sábado, 6 de abril de 2013

Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé


Não tenho nada contra o Boavista. Nem rivalidade, nem desprezo, nem má vontade pelo passado. É-me indiferente. O Boavista era um dos grandes enquanto cresci, e mereceu-me a mesma desconsideração do que qualquer um dos outros. Nunca foi um clube particularmente simpático ao exterior, como nem tinha de ser, e beneficiou, definitivamente, da presença nos círculos perigosos em que se movimentava, nos seus anos do auge. Querer branquear isso é um exercício tão desonesto quanto penoso, mesmo que seja evidente admitir que aquilo que o Boavista roubou, é diferente do que roubaram os outros três do costume, num continuum que antecede e excede fartamente o Boavista.

Mais: é constrangedor que o único processo da nossa História sobre corrupção no futebol, acabe hoje da forma mais genuinamente lusitana, sem culpados, e com o inocentamento do que teve de ser o único cordeiro de sacrifício. Contudo, o Boavista, ao menos, já pagou qualquer coisa. Pagou pelos seus pecados e até pagou pelos dos outros (e, se calhar, é mesmo por isso que terá agora a sua expiação). Sinceramente, não só não tenho nada contra o Boavista, como até simpatizava que o clube voltasse aos próprios pés, e voltasse, por esses pés, ao lugar que, admito, pelo palmarés e pelas pessoas, faz sentido que seja o seu. Nunca que volte assim. Nunca que volte nesta aberração que é um decreto da Federação, "devido à prescrição do procedimento disciplinar. Nesse sentido, optou-se pelo arquivamento, sem qualquer juízo sobre a existência ou não da infracção que pendia sobre o Boavista." Não vai mudar toda a primeira divisão porque um clube foi injustiçado; vai mudar porque, na verdade, não houve justiça no prazo e porque, agora, de forma tão conveniente para os profetas do regresso ao passado, as regras dizem que já nunca poderá haver.

Há 7 anos, mudou-se um paradigma de décadas no futebol português: a Liga a 18 equipas. Tivemos de parar, pensar e mudar. Chegámos à conclusão extraordinariamente saudável, coisa tão pouco comum nas nossas lides, de que talvez o nosso campeonato não fosse assim tão bom. De que, talvez, "mais duas equipas", fossem só "mais duas MÁS equipas", mais dois plantéis com salários em atraso e mais dois estádios vazios. Não temos poder económico, não temos gente e não temos qualquer identificação regional. Que menos equipas ajudava a separar o trigo do joio e que aumentava eventualmente a competitividade, foi das únicas ideias felizes que tivemos em muitos, muitos anos.

Desde aí, é óbvio que não mudou o que quer que seja. Quanto muito, piorou. Mas, claro, não é isso que acha o motivadíssimo Presidente da Liga mandatado para a reforma, e não é isso que acham 28 dos 32 clubes profissionais. Palmadinhas nas costas a todos por mais este tesouro: muda todo o nosso sofrível futebol para pior, e muda porque, bem-haja, prescreveu um prazo qualquer.

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