Três anos no Feyenoord, oito no Arsenal. Só à formalidade de uns meses de entrar nos místicos 30, é que um dos mais extraordinários e preponderantes jogadores que pisaram a Premier League no novo século, pôde comemorar finalmente o seu primeiro título de campeão. Considerado o melhor jogador da edição do ano passado, foi a bomba do Verão, no dia em que desfez a alma de toda uma nação gunner que capitaneava, e se mudou para o maior que o país podia oferecer.
Por definição, o futebol não empatiza com coisas assim. É um dos maiores negócios do mundo, mas é um negócio especial. Puro, essencial. Sair de casa por poder, por dinheiro e por títulos, é quase sempre ser mercenário. Gostamos mais do Giggs, que joga no mesmo relvado há 24 anos. Do Gerrard, que nunca foi campeão inglês, ou do Totti, que nunca viveu glórias europeias. Do Del Piero, que desceu de divisão e, mesmo assim, ficou na Juve, só "porque um cavalheiro jamais abandona a sua Senhora." O futebol é um dos maiores negócios do mundo, mas é um negócio especial, porque vive da paixão e da irracionalidade. No futebol, como na vida, admiramos os que conseguem ser melhores do que nós. Os que fazem as escolhas difíceis, quando era tão ridiculamente mais fácil ir ganhar para outro lado.
Digo isto, e não consigo deixar de ficar contente por Van Persie. O futebol é especial também porque não é quadrado, porque é mais do que o preto e o branco. Tivesse ficado no Arsenal, Van Persie ganharia o carinho, mas continuaria a perder uma infinidade de outras coisas. A realidade é que a sua saída foi mais culpa do clube, do estado vegetal em que esse se deixou cair, do que dele próprio. Nenhum adepto do Arsenal poderá apontar o que quer que seja a Van Persie, e oito anos não são um mês, nem dois. Nessa jornada, Robbie fez o caminho todo, da sombra de um plantel de galácticos, a melhor marcador, MVP da Liga e capitão de equipa. Mais do que um jogador notável, foi, num sem fim de tardes, a candeia que, solitária, alumiou o caminho. Foi tudo o que o Arsenal podia pedir, e depois um pouco mais. Se alguém merecia sair pela porta da frente, esse alguém era ele.
Mais do que os 24 golos, as 13 assistências (até ver), e o título resgatado antes do Natal, as duas imagens mais fortes do ano ficam na memória deste mês. Em Stoke, Fergie fez dele marcador de penalties da equipa, para acabar com a maldita seca que subsistia há 10 jogos. Van Persie converteu, e, como se tivesse marcado o primeiro golo da carreira, correu a espremer nos braços o velho Sir, que diria depois, com o seu incomparável sorriso de pai, que ele "esquece-se que tenho 71 anos...". Ontem, no jogo da consagração, decidiu ganhar com um hattrick a correr, golo do ano incluído. Foi assim a temporada de Van Persie. Um trintão sempre incapaz de disfarçar a excitação de miúdo, sempre incrédulo por adivinhar finalmente a alegria pela qual marcou golos uma vida inteira. Pois que se lixe o resto. Talvez Van Persie nunca chegue a entrar na câmara sagrada onde perdurarão nomes como os que usei acima. A verdade é que a eternidade talvez espere por nós; a vida não.
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