Se há coisa que ficou clara é que este não é o Tour de Contador. O melhor do mundo sobreviveu aos Pirinéus e até pode chegar aos Campos Elísios de amarelo, mas sofreu a bom sofrer, e o facto de ter acompanhado os rivais não mascara a situação: um Contador em forma teria sempre atacado, e nos Pirinéus só se defendeu, ainda por cima com 2 minutos de atraso. A falta de confiança do Pistolero no seu primeiro grande teste é um indício bastante desencorajador, ainda que siga vivo e tenha prolongado a discussão até aos Alpes.
A grande figura da campanha acabou por ser o improvável Thomas Voeckler. Não é novidade que o francês esbanja resistência e disposição, e que sempre foi competente nas montanhas, mas ninguém esperaria, por certo, que cruzasse os Pirinéus de camisola amarela a responder a todos os ataques, e ainda por cima num grupo absolutamente restrito de 8 ciclistas, com todos os grandes líderes, que terão de fazer bem melhor do que até agora para recuperar os 2 minutos que perderam para ele.
Samuel Sanchéz foi a outra estrela. O basco ganhou uma das duas grandes etapas da cordilheira, e fez segundo na outra, e é o mais espectacular dos grandes nomes do Tour: fortíssimo na alta montanha, ataca sempre e não tem pejo em ir embora sozinho. Por ter perdido tempo nos primeiros dias tem gozado de uma certa desconsideração por parte dos adversários mais directos, mas já vai no 6º lugar e, na forma em que está, há de dar muitas dores de cabeça nos Alpes.
Sem menosprezar Contador, os maiores favoritos ao pódio não mexeram com a corrida, passando pelos Pirinéus incólumes, e reservando a decisão para os Alpes. Dos três, quem esteve melhor foi Frank Schleck, que continua a demonstrar maior personalidade do que o irmão, e também por isso está 30 segundos à sua frente. Com Contador a correr por fora, Andy Schleck tem sentido a responsabilidade, e parece bem menos pujante do que nos últimos anos. Já Cadel Evans, depois de um início forte, limitou-se a passar tranquilo, e, mesmo com 15 segundos de atraso para Frank, sabe que é o mais forte dos três no contra-relógio.
Reconhecer também a bela prova dos italianos, que desvalorizei: o experiente Ivan Basso, depois de tempos turvos, tem demonstrado um grande coração e até tem liderado subidas, ao passo que Cunego, aos 29 anos, mostra finalmente maturidade e, mesmo sem grande capacidade para incomodar, não deixará fugir o primeiro top10 no Tour da sua carreira. Kloden, pelo contrário, já foi embora, pondo o ponto final na Volta da Radioshack (sobram Paulinho, Zubeldia e Leipheimer para alguma fuga), e Gesink e Tony Martin não existiram.
Seguem-se agora cinco dias calmos (com um de descanso pelo meio), antes dos três que decidem o Tour: Galibier, Alpe-d'Huez e contra-relógio em Grenoble. Claro que não consigo deixar de esperar por Contador, e que simpatizo sobretudo com Sanchéz, mas a apostar seria em Cadel Evans. E torço para que apareça Paulinho.