quarta-feira, 19 de junho de 2013

Dear Zachary (2008)


Na sequência do assassínio do melhor amigo, Kurt Kuenne não pensou duas vezes, e soube que tinha de fazer um filme sobre ele. Um que documentasse, com toda a sua gente, quem é que ele foi, de forma a perpetuar a sua memória no tempo. Pouco depois, passou tudo a fazer ainda mais sentido: soube-se que a sua ex-namorada estava à espera de um filho seu. O filme tornou-se, pois, no tributo de todos os amigos do pai ao seu filho prestes a nascer, para que, ele sim, o pudesse vir a conhecer.

É impossível não empatizar com a ideia instantaneamente. Dear Zachary é um documentário profundamente íntimo e altamente vivido, que nos comove com facilidade pelo seu impacto intrínseco, de cada vez que vemos o ror de amigos com um brilho nos olhos, que percebemos a pessoa querida que se perdeu tão estupidamente, e que vemos a criança crescer no meio deles, como se, na verdade, viesse ocupar o lugar do pai.

Este está, contudo, muito longe de ser um documentário fácil. Bem pelo contrário, ou não tivesse Andrew Bagsby sido morto às mãos da sua psicopática ex-namorada... postumamente, a mãe do pequeno Zachary, com quem passou a haver uma custódia a partilhar, em conjunto com os avós paternos. Na sinopse, só se alude à componente inspiradora, mas o documentário é, na verdade, francamente agressivo, à medida que conhecemos todos os impensavelmente dolorosos pormenores da perda. É muito duro na pessoalização, na politização e na maneira como desenlaça a história, e exige que se tenha estômago. Talvez Kuenne o pudesse ter orquestrado de outra forma, já que os trechos mais intimistas são brilhantes, ao passo que os outros 3/4 do tempo chegam a ser tão agrestes quanto exaustivos. No fim, porém, compreendem-se as opções de realização, o porquê da história central ser o esmiuçamento do processo e a crítica feroz ao sistema judicial, e porque é que este nunca poderia ter sido só um feel good movie.

Dear Zachary é um retrato cru da vida real, no que ela tem de mais tenebroso - a perda estúpida e inapelável, a crueldade, o desalento, a violência extrema de ter de acordar todos os dias e lidar com isso -, e no que ela tem de mais especial - a amizade sobre todas as coisas, a camaradagem, a estima incondicional por quem merece, e o compromisso de seguir em frente, para honrar quem já não está. É para ver com estofo, mas é uma lição de vida saída do mais verdadeiro sofrimento, o sítio onde elas fazem realmente sentido.

7/10

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