segunda-feira, 6 de maio de 2013

Trova do tempo que passa


A Queima é um estado de espírito. Não é a noite, o recinto, o exagero. A Queima é viver o dia todo, todos os dias dessa semana. É acordar ressacado, mas já atrasado para qualquer coisa. É beber a electricidade do ar, contagiar-se pelo entusiasmo das pessoas, e, até mais do que das pessoas, dos sítios, das ruas, das casas, de tudo. O velho Porto exala vida todos os dias, mas, na Queima, tem 20 anos. Tem restaurantes necessariamente lotados, onde se come bem ou se come melhor, e onde se bebe muito e se paga pouco. E tem um amigo em cada esquina, um a vir embora da festa, e outro quase a lá voltar, enquanto o resto da gente se compadece, e sorri para esse círculo que nunca dorme.

A Queima foi jantar com a Tertúlia, e principiar as festas com a Monumental. Com 18 anos, ia ver se uma Serenata era gira de se ouvir; no fim, de olhos turvos e nó na garganta, fui agitar as fitas no silêncio mais respeitoso em que consegui reverendar os melhores anos da minha vida. A Queima foi inaugurar o Domingo tão cedo quanto desse, correr à Coronel Pacheco, e fazer tudo para ajudar com a Imposição dos finalistas. Com o mesmo carinho do dia em que foi a minha vez de subir, lembro-me de toda a gente, antes e depois de mim, de quem fui amigo, e da honra de, ao longo desses anos, ter podido lá estar, a ficar contente por eles. A Queima será sempre isso, os dias com quem os vivemos luxuriosamente, a celebração de todos os companheiros de viagem para quem quisemos tanto como para nós.

A Queima foi andar esses dias na Boavista e em Cedofeita e nos Clérigos com o melhor sorriso dos abatidos, qual milhafre ferido no fígado, mas que espera, com toda a dignidade e com toda a disposição, pela noite que já aí lhe volta. A Queima foi esperar que o Sol nascesse, demorar-se pachorrentamente por Matosinhos, e chegar a casa já o dia ia alto, só apagando pela formalidade do corpo não nos dar outra opção. Nunca me vou esquecer da última vez que o autocarro me deixou na República, e em que desci a Álvares Cabral a saber que não voltaria a fazer aquilo nunca mais. Parte de mim ficará para sempre nessa madrugada, a pensar no privilégio inacreditável que foi viver esse Porto de estudante.

A Queima foi a Tertúlia ocupar o Palácio à terça, e almoçar forças para passar as 4 horas seguintes a gritar que, Do Porto para a TV, de Portugal para todo o mundo, Jornalismo era o melhor curso da UP. Ironicamente, estive em três cortejos, mas, por tortuosidades do estágio, nunca desfilei como finalista. Hoje, acho que isso foi só a maneira do Porto me dizer que, afinal, a minha Queima não acabava ali. É que ninguém se despede de casa. Eu que voltasse sempre, coisa que, em consciência, não posso dizer que algum dia deixarei de fazer. Todos os antigos terão saudades do tempo que passou; para quem também teve de deixar passar o lugar, voltar na Queima, não é voltar pela Queima. É voltar por esse Porto, tão grande como ele foi.

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