terça-feira, 30 de abril de 2013

Os 7 minutos em que se pôde tudo


Minuto 88. 2ª mão da eliminatória. Mais do que acabado, estava morto e enterrado. Decidido, sabia-se, há uma semana, num inferno do coração da Europa. Hoje, a fúria do Sul não tinha simplesmente chegado. Espreitou no primeiro quarto-de-hora, mas fugiu logo depois, acabando obliterada durante toda uma segunda-parte dolorosa, em que o gigante amarelo se passeou em pleno Bernabéu com uma arrogância lânguida, própria de quem já ganhou.

Isso porque o Real, ainda cedo, também decidiu perder. Muito antes de, por um cruzamento casuístico, Benzema ter entrado com a bola pela baliza de Weidenfeller adentro, tinha sido o próprio Real a desistir. A equipa nunca se convenceu verdadeiramente que 90 minutos chegavam para a herculez da tarefa; os últimos 45 foram, então, passados na penitência de uma via sacra.

Acontece que o futebol se dá mal com estas pré-determinações, mesmo quando a audácia não é que chegue para ser protegida pela sorte. O Borussia tinha ganho, o Real tinha perdido, e já tinham quase todos assinado a rendição. Quase. De todos os jogadores do Real, mais ninguém podia ter marcado aquele golo ao minuto 88. Porque, nessa altura, já não tinha a ver com arranjar soluções para marcar; tinha a ver com acreditar incondicionalmente que ainda havia todo o tempo do mundo. Sérgio Ramos pode ter muitos defeitos, que os tem; ao minuto 88, porém, o Bernabéu não tinha nenhum madridista maior do que ele.

Os 7 minutos que se seguiram, mesmo que o Real não tenha chegado a conseguir o seu milagre, são uma página tão bonita da meia-final como o festival amarelo no Westfallen. O Real foi pior do que o adversário, do que o seu espectacular adversário, em 170 minutos da eliminatória, e não mereceu chegar a Wembley. O facto de ter estado tão ridiculamente perto nos últimos 7, e de termos podido viver, com o coração na boca, esse contra-relógio irracional, em que tudo passou a ser possível, em que havia algo maior do que a inferioridade, do que a desistência e do que a derrota, é um tratado acabado do futebol como jogo mais bonito do mundo.

O Borussia há de ser Campeão da Europa. Merece-o em cada toque, e em cada segundo da maneira de estar. O Moudrid acaba hoje. Três anos a que a História fará jus, três anos em que o Real ganhou um campeonato impossível, e em que ganhou o direito de voltar a ter orgulho europeu. Três meias-finais perdidas, porque é futebol, e porque não era para acontecer. O Madrid lembrará Mourinho, e Mourinho lembrará o Madrid, como coisas de um romance inacabado que, quem sabe, um dia ainda voltará a ser. Agora é hora de irem tentar recuperar a Orelhuda longe um do outro. Não acabou feliz, mas nunca acabaria indiferente. Faz sentido que tenha acabado nestes 7 minutos imponderáveis.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Os dias em que o futebol português faz sentido


É como ter 9 anos outra vez, e voltar aos lugares sagrados da velhinha Primeira Divisão. Não era Bwin, nem ZON, nem Sagres; era simplesmente a Primeira Divisão, e foi um sítio perfeito para se aprender a gostar de futebol. Os estádios não eram novos e não tinham 30 mil cadeiras em todas as esquinas. Também não eram perdidos da cidade. Ficavam-lhes no coração, o mais perto que desse das pessoas. Era o tempo em que havia mais gente do que lugares. Ou, pelo menos, parecia. Era o tempo em que era tudo mais simples.

Ver 14 mil pessoas a encher o São Luís é comovente. Lembro-me logo do Paco Fortes. Do Candeias, do King, do Carlos Costa, do Hajry. E claro, do senhor Nader, Hassan Nader, da época em que os mais pequenos também tinham símbolos, e também os podiam eternizar. É como se tivesse as cadernetas da Panini abertas nas mãos, como se pudesse vê-los a todos outra vez. Ou ouvir deles, claro, nos Domingos às 4 intemporais da Antena 1, enquanto esperava, fiel, por um golo do meu Marítimo. É como estar à espera de ligar a televisão, e de ter acabado de começar o Domingo Desportivo. E voltar a ver a nobreza do Vidal Pinheiro, a alma da Póvoa, a relva encharcada do Adelino Ribeiro Novo, ou toda a gente a acotovelar-se no velhinho Mário Duarte.

O futebol português perdeu tantas coisas desde esse tempo, muitas delas para sempre. É uma boa notícia que tenha podido recuperar o Farense. Do fundo mais fundo, até ao regresso que parecia nunca poder chegar, e 14 mil pessoas disseram presente. Oscar Wilde escreveu que viver é a coisa mais rara do mundo; a maioria das pessoas apenas existe. É o mesmo com os clubes. Não compensa toda a brutalidade do que se perdeu, mas acredito que quem esteve ontem no São Luís, tenha pensado que, se calhar, valeu a pena morrer, para poder voltar a viver assim. Como eu gostava de voltar a sentir esses Barreiros na pele.

O verdadeiro drama do futebol português é esse, é apenas existir. Há dias, porém, como ontem, em que ainda faz sentido. Um bem haja ao grande Farense, e toda a sorte do mundo. Só os maiores é que fazem falta.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Medo


Teve a violência de legiões bárbaras da Baviera a pilarem os maiores tesouros de toda uma Europa do Sul. A incendiarem tudo, e a incendiarem o tempo todo, sem dó e sem piedade, e sem deixarem ninguém vivo para contar. No início do ano, a antecipação de tamanho cenário teria sido delirante. O blaugrana melhor de sempre, o merengue maior campeão de todos os tempos, o tiki-taka e o mourinhismo, a extra-terrestrialidade luso-argentina. Barça e Real eram as duas vacas sagradas de um continente e de uma era, só passíveis de derrotar numa brincadeira do universo.

