quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Beasts of the Southern Wild


Filme diferente, na história e na narrativa. Beasts conta a história de uma comunidade de Sem-Terra, a viver numa espécie de ilha na foz de um rio, uma zona mais ou menos de ninguém, sem quaisquer condições e erigida numa miserabilidade grande, exposta a todos os elementos, passível de ser alagada e destruída em qualquer temporal, uma "ilha ficcional" inspirada por comunidades piscatórias independentes e isoladas do Louisiana, no Sudoeste americano, expostas à erosão, à subida do nível do mar e aos furacões. Os protagonistas são uma pequena menina, orfã de mãe, e o pai com que ela vive nesse lugar perfeitamente esquecido por deus, e que está severamente doente.

Beasts é um filme, acima de tudo, sobre pertença. Sobre a casa, o conforto e a identidade que se pode achar, mesmo feitos de nada e no meio do nada, contra quase tudo e quase todos. É um filme sobre o nosso lugar, as nossas pessoas, mesmo que quem olhe para isso não possa perceber, que fala de sobrevivência, da crueza da vida, de paternidade, de perda, e do fim da inocência. O argumento baseia-se numa peça de Lucy Alibar, que se estreia a adaptar para cinema, em parceria com o realizador Benh Zeitlin, também ele um rookie a todos os níveis. Estão ambos na corrida ao Óscar de Melhor Argumento Adaptado.

Zeitlin acumula a nomeação com a de Realizador, e se o trato da história é bom, a realização é, ela sim, espantosa, e, com toda a razão, indicada ao Óscar. Aliás, a Academia esteve quase irrepreensível na categoria: falhou Tarantino, injustamente, mas Ang Lee e Zeitlin foram nomeados na vez de Affleck e Bigelow, que eram ladeados pelos seus pesos-pesados, e isso só pode merecer aplauso. A câmara de Zeitlin é de uma sensibilidade desarmante. As cores, as luzes, os movimentos, os planos, são quase sempre de uma beleza extrema. O ambiente dos lugares do filme, de praticamente todos eles, é excepcional. Exalam vida, carisma, dá para senti-los, cheirá-los, vivê-los. É uma realização absolutamente envolvente, deliciosa, e apoia-se, ainda por cima, numa das bandas sonoras do ano, brilhante, a completar magistralmente todas as grandes cenas, composta pelo também pouco conhecido Dan Romer, e pelo próprio realizador-argumentista. 2012 foi, portanto, uma estreia de sonho para ele, que já lhe rendeu a Caméra d'Or, em Cannes, e o Grande Prémio do Júri, em Sundance.

Quvenzhané Wallis faz cair um queixo, se pensarmos que tem uns inacreditáveis 9 anos. A mais jovem Nomeada da História a Melhor Actriz respira talento por todos os poros. A sua personagem tem a vida mais assombrada à face da Terra, mas é, ela própria, uma assombração de atitude, de resposta às adversidades e de maturidade precoce. É uma autêntica criança, mas sempre com esgar de quem já viveu mais que muito. No papel, não lhe pediram que chorasse, ou que fosse uma sentimentalista fácil; pediram-lhe, ao invés, para aguentar o choro, para fechar a cara, subsistir e ser gente grande, ao que ela responde com um desempenho infinitamente mais adulto do que a sua idade impressionante podia fazer crer. É uma das performances do ano, absolutamente, e um choque tentar imaginar o que se pode esperar do seu imenso resto de carreira, se ela assim o seguir. Também Dwight Henry, o pai, é um Secundário à altura, sempre tão agreste quanto bem intencionado, ensinado pela vida, e destruído pela iminência de ir falhar como pai, ao que investe tudo num amor duro, para fazer da filha independente e capaz, forte, para lhe dar uma oportunidade de sobreviver por ela própria, quando ficar sozinha.

Beasts of the Southern Wild é, apesar de tudo, mais estilizado do que seria ideal, o que o torna menos fácil de apreender. Investe, não raras vezes, numa narrativa muito interpretativa do autor, em laivos artísticos e, especialmente, num derrame pelo mundo da Fantasia, o que lhe causa um ruído desnecessário e uma pior digestão. Não deixa, porém, de ser um filme de franca qualidade, com boa interpretação, enorme visualidade e um sentimento indiscutível.

7.5/10

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