quarta-feira, 30 de junho de 2010

Trova do vento que passa

Podia dizer que Queiroz não armou mal a equipa, pese a insistência demente neste Pepe a trinco. Podia dizer que, durante 60 minutos, equilibrámos o jogo com os espanhóis, jogámos decentemente, e tivemos umas talvez surpreendentes 3 ou 4 bolas para marcar. Podia dizer que, depois do início forte deles, por alturas do intervalo, os tínhamos em sentido, e que estávamos perto de dobrá-los. Quase à distância de acreditar que podíamos. No entanto, nada disso seria suficiente para caracterizar a nossa despedida. Essa resume-se a um momento, por tudo o que representou táctica, efectiva, moral e estilisticamente: a saída do Hugo Almeida, ao minuto 58. É um momento com tanto para dizer, que resume não só este jogo, como a nossa própria passagem pelo Mundial e toda a expressão do Queiroz como treinador.

Ao minuto 58, a Espanha não tinha tido uma bola de golo na nossa área, na 2ª parte. O Hugo Almeida, aquele grande, meio tosco, meio lento, que pouco desiquilibra e não é nenhum pensador, tinha acabado de cruzar todo o meio-campo espanhol e, com o pé cego, metido a bola para um quase auto-golo espanhol. Numa jogada, as fraquezas feitas em forças, o sacrifício e a alma, Portugal de olhos no jogo, de coração aberto, a acreditar que, pelos seus próprios meios, era equipa para ganhar ao campeão da Europa. No mesmo minuto 58, Queiroz resolveu tirar de campo Hugo Almeida, naquela que será, por si só, uma das mais brutais imagens de autismo da história do futebol português: com uma única opção, Queiroz conseguiu substituir o elemento de maior rendimento no ataque, privar a equipa de ponta-de-lança, num convite ao ataquem-vocês-porque-nós-somos-cagados-e-só-queremos-sair-de-cabeça-pseudo-erguida, e pôr em campo um jogador que, por mais apreço que lhe tenha, foi o maior flop português que passou pela África do Sul. Em 5 minutos, o destino acertou contas connosco.

Não estou a dizer, obviamente, que é pela substituição de Hugo Almeida que perdemos o jogo. Perdemos, sim, pela aridez mental, pela falta de visão e pelo autismo grosseiro de que essa decisão é tão ilustrativa. Nunca escondi a opinião que tenho sobre Queiroz, mas reconheço-lhe vários méritos. Desde logo, termos conseguido, global da qualificação e das próprias culpas dele à parte, as únicas 5 vitórias finais que nos poriam na África do Sul. Depois, parte da gestão táctica da fase de grupos e, indiscutivelmente, a passagem sem derrotas e sem golos sofridos no grupo da morte. Reconheço que Queiroz é capaz tacticamente, como sempre disse, evoluído a esse nível, e que, regra geral, até sabe iniciar jogos, porque se prepara muito bem. Mas mesmo quando as coisas lhe estão a sair razoavelmente, mesmo quando não fica dependente da alma e do carisma que assumidamente não tem, Queiroz não consegue ser maior do que as suas próprias fragilidades. Não consegue, por um segundo que seja, pensar fora da caixa, e será por certo, dentre o leque de treinadores das 10 ou 15 melhores selecções do Mundo, um dos mais miseráveis a ler o jogo e a gerir do banco, e o pior de todos na mentalidade.

Com Queiroz, podemos acreditar em equipas muito cultas do ponto de vista táctico, equipas a quem é muito difícil marcar golos, que até podem arrancar bom futebol se o adversário ajudar, e que, provavelmente, vão conseguir cumprir o mínimo que se lhes exigir. Mas nunca teremos, por certo, uma selecção com a mentalidade dos campeões, que jogue na cara com toda a gente, e que não sufoque em inferioridade sempre que o adversário tem um nome grande. O Portugal com quem cresci foi o Portugal do 3-2 à Inglaterra depois de estarmos a perder por 2-0, o Portugal que violou esse grupo da morte e ficou em 3º, só para, 4 anos depois, comer espanhóis, eliminar a Inglaterra outra vez, com defesas sem luvas e penalties de guarda-redes, e chegar à final, para, 2 anos depois, ainda cavalgar até outras-meias finais, e deixar a Inglaterra a comer pó outra vez, e ganhar a Batalha de Nuremberga. O Portugal com quem cresci foi o Portugal dos resultados impossíveis, o Portugal que estava sempre lá para ganhar, mesmo que fôssemos só nós contra o Mundo. Nunca fomos melhores do que os papões todos, mas isso nunca nos impediu de ficar à frente de quase todos eles. Perdoe-me o Queiroz, e perdoem-me todos os que acham que ele fez um bom trabalho, e todos os que acham que despedir um treinador eliminado pelo Campeão da Europa é infantil. Acontece que se já fomos o Portugal conformado e pequenino, que ficava com lágrimas nos olhos pelas esmolas e pelas pequenas vitórias, já não somos mais. E no dia em que perdermos a mentalidade, perdemos tudo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Apesar de não ser aquilo a que se chama uma apreciadora/conhecedora de futebol, admito que o texto que elaboraste, está extremamente bem escrito (aliás característica que te é peculiar), o qual retrata sem dúvida a decepção sentido por grande parte dos Portugueses que assistiram ao jogo.
Partilho sem dúvida da ideia final de que " o dia em que perdermos a mentalidade, perdemos tudo" Parabéns.

(Uma leitora assídua do teu blog)