O jogo, porém, é volátil. Chispa, queima e muda, pode mudar muito, e mudar em muito pouco tempo. Esta semana, a verdade é que já ninguém estava assim tão desprevenido. No ano passado, era legítimo arruinar-se a apostar que Messi e Ronaldo seriam o prato da final. Desta vez, no entanto, já toda a gente ouvia o roncar dos motores ao longe. Toda a gente percebia a pujança da maquinaria alemã a chegar no vazio, com um som ensurdecedor, e uma cadência para quebrar ossos. O que não se sabia era serem humanamente imparáveis.

Ouvi uma vez que o sentimento mais poderoso de todos não é o amor; é o medo. No limite, nada nos paralisa tão completamente como o medo, e nada nos precipita tão grandes reacções. As meias-finais da Liga dos Campeões de 2013 foram uma história sobre medo. Sobre o terror que consumiu toda a vida de quem tinha o trono, e lhe esgotou toda e qualquer gota de sangue no corpo; e sobre os temores feitos banquete por quem não tinha nada para defender, e que, numa hipotética dúvida existencial, percebeu que a única saída era ser tão gloriosamente louco quanto possível.

Este Espanha-Alemanha inacreditável, que a História eternizará, não teve nada de racional. Não pode ser descrito como táctico, surpreendente, exagerado. Não pode ter nominologia de jogos normais, como não tem o que é bigger than life. Se o Bayern tivesse sido muito bom, tinha ganho 1-0; se o Borussia tivesse feito uso de todos os seus méritos, tinha ficado com 2-1. A monstruosidade dos resultados finais é transcendência em estado puro. É a perversão de todas as fórmulas, é o jogo na dimensão em que já não se pode medir, e cuja estrutura atómica nunca se poderá dissecar verdadeiramente. Bayern e Borussia são duas equipas perfeitamente extraordinárias; isso, por si só, não lhes teria chegado. Conquistarão Wembley por KO, porque conquistaram o medo, e porque essa era a única forma de o fazer.

Estadismo de ocasião

 

"Os nossos agentes políticos têm de estar conscientes que deverão atuar num horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais. (...) Se se persistir numa visão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões que pouco dizem aos Portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o Governo ou estar na Oposição. É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de consensos irão penalizar os próprios agentes políticos mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse nacional"
Cavaco Silva, em discurso à Assembleia

Hoje, no discurso do 25 de Abril à Assembleia, Cavaco falou e, para variar, disse qualquer coisa. Sem meias frases, sem recados mal entregues, sem medo de se queimar nas pontas dos dedos. Falou, e tomou posição. Disse que a hora é de pôr o país em primeiro, segundo e terceiro lugar, e de sacrificar todos os orgulhos e todos os interesses, em nome da causa comum. A hora é dos melhores adversários trabalharem juntos, muito especialmente os que não têm nada a ganhar com isso, porque ou se faz assim, ou perderemos irremediavelmente todos. É um discurso que merece o reconhecimento, mesmo que não estejamos a falar em acreditar no Pai Natal.

Cavaco não acordou assomado pelo estadismo que nunca teve na vida inteira. A precisão e a lucidez do discurso são directamente proporcionais à sua própria agenda. Na verdade, Cavaco exalta a que os rivais sejam maiores do que as circunstâncias, e se sacrifiquem por elas, no próprio processo de estar a salvaguardar os seus trunfos: um Governo, uma Maioria, um Presidente, o mote de Sá Carneiro com que o PSD sempre fantasiou, e que finalmente concretizou. Cavaco só seria capaz de um discurso como este, nestas exactas circunstâncias, ou seja, num cenário em que tudo fosse favorável a si e aos seus. Nunca de qualquer outra forma.

É inevitável ter isto em mente quando se pesa um discurso destes, e é evidente que isso lhe tira brio, e corrompe alguma coisa. Talvez até lhe ponha em causa a legitimidade. Cavaco não é melhor por causa deste discurso, porque é impossível dissociar a sua pessoa e a sua carreira daquilo que diz. Sobretudo quando está certo. No entanto, por mais que o discurso lhe seja favorável, e por mais que se despreze a perversão de propósitos, foi, em tom, em posição e em conteúdo, a medida exacta do que era preciso dizer nesta altura.

terça-feira, 23 de abril de 2013

"Tive que esperar tanto tempo"


Três anos no Feyenoord, oito no Arsenal. Só à formalidade de uns meses de entrar nos místicos 30, é que um dos mais extraordinários e preponderantes jogadores que pisaram a Premier League no novo século, pôde comemorar finalmente o seu primeiro título de campeão. Considerado o melhor jogador da edição do ano passado, foi a bomba do Verão, no dia em que desfez a alma de toda uma nação gunner que capitaneava, e se mudou para o maior que o país podia oferecer.

Por definição, o futebol não empatiza com coisas assim. É um dos maiores negócios do mundo, mas é um negócio especial. Puro, essencial. Sair de casa por poder, por dinheiro e por títulos, é quase sempre ser mercenário. Gostamos mais do Giggs, que joga no mesmo relvado há 24 anos. Do Gerrard, que nunca foi campeão inglês, ou do Totti, que nunca viveu glórias europeias. Do Del Piero, que desceu de divisão e, mesmo assim, ficou na Juve, só "porque um cavalheiro jamais abandona a sua Senhora." O futebol é um dos maiores negócios do mundo, mas é um negócio especial, porque vive da paixão e da irracionalidade. No futebol, como na vida, admiramos os que conseguem ser melhores do que nós. Os que fazem as escolhas difíceis, quando era tão ridiculamente mais fácil ir ganhar para outro lado.

