quinta-feira, 25 de abril de 2013

Estadismo de ocasião

 

"Os nossos agentes políticos têm de estar conscientes que deverão atuar num horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais. (...) Se se persistir numa visão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões que pouco dizem aos Portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o Governo ou estar na Oposição. É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de consensos irão penalizar os próprios agentes políticos mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse nacional"
Cavaco Silva, em discurso à Assembleia

Hoje, no discurso do 25 de Abril à Assembleia, Cavaco falou e, para variar, disse qualquer coisa. Sem meias frases, sem recados mal entregues, sem medo de se queimar nas pontas dos dedos. Falou, e tomou posição. Disse que a hora é de pôr o país em primeiro, segundo e terceiro lugar, e de sacrificar todos os orgulhos e todos os interesses, em nome da causa comum. A hora é dos melhores adversários trabalharem juntos, muito especialmente os que não têm nada a ganhar com isso, porque ou se faz assim, ou perderemos irremediavelmente todos. É um discurso que merece o reconhecimento, mesmo que não estejamos a falar em acreditar no Pai Natal.

Cavaco não acordou assomado pelo estadismo que nunca teve na vida inteira. A precisão e a lucidez do discurso são directamente proporcionais à sua própria agenda. Na verdade, Cavaco exalta a que os rivais sejam maiores do que as circunstâncias, e se sacrifiquem por elas, no próprio processo de estar a salvaguardar os seus trunfos: um Governo, uma Maioria, um Presidente, o mote de Sá Carneiro com que o PSD sempre fantasiou, e que finalmente concretizou. Cavaco só seria capaz de um discurso como este, nestas exactas circunstâncias, ou seja, num cenário em que tudo fosse favorável a si e aos seus. Nunca de qualquer outra forma.

É inevitável ter isto em mente quando se pesa um discurso destes, e é evidente que isso lhe tira brio, e corrompe alguma coisa. Talvez até lhe ponha em causa a legitimidade. Cavaco não é melhor por causa deste discurso, porque é impossível dissociar a sua pessoa e a sua carreira daquilo que diz. Sobretudo quando está certo. No entanto, por mais que o discurso lhe seja favorável, e por mais que se despreze a perversão de propósitos, foi, em tom, em posição e em conteúdo, a medida exacta do que era preciso dizer nesta altura.

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