"Eu venci a Liga dos Campeões, a Liga espanhola duas vezes, a Taça de Inglaterra. Porque é que me colocaram o título de interino? Porque é que eles [Direcção] tinham de fazer aquilo? Devem ter pensado: 'Ele esteve no Liverpool portanto é melhor colocar o termo interino' (...) Estes adeptos do Chelsea têm uma agenda, mas estão a perder tempo com os seus cartazes e músicas. Não se precisam de preocupar comigo. Vou sair no final da época."
Benítez, a meio da semana, depois da vitória na FA Cup
2 Ligas Espanholas e 1 Taça UEFA. No Valência. 1 Taça, 2 Supertaças e 1 Liga dos Campeões. No Liverpool. A carreira de Benítez fala por ele. Ganhou muito, ganhou nas duas Mecas dos nossos dias, ganhou na Europa, e ganhou com underdogs. Ganhar assim não se relativiza. Benítez, ainda com 50 anos mal feitos, esteve, por mérito próprio, no top-5 de melhores treinadores da primeira década do novo século.
O espanhol é um ganhador feito a pulso. Um homem com uma fome extraordinária de vitórias, um animal da competição, alguém que teve de se provar quase todos os dias da carreira, e cuja motivação diária sempre foi transcender-se e ganhar um pouco mais do que quer que fosse. Respeito isso extraordinariamente. O único problema de Benítez é que querer e fazer nem sempre são suficientes para se ser. Lembro-me de uma crónica de um jornal inglês aquando dos Chelsea-Liverpool titânicos daqueles anos com Mourinho. Benítez perdeu os campeonatos (e esse foi o último Liverpool que lutou por campeonatos, também não fica mal lembrar), mas assassinou duas vezes e, para a História, o projecto europeu daquele Chelsea fantástico. Ninguém ficou por cima, verdadeiramente. Ainda assim, ao falar disso, o cronista insistia que, na prática, e independentemente do que fizessem, os pratos nunca estavam iguais. De cada vez que entrassem em campo, Mourinho continuaria a ter a aura de um feiticeiro grisalho num sobretudo, um temível que pode tudo. Benítez continuaria a parecer o dono de uma albergaria na Extremadura, a suar da testa, sempre no limite de sucumbir ao seu próprio destino.
A Benítez nunca chegou, nunca chegará, tudo o que ganhou. E isso inclui o Real de Del Bosque, o Chelsea de Mourinho, o Milan de Ancelotti. No fim do dia, Rafa será sempre uma figura estranha, agreste, impessoal, incapaz de contagiar o que quer que seja, e que toda a gente quer ver mais ou menos pelas costas. É estupidamente ingrato, mas há coisas que não nascem com uns, por melhores que esses possam vir a ser. Há outros, pelo contrário, que contagiam com uma naturalidade tal, que às vezes até custa a crer. É uma luz que vem de dentro, uma electricidade extasiante que os segue para onde quer que eles vão, e no que quer que façam. É o Pelé-Maradona, o Prost-Senna, o Benítez-Mourinho. É estupidamente ingrato, mas, no fim da história, mais do que ao talento, à sorte, à ambição, à capacidade de trabalho, à mentalidade, tudo se resume ao elemento mais extraordinariamente aleatório do Universo, que ou se tem ou não se tem. Carisma.
Acredito que Benítez ainda é um dos nomes mais significativos do mercado europeu de treinadores. E até acredito que se possa despedir deste Chelsea com algum troféu para contar. Impõe-se, contudo, uma paragem, para seu próprio bem. E, sobretudo, melhores escolhas. Para subsistir, Benítez terá de escolher um projecto que precise mais dele do que ele do projecto. Com expectativas mais baixas, e sem termo de comparação, para que depois, como bom underdog, possa fazer a diferença na arena de frente a frentes onde, mesmo longe dos factores-x dessa vida, ele sempre se notabilizou. O mais longe possível do rastro freudiano e traumatizante dos últimos anos, onde o fantasma irremediável de Mourinho o assombrou em cada rua de Milão e de Londres. Ganhá-lo no campo já era difícil; na devoção das pessoas, nem que Benítez trabalhasse duas vidas.
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