Digo isto, e não consigo deixar de ficar contente por Van Persie. O futebol é especial também porque não é quadrado, porque é mais do que o preto e o branco. Tivesse ficado no Arsenal, Van Persie ganharia o carinho, mas continuaria a perder uma infinidade de outras coisas. A realidade é que a sua saída foi mais culpa do clube, do estado vegetal em que esse se deixou cair, do que dele próprio. Nenhum adepto do Arsenal poderá apontar o que quer que seja a Van Persie, e oito anos não são um mês, nem dois. Nessa jornada, Robbie fez o caminho todo, da sombra de um plantel de galácticos, a melhor marcador, MVP da Liga e capitão de equipa. Mais do que um jogador notável, foi, num sem fim de tardes, a candeia que, solitária, alumiou o caminho. Foi tudo o que o Arsenal podia pedir, e depois um pouco mais. Se alguém merecia sair pela porta da frente, esse alguém era ele.

Mais do que os 24 golos, as 13 assistências (até ver), e o título resgatado antes do Natal, as duas imagens mais fortes do ano ficam na memória deste mês. Em Stoke, Fergie fez dele marcador de penalties da equipa, para acabar com a maldita seca que subsistia há 10 jogos. Van Persie converteu, e, como se tivesse marcado o primeiro golo da carreira, correu a espremer nos braços o velho Sir, que diria depois, com o seu incomparável sorriso de pai, que ele "esquece-se que tenho 71 anos...". Ontem, no jogo da consagração, decidiu ganhar com um hattrick a correr, golo do ano incluído. Foi assim a temporada de Van Persie. Um trintão sempre incapaz de disfarçar a excitação de miúdo, sempre incrédulo por adivinhar finalmente a alegria pela qual marcou golos uma vida inteira. Pois que se lixe o resto. Talvez Van Persie nunca chegue a entrar na câmara sagrada onde perdurarão nomes como os que usei acima. A verdade é que a eternidade talvez espere por nós; a vida não.


sábado, 20 de abril de 2013

Os melhores da melhor

 

"A Associação de Futebolistas Profissionais de Inglaterra divulgou esta sexta-feira a lista de atletas candidatos ao prémio de melhor jogador do ano a atuar na Premier League. Luís Suarez, do Liverpool, Gareth Bale, do Tottenham de André Villas-Boas, Robin van Persie e Michael Carrick, do Manchester United, e Eden Hazard e Juan Mata, do Chelsea, são os jogadores que lutam pelo galardão, que será entregue no dia 28 de abril. (...) Bale, aliás, também figura entre os candidatos ao troféu que distingue o melhor jogador jovem da liga inglesa, bem como Hazard, do Chelsea. Christian Benteke, do Aston Villa, Romelu Lukaku, do West Bromwich Albion, Danny Welbeck, do Manchester United e Jack Wilshere, do Arsenal, são os restantes jovens na corrida pelo troféu." 

RVP, Bale, Suárez. É esta a trindade santíssima do ano, donde sairá, necessariamente, o MVP. Mata e Hazzard são os outros realmente indiscutíveis, apesar de mais um ano vivido na montanha russa de Stamford Bridge. É uma pole sem favores, praticamente indiscutível, como são quase sempre em Inglaterra, e como sabe sempre melhor. Para implicar, só sobrou o joker. Carrick é quem fecha a lista, na condição de único outro indiscutível do campeão, e a superioridade do United foi tão exaustiva, que isso quase se chega a aceitar. Não está em causa a forma como, no meio do turbilhão de rotações do miolo de Ferguson, Carrick se soube acomodar na equipa. O que é custoso é que o inglês não foi, nem nunca será mais do que isso: um gregário competente, constante e com boa vontade, não especialmente talentoso, nunca especialmente decisivo, e, na verdade, abaixo da média do que o United devia ter ali.

Pelo contrário, há muito boa gente cujo justificativa para a indicação salta aos olhos. Por exemplo, aquele que foi, sem discussão possível, a revelação da Liga. Miguel Pérez Cuesta, o impressionante Michu (Swansea), foi nota de rodapé nas transferências de Verão (2 milhões de euros, vindo do Rayo), mas, no seu jeito arrastado, que às vezes lembra um tal de Zidane, converteu-se de falso 10 a ponta-de-lança, e assumiu-se como o terceiro goleador do ano, e o guia do primeiro grande título dos cisnes brancos de Gales. A sua ausência é inaceitável, tal como se pensa em Walcott, Fellaini, Cazorla, Tévez, Gerrard ou Rickie Lambert, por esta ordem, e se enumera facilmente mais do que uma mão cheia de melhores opções.

Durante muito tempo, pareceu que o vencedor só poderia ser um, nada mais do que o próprio detentor do título: Robbie Vantastic protagonizou a transferência do Verão, e a naturalidade desconcertante com que roubou o espectáculo, oferecendo o título à sua nova equipa praticamente no Natal, explicava tudo bem que chegue. O problema, de certa forma, foi que o United ganhou cedo demais. Enquanto a equipa já descansava para outras lutas, vincou-se, então, a concorrência. Por detrás dos portões sagrados de Anfield, o estupendo Luisito Suárez redescobriu a tonelagem goleadora e, até ver, veio mesmo roubar a Bota de Ouro que já não parecia fugir ao holandês, num Liverpool que chegou a contagiar, antes de se voltar a enganar nos seus problemas de sempre. Mais a Sul, porém, houve um furacão galês que se encarregou de chocar quase tudo e quase todos, e fazer do Noroeste de Londres um sítio mais ou menos da estratosfera. Van Persie foi, de muito longe, a figura crucial do campeão; Suárez talvez até acabe melhor marcador; Bale, por sua vez, poderá nem ficar no pódio, mas todos quantos viram os jogos do Tottenham, sabem que viram jogar o Melhor do Ano. Foi impressionante demais para não ser o meu favorito.

Independentemente do resto, Bale será o Melhor Jovem, mas vale a pena salientar um espectacular trio de belgas, que salienta a tal segunda geração de ouro da nação centro-europeia. Hazzard dispensa apresentações, porque já trazia o cartel, e porque as fez pessoalmente desde o primeiro minuto de Premier League. Maior é a nota para Christian Benteke (22 anos, 15 golos) que, no ano de estreia, foi a chave de ouro para a manutenção do histórico Aston Villa; mais ainda, Romelu Lukaku, titular no Anderlecht aos 16 anos e mito nos jogos de scouting, encontrou, aos 19 anos, no Brom que foi uma das saudáveis revelações da temporada, o lugar perfeito para crescer à altura do que todos esperavam dele. Fora os peixes graúdos, o miúdo que o Chelsea, por certo, não voltará a emprestar no próximo ano, foi o melhor jovem da época.

Premier League 2012/2013, a cortina está quase a tombar. Chega dizer que foi tão bom como sempre. A minha equipa ideal:

Begovic (Stoke); Johnson (Liverpool), Nastasic (City), Vertonghen (Tottenham), Baines (Everton); Hazzard (Chelsea), Gerrard (Liverpool), Mata (Chelsea), Bale (Tottenham); Suárez (Liverpool), Van Persie (United).

Hart (City), De Gea (United); Rafael (United), Shawcross (Stoke), David Luiz (Chelsea), Jose Enrique (Liverpool); Walcott (Arsenal), Fellaini (Everton), Carrick (United), Cazorla (Arsenal); Michu (Swansea), Tévez (City).

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Champions 2013. A Guerra dos Tronos

 

Estarem lá os quatro que toda a gente queria ver é um luxo. 

6ª meia-final seguida do Barça, 3ª meia-final seguida do Real, 3ª meia-final em 4 anos do Bayern. Dá para perceber a ideia: continuam a ser translúcidas as três melhores equipas europeias da segunda década do novo século. Junta-se-lhes, desta vez, a frescura de um joker apaixonante, o Borussia bicampeão alemão, que foi o maior da Europa em 1997, mas que já não andava nestas coisas há tempo demais. São houvesse um quatro ideal, eram eles - a gloriosa Premier League padeceu de mais um ano europeu pouco glamouroso, ainda que não seja justo falar de nenhuma decadência de consumo -, e o sorteio até se encarregou de dividi-los irmanamente, para melhor celebrar tamanho choque hispano-alemão de titãs.

O Real já perdeu para os dois primeiros, Mourinho já os bateu a ambos na última vitória. O Barça-Bayern era, de facto, a odisseia que faltava a estes anos. Sob a melhor equipa da História parecem pairar, por fim, algumas sombras, mas, como provou a recepção do Camp Nou ao PSG, Messi continua a ser um extraterrestre para todas as horas, e continua a perverter todas e quaisquer dúvidas existenciais da equipa. Do outro lado, está, porém, o que muitos consideram o mais temível de todos os adversários, o que, longe do mediatismo espanhol, diz quase tudo sobre o nível do pelotão de Heynckes. Há meses que o Bayern se encarrega de espantar o continente, a incinerar adversário atrás de adversário, e, hoje, já com o título resgatado três anos depois, a equipa parece verdadeiramente maior do que nunca.

Do outro lado, Mourinho experimentará o terceiro adversário em outros tantos anos, mas não pode respirar de alívio. Bem presente terá de estar o showdown de superioridade do gigante amarelo na fase de grupos, o mesmo para o qual Mourinho pedia atenção quando isto começou, para que ninguém se surpreendesse depois. O Real terá de lidar com uma equipa fresca e entusiástica, fora todo o brilhante resto, num ano inexplicavelmente atípico, onde se insinua o desgaste do projecto, e onde se tem vivido numa verdadeira roleta russa de comportamento, tão capaz de chegar a uma final da Copa do Rei em pleno Camp Nou, como de se sujeitar a ser humilhado numa noite normal em Istambul.

Apesar de tudo, o que está na cabeça de toda a gente é a autêntica final de uma Era. Será? Se há coisa que o ano passado deve ensinar, é que há tudo menos vencedores por decreto. As armadas espanholas continuam a ter muito a pesar a seu favor, e têm muito especialmente a incredulidade de dois talentos ímpares e intemporais, mas já estão longe de serem armadas invencíveis. Hoje, são mais humanas do que nunca, e a verdade é que, qual Guerra dos Tronos, devem ter medo dos adversários que lhes saíram em sorte. Hoje, a verdade é que um cheque-mate germânico já não poderá escandalizar ninguém.


P.S. - Galvanizador para o Benfica evitar o Chelsea nas meias-finais da Liga Europa. Vale a pena acreditar na final de Amesterdão, mesmo que o Fenerbahçe seja muito mais temível do que aquilo que se pensa, e que as equipas de Leste se tenham habituado a fazer escola na prova.

Jesus. O Benfica europeu e o resto


"Do meu ponto de vista, a unidade justa para comparar treinadores de topo é a que mede o desempenho europeu em provas de clubes: Liga dos Campeões e Liga Europa. (...) Esta medida permite opinar a partir de factos, o que dá sempre jeito. Taças conquistadas, antes de mais, mas também acesso a finais, meias-finais, quartos-de-final; vitórias, empates e derrotas. Golos marcados e sofridos. Tudo isto é factual."

Quartos, Meias, Quartos, Meias. Goste-se o que se quiser, mas, no fim do seu quarto ano como treinador do Benfica, ninguém poderá duvidar remotamente da competência extrema de Jorge Jesus. Quando comecei a ver futebol, era quase redundante o Benfica sair das competições da UEFA antes do Natal. Chegou Jesus, e quase duas décadas passadas dos resquícios do último Benfica europeu, há qualquer coisa que ressuscitou. Uma Liga dos Campeões notável, no ano passado, perdida, de forma ingrata, para o futuro campeão; outras duas meias-finais europeias em três anos, feito repetido meio século depois do lendário Bella Guttmann, por aquele que já é o treinador do Benfica com mais vitórias europeias. No reinado de Jesus, o Benfica está a cometer a barbaridade de ser o sexto! melhor clube europeu a nível de resultados continentais.

Dir-se-á que teve condições incomparáveis às da longa travessia no deserto que o antecedeu. Que teve uma presidência estável, que sempre o preservou, e uma liquidez financeira e um departamento de futebol que lhe permitiram acumular plantéis com um potencial extraordinário. Dir-se-á que, ao fim e ao cabo, ganhou pouco, e que perdeu em muitos momentos dolorosamente decisivos. E lembrar-se-á sempre que não é um treinador sexy, dos que ficam bem na fotografia. Isso tudo, e pesa-se na balança, e continua a haver betão a desequilibrá-la a seu favor.

À parte a Europa, o Benfica de Jesus começou a vender como um clube grande, e pôde deixar de invejar o rival a Norte. 2 jogadores no Real, 2 no Chelsea, 1 no City, 1 no Zenit, alguns 170 milhões de euros no seu legado, só em transferências. O Benfica só foi campeão uma vez, é verdade, mas lutou abertamente por dois outros campeonatos, e, até ver, vai na frente neste. Antes de Jesus, o clube passou 4 anos sem ser sequer o runner-up. Os títulos rezam a História, mas não necessariamente a competência de um treinador. Com ele, também passou a ser impossível ver o Benfica passar vergonhas precoces. 3 taças da Liga e 2 meias da Taça, com um pé no Jamor desta vez. Nos entretantos, se calhar, o maior elogio que se lhe pode fazer: a equipa jogou quase sempre um mar de futebol.

Os benfiquistas lembrar-se-ão da tragédia de há dois anos, quando usufruíam exactamente das mesmas circunstâncias do que hoje, e é difícil que possam perdoar nova não conquista de nenhum dos grandes títulos. Certo é que, seja qual for o fim, o clube tem no banco um dos 20 melhores treinadores europeus da actualidade, e é bom que tenha noção disso.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Borussia que foi Doutro Mundo


Há dias em que o trocadilho fará sentido. Depois, haverá os quartos-de-final da Liga dos Campeões de 2013, de hoje e até ao fim dos tempos cravado na pedra e na alma do Westfalen, a lembrar que, às vezes, os trocadilhos são só uma amostra da realidade.

Ao minuto 91, um terramoto com epicentro em Dortmund estava a abalar ondas de choque por meia Europa. Não era justo falar de nenhum escândalo a lesar majestades, afinal de contas, tudo o que o Málaga fez este ano foi superar preconceitos, ao passo que o Borussia, obcecado pela afirmação europeia, perdeu um campeonato por 20 pontos. Era tudo mais humano do que parecia, mas, na verdade, ninguém cria realmente que o Málaga pudesse sair da Alemanha como rei da festa.

Ao minuto 91, dava-me pena, sinceramente. O Málaga é uma equipa da qual se tem de gostar, que só pode inspirar respeito e admiração e eu, maldito vício, sempre fui crónico pelos underdogs. Desta vez, porém, não podia. Desta vez, o que aquele bom Málaga se prestava a fazer era um homicídio futebolístico. É que a epopeia europeia do Borussia estava a ser a paixão colectiva mal escondida do ano. Já não havia ninguém que não tivesse sido arrebatado pela febre amarela.

É que este Dortmund é mais ou menos irresistível. Todo ele é vitalidade, juventude e rasgo, numa Europa que tem um Barça cyborg, um Real cansado, e um Bayern e um United com demasiadas responsabilidades. É um entusiasmo, uma vontade, uma provocação e uma alma palpável, com doses pornográficas de talento, dos holofotes que Goetze tem no lugar das botas, à agilidade cristiânica de Reus e ao mundo de coisas que Lewandowski consegue fazer em dois toques, tudo naquele carrossel em que a equipa cavalga à velocidade da luz. E é, acima de qualquer coisa, um carisma verdadeiramente inacreditável, que nasce no sorriso delirante com que Klopp enche o campo, possuindo tudo o que quer que esteja à sua volta. Impagável o trabalho deste profeta genial, o homem para quem "mais vale perder do que não entusiasmar as pessoas", o louco que contrataram porque "sabia rir perante qualquer adversidade."

Ao minuto 91, a História tinha outros planos... mas não foi preciso mais do que o empate improvável de Reus, para que o próprio Málaga percebesse que já tinha perdido. Como uma presa ferida, que vê o leão embalado ao fundo para a última carga. Como quem sentiu todo o Westfalen a saborear o sangue, na mera antecipação de esmagar o peso do mundo nas suas pequenas e humildes costas. Para o milagre de mais uma noite sagrada que a Liga dos Campeões não irá esquecer, não teria chegado o seu excelso futebol. Chegou o facto do gigante amarelo ser qualquer coisa espectacularmente maior do que isso. Este Borussia é uma equipa com factor-x, e deus sabe onde isso poderá parar.

terça-feira, 9 de abril de 2013

The Comedy Central Roasts. Amor à primeira vista


É começar a ver, e ficar a pensar que outro raio andámos a fazer neste tempo todo.

