dos finalistas. Com o mesmo carinho do dia em que foi a minha vez de subir, lembro-me de toda a gente, antes e depois de mim, de quem fui amigo, e da honra de, ao longo desses anos, ter podido lá estar, a ficar contente por eles. A Queima será sempre isso, os dias com quem os vivemos luxuriosamente, a celebração de todos os companheiros de viagem para quem quisemos tanto como para nós.

A Queima foi andar esses dias na Boavista e em Cedofeita e nos Clérigos com o melhor sorriso dos abatidos, qual milhafre ferido no fígado, mas que espera, com toda a dignidade e com toda a disposição, pela noite que já aí lhe volta. A Queima foi esperar que o Sol nascesse, demorar-se pachorrentamente por Matosinhos, e chegar a casa já o dia ia alto, só apagando pela formalidade do corpo não nos dar outra opção. Nunca me vou esquecer da última vez que o autocarro me deixou na República, e em que desci a Álvares Cabral a saber que não voltaria a fazer aquilo nunca mais. Parte de mim ficará para sempre nessa madrugada, a pensar no privilégio inacreditável que foi viver esse Porto de estudante.

A Queima foi a Tertúlia ocupar o Palácio à terça, e almoçar forças para passar as 4 horas seguintes a gritar que, Do Porto para a TV, de Portugal para todo o mundo, Jornalismo era o melhor curso da UP. Ironicamente, estive em três cortejos, mas, por tortuosidades do estágio, nunca desfilei como finalista. Hoje, acho que isso foi só a maneira do Porto me dizer que, afinal, a minha Queima não acabava ali. É que ninguém se despede de casa. Eu que voltasse sempre, coisa que, em consciência, não posso dizer que algum dia deixarei de fazer. Todos os antigos terão saudades do tempo que passou; para quem também teve de deixar passar o lugar, voltar na Queima, não é voltar pela Queima. É voltar por esse Porto, tão grande como ele foi.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O grandismo


Já fui ver o Marítimo ao país todo. Nunca me sentei na Central de ninguém e, sobretudo, nunca dei espectáculo, nem dentro, nem fora do campo. Fui quase sempre com as cores do meu clube, festejei os meus golos e festejei as minhas vitórias, muitas vezes no meio de adversários, mesmo que sempre nas bancadas visitantes. A certeza tenho que nunca faltei ao respeito a ninguém. E não digo isto de uma forma lírica ou bacoca; acho, sinceramente, que saber estar é tão importante no futebol como no resto da vida.

Não tenho nada contra os benfiquistas que foram aos Barreiros e souberam estar. Toda a gente tem o direito de festejar. Mais do que isso, sou o primeiro defensor do ir ao estádio, mesmo que seja para os meus adversários. Como alguém que anda lá desde o tempo em que não tinha tamanho de gente, acredito que ir ao estádio resolvesse uma parte substancial dos problemas do futebol português. Pela assimilação, pela identificação, pelo gosto que se ganha, pelo que se aprende, e porque nada substitui a vivência que se adquire. Ver futebol pela televisão e pelos jornais não é ver futebol. É, aliás, a principal razão para só haver três clubes em Portugal.

Sou o primeiro defensor do ir ao estádio, mesmo que seja para os meus adversários, e admito que, nestes Barreiros, não dava para fazer melhor. Se me custou pela morte ver o Caldeirão de vermelho, num rácio de 3 ou 4 para 1? Não é preciso responder. Mas posso viver com isso. Para lutar contra as circunstâncias, é preciso saber aceitá-las. Gostava que aquilo fosse tudo os nossos, mas fôssemos só uma dúzia, e o meu orgulho era o mesmo.

Na verdade, podia estar lá sozinho, e o orgulho no Leão era exactamente o mesmo. Acho que, para qualquer maritimista, e para qualquer adepto de um não grande, essa é a mais definitiva de todas as vitórias. Não é preciso ganhar mais, ou ganhar sequer; não é preciso ter mais gente, ou estar em maioria na própria casa, sequer. Não é preciso os jornais serem sobre nós, ou falarem de nós, sequer. Benfiquistas, portistas e sportinguistas olharão para isto, e não poderão perceber. É essa a nossa derradeira vitória, porque essa nunca está em jogo, não depende de títulos, nem de mediatismo, nem de status. Somos pequenos, e há pouco aí fora para nós. Não precisarmos, mesmo assim, de nada em troca, é sermos campeões todos os dias.

Não tenho nada contra os benfiquistas que foram aos Barreiros e souberam estar. Dos que lá foram em romaria colonial adorar os senhores da metrópole, de peito bufado e vaidade parola por vestirem a camisola que, para eles, celebra a sofisticação do primeiro mundo, dos que nos festejaram a vitória na cara e gritaram "vão para casa", porque eles, por beberem do néctar do benfiquismo, são supra-madeirenses, desses, sinceramente, tenho pena, como se tem pena de qualquer ignorante que já não tem volta a dar, e que não está remotamente convencido disso. Esses nunca vão perceber que não são melhores por ser do Benfica. Que não são especiais por ser do Benfica. Que o Benfica não é nenhum clube privado que os escolheu, e que toda a gente podia ser do Benfica.

A última ironia é que, na verdade, é dos grandes quem quer, como acontece com todas as coisas que são estupidamente fáceis. Dos outros é quem pode, porque, e o futebol português é esse exemplo acabado, muito pouca gente está disposta a jogar para coisas mais importantes do que ganhar ou perder.