segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Amour


Filme duríssimo. Cru, doloroso, violento visual e emocionalmente. Amour não tem quase nada de cândido, ao contrário do que o nome poderá sugerir. É um retrato tão agreste quanto possível do que pode ser a velhice, do que é a fragilidade extrema da doença, a irremissibilidade dos últimos anos, a inevitabilidade de estar mal, e de ir ficar pior, de degradar-se, de morrer todos os dias mais um pouco. Não tem nada de enternecedor, de consolável. É um banho de água fria, um soco no estômago, um custo que nos consome. É, também, em grande parte, uma história de missão. Do amor como partilha definitiva, nos dias mais negros e até que a morte os separe. Uma história de sacrifício e de devoção totais, de querer dividir o mesmo caminho, mesmo consciente que dele não há regresso, nem para um, nem para outro. E ir mesmo assim, porque é assim que tem de ser.

É um dos filmes mais difíceis do ano, este vencedor da Palma de Ouro, em Cannes. O conteúdo agride-nos, mas isso fala pelo seu nível; a forma, porém, pesa um filme já de si pesadíssimo, e é mais discutível. Faço uma vénia ao trabalho de argumento de Michael Haneke, mas não arranjo forma de gostar da sua filmografia (está duplamente nomeado aos Óscares). Amour é filmado, quase a tempo inteiro, em planos fixos, nos quais se deixa estar demoradamente, muitas vezes em silêncio, para então cortá-los de forma abrupta, como se ainda estivessem a meio de qualquer coisa. Os diálogos são tendencialmente cirúrgicos, e não há banda sonora, abusando-se desse silêncio e do vazio dos espaços. Compreendo que um punhado de opções de realização sejam necessárias ao desconforto da acção (diálogos inócuos para desenhar o quotidiano, 2 horas de filme no mesmo apartamento, porque tem de ser, etc), mas, a nível técnico, Amour é uma obra ostensivamente majestática e solene, que é profunda por natureza, mas que faz questão de sobrecarregar a sua intelectualidade, coisa tão cara aos europeus, e que acho que acaba por maçar o filme desnecessariamente.

Emmanuelle Riva é atordoante. O seu processo de degeneração é interpretado com um realismo radical, e não há nada a fazer a não ser nos chocarmos de cada vez, enquanto a acompanhamos distanciar-se da sua graça e da sua lucidez, até ficar num autêntico farrapo humano, em relação ao qual não há, pura e simplesmente, forma pouco afectada de reagir. Costuma dizer-se que é fácil fazer papéis de doentes, mas quem vir Amour, percebe que não há nada de remotamente fácil na sensacional performance de Riva, uma daquelas para fazer escola. Será com todo o mérito que, na noite dos Óscares, esta grande senhora, que já venceu o BAFTA, estará a comemorar os seus extraordinários 86 anos num lugar de destaque da grande plateia, enquanto se celebra como a mulher mais velha de sempre a ser nomeada para Melhor Actriz.

Mas também Jean-Louis Trintignant não pode ser esquecido. Se Riva deslumbra pelo impacto que se vê, Trintignant é imenso pelo impacto que nem se ouve. Não se queixa, não hesita, não chora, não tem pena dele próprio, recusa que alguém tenha. Dá-se completamente, e sujeita-se a tudo, assombrado na cara e na alma, mas sem nunca pensar duas vezes. É um desempenho complementar de luxo, e merecia mais crédito na época dos prémios, ele que, no auge da carreira, já ganhou Melhor Actor em Berlim e em Cannes.

Como já escrevi, a realização de Haneke é uma condicionante à qual não consigo fugir. Apesar disso, as interpretações e o estofo incomparável com que é contado, consumados num final brilhante, fazem de Amour, de facto, um dos filmes mais marcantes de 2012.

7.5/10

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