Adeptos da ironia, partidários do sarcasmo, defensores do humor negro, consumidores do mais ácido que pode haver, esqueçam tudo o que já viram. Não era a sério. Os assomos de arrojo nos Globos ou nos Óscares? Pff, coisas de meninos. Stand-ups sanguinários a solo? Fraco. Vejam um Roast qualquer, e vão pensar que estão a ver um sismo. Nem vão acreditar que se está realmente a dizer metade daquilo. É tão outro campeonato, que parte substancial da experiência é essa: estar absolutamente deliciado e sempre mais ou menos chocado, ao mesmo tempo. Virtualmente, não há nenhuma piada que possa ficar de fora: escândalos, quanto mais hardcore melhor, não são mais do que o aperitivo; depois cabem todos os boatos, todas as ilegalidades, todas as vergonhas mais mistificantes, e cabem agressões com raça, religião, sexo, família, doença, deficiência ou morte. Cabe tudo. E ficamos só a salivar incrédulos, à espera do próximo golpe, electrificados de tão gloriosamente bom que aquilo é. Se existe um expoente no humor, o expoente é um Roast. Não há nada assim, e não é possível fazer melhor do que aquilo. É a comédia como era suposto que a comédia fosse num mundo ideal. É um projecto perfeito.

Mas o que é um Roast afinal? Deslumbrem-se: um Roast é o evento no qual uma personalidade famosa se submete, pela sua livre vontade, ao atropelo (com todas as letras) de um conjunto de outras caras conhecidas. E porquê? Porque esses "roasters" são amigos, fãs ou gente do mesmo meio, e porque toda a génese da cerimónia é prestar homenagem a quem lá está no foco. Ser "assado" pelos seus pares é, na verdade, considerado uma honra genuína , que não é almejável por qualquer um. O "roastee" priva-se, por isso, de assimilar qualquer piada como um insulto, e prova, assim, a grandeza da sua natureza e do seu fair-play.

Venere-se a inteligência, o alcance, a capacidade de encaixe e a maturidade, enquanto sociedade e enquanto televisão, para fazer acontecer e teletransmitir uma coisa destas. Faça-se a vénia à espectacular subversão de fórmulas: consegue-se fazer humor de uma agressividade inenarrável, com inteligência suficiente para perceber que se plasma ali a consideração e o carinho por pessoas que valem a pena distinguir. E como tudo ali tem a poesia da democracia politicamente incorrecta, grande parte da acção são os "roasters" a terem o desportivismo de se ofenderem mutuamente, sendo que o fim é sempre marcado pela vingança sem pudor do senhor da festa.

Há 10 anos que a Comedy Central, estação-casa do South Park, organiza estes Roasts, à média de um por ano. Já foram cozinhados nomes como Charlie Sheen, William Shatner, Donald Trump ou David Hasselhoff. Já foram "júri" (sempre à volta de uma dezena de pessoas) comediantes do stand-up à televisão, e personalidades tão díspares como Snoop Dog, Mike Tyson ou Larry King. Em todas as edições há um mestre de cerimónias ("The Roastmaster"), e, em três das últimas quatro, o posto foi do evidentemente impagável Seth MacFarlane.

Quem não conhece, que faça imediatamente o favor a si mesmo de começar a sacar esta mina de ouro em forma de torrent. Depois não é preciso agradecer.

Mancini. Ser bom, mas não ser bom que chegue


Bonita vitória do City em Old Trafford. Não por ter sido especialmente bem jogada, muito menos por vir alterar alguma coisa nas contas do campeonato. Mas com a liga perdida há meses a fio, e com Mancini a ter um pé fora do seu projecto inglês, foi das coisas dignas do ano a densidade que o City emprestou ao jogo, e a sua convulsiva vontade de ganhar. Provocava no ar o ajuste de contas pelo 1-6 do ano passado, e o que houve foi uma troca de faixas à altura de um campeão em título. É o tipo de coisa que tem sempre de se admirar.

Quatro anos depois, no entanto, é difícil que estes não sejam os últimos dias de Mancini no frio de Manchester. Campeão em curso, e senhor de muitos jogos grandes nos últimos anos, serão poucos, na verdade, os que não achem que Mancini foi sempre de menos. É difícil não ir por aí. Desde 2009, o planeta futebolístico não presenciou nada remotamente parecido ao que os baby blues pagaram pelos seus reforços. Abramovich passou a ser um menino ao pé do sheik Al Nahyan. O City não fez equipas; empilhou, autenticamente, os melhores jogadores do mundo, contratou aos rivais com desfaçatez, e reinventou, a ferro e fogo, a velha máxima dos "dois jogadores por posição." Mesmo assim, a única coisa que iluminará verdadeiramente os olhos dos adeptos nestes quatro anos, é lembrar o Aguero possuído que, literalmente no último segundo do último dia do ano passado, fez a impossibilidade de reescrever a história de um campeonato que já tinha acabado, numa daquelas tardes que acontece uma vez na vida. "One day, they will make a Hollywood movie about this", sentenciou a claridade de sempre da ESPN.

O City cumpriu a obrigação de ser campeão com essa estrela do último dia, mas a sua liga espectacular não teve nada que ver com sorte. Ao contrário do que muita gente pensa, aliás, ganhar o que se está à espera, é tudo menos fácil. O campeonato ter chegado ao fim no limite só valoriza essa vitória de Mancini. É que o novo-riquismo não compra vitórias, e em Inglaterra, muito menos. Romper uma tríade de colossos, e ganhar a Premier League com uma equipa feita do chão, é coisa que nunca lhe poderão tirar. A ironia é que, no futebol, ser bom como se está à espera é tão difícil quanto... insuficiente. No fim, o jogo é sempre dos que são ainda melhores do que isso. Dos que transcendem não só as dificuldades, mas, necessariamente, as expectativas.

