sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Dallas Buyers Club. A diferença entre grandes histórias e grandes filmes


1985. Num Texas tacanho, muito próprio às suas idiossincrasias, um electricista da construção civil, performer de rodeos nas horas vagas e óptimo vivant a tempo inteiro, acorda num hospital para lhe dizerem que acusou VIH positivo e que tem 30 dias de vida. Figura carismática entre os seus, vê o mundo que conhecia ruir num estalar de dedos, a partir do segundo em que o boca a boca sanguinário o passa a conotar com a doença dos homossexuais. Começará, assim, a jornada verídica de Ron Woodroof à procura da cura impossível, num caminho que o levará a construir pontes com que nunca sonhou e a transformá-lo, de redundante abusador de álcool e drogas, em activista de uma causa inteira.

Dallas Buyers Club era um filme à espera de ser feito. Isso não significa, no entanto, que era mais fácil de fazer por isso. Se uma história inventada pela base depende do génio, um conto da vida real nunca pode triunfar sem engenho. Sem um guião e uma câmara que superem, no fundo, o que toda a gente já sabia. A magnitude da realidade é só o generoso ponto de partida. O resto é a arte de a contar, medida que separa os excelentes dos outros. Dallas Buyers Club é, infelizmente, um exemplo acabado de quem fracassou nessa elaboração.

Craig Borten e Melisa Wallack, ele um estreante e ela depois de duas longas-metragens sem expressão, conceberam um texto manifestamente deficitário para o alcance do que tinham em mãos. O filme não tem uma gota de alma e jamais nos agarra, contagia ou exalta. Arrisco a dizer que não há ali uma linha que o faça melhor do que a efectiva história real. É um trabalho sem risco e sem rasgo, quase documental, melancólico e antecipável, onde as âncoras emocionais soam sempre forçadas, como se estivessem ali por decreto, num cronograma invisível. Isso contaminou decisivamente a prestação dos actores, que até sugeriram estar à altura do desafio mas que não puderam remediar a escassez de liberdade e de estímulo.

Jean-Marc Vallé, outra face com trabalho de menos a falar por ele, também passa indistinto pelo filme o que, no caso de um realizador, é tanto pior. Não se percebe um conceito, não se sente agilidade, não se encontra uma grande cena. Em suma, nada que não pudesse ter sido feito por uma centena de outros. Vallé foi um tarefeiro, que se limitou a cumprir os serviços mínimos e a entregar um filme quadrado a tempo e horas.

As interpretações são melhor notícia, de facto, ainda que, ao contrário da chuva de nomeações, não me pareçam galardoáveis. McConaughey vinha de um filme divino como Mud e segurou-se dentro do possível, sem deslumbrar. É o homem simplório e pouco instruído, mergulhado nos prazeres da vida, que o universo fará carregar às costas o peso do mundo. O estilo arruaceiro e a debilidade física dão-lhe identidade, mas acabam por fazê-lo um pouco artificial. Seja como for, é sua a única grande cena do filme, num diálogo sobre o futuro com Jennifer Garner (muito má escolha de cast). Jared Leto, por sua vez, tem um papel grosseiramente estilizado, que o tornou num nomeado obrigatório desde a primeira cena que fez. Confesso que tenho dificuldade em avaliar performances tão polarizadas, mas reconheço que a sua descarnação física e mental acaba por ser importante para o filme. No global, tenho todavia de sublinhar que, mesmo sendo a circunstância de ambos tão violenta, o seu registo nunca é poderoso o suficiente para nos conseguir agredir. Que um filme destes não passe quase nada é a epítome do seu falhanço.

Dallas Buyers Club é uma grande história humana ferida pelo amadorismo de quem a executou. Condenou-se, por isso, a ficar inapelavelmente à margem de si própria.

6/10

Sem comentários: