quinta-feira, 2 de maio de 2013

O grandismo


Já fui ver o Marítimo ao país todo. Nunca me sentei na Central de ninguém e, sobretudo, nunca dei espectáculo, nem dentro, nem fora do campo. Fui quase sempre com as cores do meu clube, festejei os meus golos e festejei as minhas vitórias, muitas vezes no meio de adversários, mesmo que sempre nas bancadas visitantes. A certeza tenho que nunca faltei ao respeito a ninguém. E não digo isto de uma forma lírica ou bacoca; acho, sinceramente, que saber estar é tão importante no futebol como no resto da vida.

Não tenho nada contra os benfiquistas que foram aos Barreiros e souberam estar. Toda a gente tem o direito de festejar. Mais do que isso, sou o primeiro defensor do ir ao estádio, mesmo que seja para os meus adversários. Como alguém que anda lá desde o tempo em que não tinha tamanho de gente, acredito que ir ao estádio resolvesse uma parte substancial dos problemas do futebol português. Pela assimilação, pela identificação, pelo gosto que se ganha, pelo que se aprende, e porque nada substitui a vivência que se adquire. Ver futebol pela televisão e pelos jornais não é ver futebol. É, aliás, a principal razão para só haver três clubes em Portugal.

Sou o primeiro defensor do ir ao estádio, mesmo que seja para os meus adversários, e admito que, nestes Barreiros, não dava para fazer melhor. Se me custou pela morte ver o Caldeirão de vermelho, num rácio de 3 ou 4 para 1? Não é preciso responder. Mas posso viver com isso. Para lutar contra as circunstâncias, é preciso saber aceitá-las. Gostava que aquilo fosse tudo os nossos, mas fôssemos só uma dúzia, e o meu orgulho era o mesmo.

Na verdade, podia estar lá sozinho, e o orgulho no Leão era exactamente o mesmo. Acho que, para qualquer maritimista, e para qualquer adepto de um não grande, essa é a mais definitiva de todas as vitórias. Não é preciso ganhar mais, ou ganhar sequer; não é preciso ter mais gente, ou estar em maioria na própria casa, sequer. Não é preciso os jornais serem sobre nós, ou falarem de nós, sequer. Benfiquistas, portistas e sportinguistas olharão para isto, e não poderão perceber. É essa a nossa derradeira vitória, porque essa nunca está em jogo, não depende de títulos, nem de mediatismo, nem de status. Somos pequenos, e há pouco aí fora para nós. Não precisarmos, mesmo assim, de nada em troca, é sermos campeões todos os dias.

Não tenho nada contra os benfiquistas que foram aos Barreiros e souberam estar. Dos que lá foram em romaria colonial adorar os senhores da metrópole, de peito bufado e vaidade parola por vestirem a camisola que, para eles, celebra a sofisticação do primeiro mundo, dos que nos festejaram a vitória na cara e gritaram "vão para casa", porque eles, por beberem do néctar do benfiquismo, são supra-madeirenses, desses, sinceramente, tenho pena, como se tem pena de qualquer ignorante que já não tem volta a dar, e que não está remotamente convencido disso. Esses nunca vão perceber que não são melhores por ser do Benfica. Que não são especiais por ser do Benfica. Que o Benfica não é nenhum clube privado que os escolheu, e que toda a gente podia ser do Benfica.

A última ironia é que, na verdade, é dos grandes quem quer, como acontece com todas as coisas que são estupidamente fáceis. Dos outros é quem pode, porque, e o futebol português é esse exemplo acabado, muito pouca gente está disposta a jogar para coisas mais importantes do que ganhar ou perder.

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