Este City tinha de ser campeão. Era difícil, mas foi. Era difícil, mas não chegava. Na verdade, o que este City tinha de ser era um grande no continente, e, pelo menos, um bicampeão na ilha. Era imenso, mas, em dois anos, Mourinho foi. No dobro do tempo, Mancini não lutou verdadeiramente por três campeonatos, e foi uma piada dolorosa no biénio da Liga dos Campeões. Mancini é bom treinador: campeão inglês, campeão italiano, um notável vencedor de Taças. Só não é tão bom como pensa e, definitivamente, não tão bom como o City precisaria que ele fosse.

sábado, 6 de abril de 2013

Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé


Não tenho nada contra o Boavista. Nem rivalidade, nem desprezo, nem má vontade pelo passado. É-me indiferente. O Boavista era um dos grandes enquanto cresci, e mereceu-me a mesma desconsideração do que qualquer um dos outros. Nunca foi um clube particularmente simpático ao exterior, como nem tinha de ser, e beneficiou, definitivamente, da presença nos círculos perigosos em que se movimentava, nos seus anos do auge. Querer branquear isso é um exercício tão desonesto quanto penoso, mesmo que seja evidente admitir que aquilo que o Boavista roubou, é diferente do que roubaram os outros três do costume, num continuum que antecede e excede fartamente o Boavista.

Mais: é constrangedor que o único processo da nossa História sobre corrupção no futebol, acabe hoje da forma mais genuinamente lusitana, sem culpados, e com o inocentamento do que teve de ser o único cordeiro de sacrifício. Contudo, o Boavista, ao menos, já pagou qualquer coisa. Pagou pelos seus pecados e até pagou pelos dos outros (e, se calhar, é mesmo por isso que terá agora a sua expiação). Sinceramente, não só não tenho nada contra o Boavista, como até simpatizava que o clube voltasse aos próprios pés, e voltasse, por esses pés, ao lugar que, admito, pelo palmarés e pelas pessoas, faz sentido que seja o seu. Nunca que volte assim. Nunca que volte nesta aberração que é um decreto da Federação, "devido à prescrição do procedimento disciplinar. Nesse sentido, optou-se pelo arquivamento, sem qualquer juízo sobre a existência ou não da infracção que pendia sobre o Boavista." Não vai mudar toda a primeira divisão porque um clube foi injustiçado; vai mudar porque, na verdade, não houve justiça no prazo e porque, agora, de forma tão conveniente para os profetas do regresso ao passado, as regras dizem que já nunca poderá haver.

Há 7 anos, mudou-se um paradigma de décadas no futebol português: a Liga a 18 equipas. Tivemos de parar, pensar e mudar. Chegámos à conclusão extraordinariamente saudável, coisa tão pouco comum nas nossas lides, de que talvez o nosso campeonato não fosse assim tão bom. De que, talvez, "mais duas equipas", fossem só "mais duas MÁS equipas", mais dois plantéis com salários em atraso e mais dois estádios vazios. Não temos poder económico, não temos gente e não temos qualquer identificação regional. Que menos equipas ajudava a separar o trigo do joio e que aumentava eventualmente a competitividade, foi das únicas ideias felizes que tivemos em muitos, muitos anos.

Desde aí, é óbvio que não mudou o que quer que seja. Quanto muito, piorou. Mas, claro, não é isso que acha o motivadíssimo Presidente da Liga mandatado para a reforma, e não é isso que acham 28 dos 32 clubes profissionais. Palmadinhas nas costas a todos por mais este tesouro: muda todo o nosso sofrível futebol para pior, e muda porque, bem-haja, prescreveu um prazo qualquer.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

The Walking Dead, season 3, review: as más sensações da segunda metade da temporada

 

Do fim do Verão ao Natal, houve mais do mesmo, o que, neste caso, é só uma brutalidade de elogio. Walking Dead era a jóia do mercado, e continuou a gozar desse estatuto com um nível abusivo. Escrevi sobre o episódio monumental que fechou o primeiro mês, e sobre a qualidade inatacável e contagiante de mais um midseason. A season 3 de Walking Dead deixou marca desde muito cedo, e reservou o seu lugar sem dever complacência a ninguém. Antes dos Globos que a têm desterrado desde o bombismo do seu ano da estreia, reiterei que, ao lado de Homeland, continuava a ser a melhor série da temporada.

Também escrevi o quão extraordinário era uma série levar 2 temporadas e meia a manter um nível de tal maneira alto, e de como era inevitável ficar à espera dos dias em que falhasse. Essas dores de grandeza chegaram, finalmente. A segunda metade da terceira temporada pode ser considerada, sem grande esforço, como o pior de todos os segmentos da obra-prima da AMC. Pela primeira vez, faltaram claramente ideias, faltou decurso, faltou surpresa. Todos os oito episódios foram uma antecâmara oca para o que toda a gente já sabia que ia acontecer, sempre sem nervo e sem choque (um único grande episódio: "Arrow on the Doorpost", o do frente a frente). E quando o desfecho aconteceu, pese os grandes momentos de David Morrissey, o brilhante Governador, no season finale, soube grosseiramente a pouco, com insuficiências de palmatória e uma absoluta falta de rasgo. Pior do que isso, o cenário em que o fim deixou as coisas não dá perspectivas, e parece cortar (ainda mais) os pés à cadência e à expansividade de tudo aquilo.

À entrada para a quarta temporada, a série projecta, por fim, um sentimento de gasto. Mais do que não se imaginar o que pode estar para vir, parece que não há muito o que imaginar, e insinuam-se os vícios de mais do mesmo: o mesmo vilão, os mesmos lugares, a mesma narrativa. Para tornar tudo mais penoso, está confirmada a saída de Glenn Mazzara do cargo de showrunner da série, anúncio feito em Dezembro, e que já terá tido as suas consequências no que se sucedeu, e que a AMC descreveu como consequência de "uma diferença de opinião em relação à forma como a série devia seguir." Pesando o resultado recente e a sua saída, as expectativas para o que aí vem podiam ser melhores.

