terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ÓSCARES, 85 - Balanço


Daqui a anos, lembrar-se-á que 2012 foi um ano dos diabos para o cinema. Que Spielberg voltou às obras-magnas, depois de quase uma década de deserto criativo, e guiou Day-Lewis até aos livros, num papel de antologia. Que o génio inventivo de Tarantino não tem exactamente fim, e que 18 anos depois da primeira vez, confirmou-se na elite de melhores criadores que já viveram. Que Ang Lee fez, possivelmente, o 3D mais deslumbrante até então, e que concretizou na tela um livro monumental, que quem de direito considerava inadaptável. Que O. Russel reescreveu a História das comédias românticas, e que fez duma, incrivelmente, um filme melhor do que os melhores. Que um filme estrangeiro e um vencedor de Sundance, histórias absolutamente notáveis, tiveram uma noite para estar, por mérito próprio, na lista aos olhos do mundo. E que uma daquelas histórias perfeitas da vida real, vividas para serem cinema depois, conseguiu falhar com uma vulgaridade dolorosa, e mesmo assim, tornou-se no vencedor de Óscar mais incompreensivelmente sobrevalorizado de que houve memória.

Se me mostrassem o trailer do Argo, e me dissessem que ia ganhar Melhor Filme, eu apostava. Tinha tudo a favor, era um dos filmes que eu mais avidamente esperava este ano. O Óscar foi dado nessa base. Era tudo tão bom no papel, que as pessoas convenceram-se de que tinha de ser no ecrã. Depois de verem, na dúvida, resolveram que sim. E criou-se uma espiral de silêncio espectacular, que acabou no eco estrondoso de ontem à noite.

A ver Affleck no palco, mais do que a vitória do filme, irritou-me que ele fosse reconhecido por aquilo. O discurso de aceitação foi emocional, contagiante, impossível de não simpatizar, à sua imagem. Lembrei-me logo da subida de 1998 quando, com Matt Damon, e aos 26 anos, tornou-se no mais jovem vencedor de sempre de Argumento Original, pelo monumental Good Will Hunting. Que abismo separa os dois filmes. Affleck é carismático, já é uma das caras maiores do meio, e continuará a crescer. O seu Melhor Filme ser Argo é qualquer coisa de desolador, e não há nada a fazer quanto a isso. Chris Terrio ainda levar Argumento Adaptado sobre, literalmente, qualquer um dos outros quatro nomeados, é, então, uma barbaridade tão proverbial que, estou convencido, mais ano menos ano, será suficiente para lhe impugnar o Óscar.


No resto foi, verdadeiramente, uma cerimónia memorável a celebrar excelência. Life of Pi foi o outro vencedor da noite, com Ang Lee a reclamar o segundo Óscar da carreira, o prémio graúdo mais imprevisível, a que lhe juntou três títulos técnicos de referência: Fotografia, Efeitos Visuais e Banda Sonora. Fiquei com pena por Spielberg e por Lincoln, os grandes derrotados da noite, um ónus que toda aquela qualidade definitivamente não merecia, mas o reconhecimento para Life of Pi é inatacável.


A Lincoln, salvou a honra o próprio, com o triunfo inevitável do majestoso Daniel Day-Lewis, de ontem em diante, o único homem da História a ganhar três vezes Melhor Actor Principal. E que extraordinariamente natural é que o título seja de tamanho monstro.


Numa noite de História e de regressos, evidentemente que Tarantino disse presente, ao confirmar o seu segundo Óscar, 18 anos depois de Pulp Fiction, e metendo mais uma pedra rumo à eternidade. Subiu ao palco tão em êxtase como sempre, um génio, one of a kind. Tão saudável que é reconhecer o talento assim, acima de tudo, e ao mais alto nível. Infelizmente para um Tommy Lee Jones que foi tremendo, a vitória de Christopher Waltz também é indiscutível, engrossando o palmarés do fantástico Django. Finalmente, Filme Estrangeiro, e um espaço feliz para Amour ter o seu totalmente merecido momento ao sol.


A vitória da noite, e quem desconcertou de vez a paixão de meio mundo foi, obviamente, Jennifer Lawrence. Reparem que ter sido, de facto, a Melhor Actriz do ano já é um pormenor aqui. Lawrence foi deslumbrante e irresistível, da queda mais graciosa da História da escadaria do Kodak Theatre, à conferência de imprensa deliciosa do pós-vitória. À parte de ser aquele espectáculo, e da imensidão de talento, é inteligente, carismática e incrivelmente divertida e cativante. Pôs e dispôs da noite num trono, e foi um arraso unânime. O Óscar, aos 22 anos, põe-na, desde já, no patamar onde merece estar nas próximas longas temporadas.


MacFarlane nunca seria uma desilusão... Mas encheu a casa. Tão genial como se sabia em momentos sucessivos, surpreendente na condução geral da cerimónia. Definida como a gala da música no cinema, sofreu um ou outro mal por se dedicar tanto a isso, a que juntou uma realização que, apesar de criativa visualmente, foi desinteressante a introduzir as categorias (lembre-se, por exemplo, os clips com entrevistas aos protagonistas, no ano passado). MacFarlane, contudo, reinou. Foi clássico e esbanjou classe, a dançar, a sapatear e a cantar, e conseguiu fundir o mestre de cerimónias dos velhos tempos, a boa piada grosseira do seu universo criativo, e um portefólio de ácido com honras gervasianas. Correu muito muito bem, e mais do que isso, fez crer que há espaço para ainda crescer na próxima vez (menos musical, porventura), assim aposte a Academia na sua continuidade.

E assim foram mais uns Óscares, mais uma noite onde, diga-se o que se disser, implique-se como se quiser, toda a gente gostaria um dia de estar. Que 2013 tenha, pelo menos, cinema quase tão bom como o ano que passou.

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