Certo é que nenhuma outra série merecerá tanto o benefício da dúvida. Com Walking Dead, o mínimo é confiar, e quem sabe seremos mesmo deslumbrados uma vez mais.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O nosso Zé vai-nos salvar


Obrigado Zé, a sério. Andamos nós nesta vida há três ou quatro anos, a troika veio para cá, a União e o FMI só falam em nós, não há forma de fazermos contas à vida, e afinal só estávamos a complicar. Nós, eles, todos, ninguém era capaz de ver. E tu Zé, tu que és o maior Zé, resolveste isto em duas ou três pinceladas de uma moção de censura. Nasceste para isto, Zé. Andamos há tanto tempo a contar os tostões, a puxar o cobertor e a destapar os pés, a afinal só andávamos a dormir com os pés frios porque tu ainda não tinhas chegado para nos salvar. Afinal era fácil, Zé. Hoje, entraste na Assembleia, e foste tudo o que precisávamos. Sabemos como aquela moção te custou, tu que tens essa alma de estadista, mas a moção não era por ti, era por nós. E pronto, bastou pores pé naquele púlpito, para termos a altitude de uma Quarta Aparição da Senhora de Fátima. Afinal é só baixar impostos, aumentar empregos e travar todos os cortes na função pública. Foda-se Zé, estava tão à nossa frente e éramos tão incapazes de ver. Obrigado Zé, a sério. Nunca te poderemos pagar.

O Zé é daqueles tipos que no Portugal meritocrata que temos, teria sempre de chegar a primeiro-ministro. O Zé é carisma, seriedade, coragem, engenho, boas ideias, visão. Ouvimos o Zé a falar, e queremos ir para a guerra com ele. Ele contagia-nos e mostra-nos o caminho. Eu punha todos os filhos e todas as poupanças que tivesse nas mãos do Zé. Ele sabe sempre o que devemos fazer, com a claridade dos predestinados. E não é um facilitista, desenganem-se disso. É um político como era suposto que os políticos fossem, um homem que se afecta, que conhece as pessoas, que sabe da vida, que cresceu na rua, que respira o país, que dá infinitamente mais à política do que a política lhe dá a ele. Sorte da política, e sorte a nossa, acima de tudo, de podermos contar com pessoas como o Zé. Um vulto que sabe sempre estar pelo bem do país, que acrescenta sempre qualquer coisa, que escolhe sempre o caminho mais difícil, que não é demagógico, eleitoralista, e, sobretudo, que não é oco. Que não é nenhum batanete sem vida na cara, só com as bochechas ligeiramente inchadas do seu insuflado e proverbial vazio ideológico, alguém que nem cuja opinião sobre o tempo interessaria saber. Aliás, já nem sei de quem é que estou a falar.

Se tivéssemos azar, tinha-nos saído um líder de Oposição que, ao vermos no fundo do túnel, pensaríamos que mais valia começar a escavar. Um baço que, a apresentar-se como solução num caso de vida ou de morte, nos poria a considerar morrer com dignidade. Ao menos, saiu-nos o Zé.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Os adeptos também são presidentes


"A vitória de Bruno de Carvalho nas eleições para o conselho directivo do Sporting Clube de Portugal representa a recusa dos seus sócios e adeptos em assistir à degradação, corrupção e eventual aniquilação do clube segundo os moldes que até agora nos foram propostos. Soubemos, felizmente, optar por uma decadência digna: teremos como presidente um dos nossos, um gajo que vive o clube disparatadamente, e não segundo o filtro do lazer, do passatempo, da "experiência nova", do conforto, do camarote bem posicionado e do diletantismo aristocrata (e nem vou entrar pelo lodo dos "interesses")"
"Maradona", em mais um texto brilhante n'A Causa foi Modificada

No meio da pior das suas piores épocas, o Sporting consegue a sua única vitória verdadeiramente extraordinária, no primeiro jogo oficial depois da sua eleição. Sporting 10º contra o Braga-novo-grande a defender o 3º lugar, em pleno Minho. No primeiro acto oficial, estreou-se como Presidente em funções não na tribuna, mas no próprio banco, lado a lado com o Professor e com os miúdos. Lado a lado, como quando se quer dar o exemplo. Os miúdos desperdiçaram duas vantagens e, à entrada do quarto-de-hora crítico do jogo, ficaram reduzidos a dez, de joelhos, à espera do golpe de misericórdia. No primeiro jogo oficial depois da sua eleição, porém, um ponta-de-lança mal-amado e já vendido achou de carregar toda a dignidade do mundo, e assinou, de hattrick e ao minuto 90, uma vitória das que vivem nas histórias.

Mal soou o apito, Bruno de Carvalho voou do banco. Punhos cerrados, sorriso a toda a largura, sprints mais fortes do que ele. Ele, um Presidente eleito, na formalidade do dia de posse, festejou com a alegria genuína e desconcertante de um miúdo, do miúdo que, por certo, entrou pela primeira vez em Alvalade há muitos muitos anos, e que se fez homem a viver e a sofrer, semana após semana, naquelas mesmas bancadas. Ver tamanho entusiasmo tão impossível de conter, vindo de quem manda, tem de significar alguma coisa para quem gosta de futebol. Na era em que se multiplicam os gestores, as SAD e o just business, o futebol impessoal mais dos gabinetes do que das bancadas, ter quem viva os clubes assim é, necessariamente, a condição primordial para que eles possam sobreviver.

Bruno de Carvalho precisará de mais do que alma e vontade para ser o milagre que acuda o clube, e a razão diz que provável, é que ele falhe. Certo é que é sportinguista até à medula. Para qualquer adepto, esse é exactamente o líder ao lado do qual vale a pena lutar.