quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

The Class of 92. A Ínclita Geração e o jogo mais bonito do mundo


"You always hope and think that things will happen again. But will there ever be a time where six lads who grew up from the age of 12, 13, will come through and win the treble, having supported the club? I dont think you'll ever see it again."
Gary Neville

The Class of 92 é um poço de suprema nostalgia. Do que vimos, do que nos contaram e de coisas que nem sequer sabíamos. É um tributo excepcional a uma geração tão especial de jogadores, propriedade de um futebol verdadeiramente de outro tempo. O futebol romântico, estranho à globalização, onde chegar a uma casa sem tamanho de gente e crescer até aos holofotes do mundo não era um bilhete de lotaria, mas uma probabilidade orgânica. O futebol local e pessoal, mesmo para os maiores, tão identitário dessa essência sagrada que sempre prosperou na Velha Albion, mais do que em qualquer outro sítio do mundo.

Becks, Gary, Philly, Scholsey, Butts, Giggsy. Seis miúdos amigos desde o infantário onde aprenderam a jogar à bola, que puderam passar uma vida a jogar juntos, até chegarem a Campeões de tudo, década e meia depois. O documentário intercala o perfil de cada um deles, num ângulo delicioso, em geral definido pelos outros, com as duas fases mais estruturantes do legado dos Fergie Babes. A primeira é a temporada 1995/96. O título escapara no ano anterior e Sir Alex não fez por menos: vendeu três dos seus jogadores mais simbólicos e começou a época com todos os miúdos a titulares. Foi goleado. É daí que remonta a histórica frase de Alan Hansen, de que "não se pode ganhar nada com crianças." Esse United ganharia cinco dos seis títulos seguintes. Cantona lembra com o olhar desafiante de sempre: "Nós queríamos acreditar. Tentávamos acreditar, mas tínhamos de ser realistas. Ele, contudo, sabia."


Claro que sabia. Três anos depois chegaria o reconhecimento planetário. Gary Neville diz que se pudesse voltar a viver dez dias da vida, escolheria sempre aquelas vertiginosas duas semanas de Maio de 99 em que os miúdos de Carrington, os irmãos que conhecera desde o berço, ganharam tudo o que havia para ganhar. Campeonato, Taça e a melhor final da Champions de todos os tempos. Ele e os amigos, feitos maiores do mundo. Toda a história da casta de 92 seria sempre épica em cada um dos seus filamentos. O facto do auge ter sido esse jogo profético, capaz de provar cientificamente a existência de um destino, foi só a chave de ouro do Universo.

Acho que o documentário podia ter sido ainda mais pejado de testemunhos adjacentes - faltou mais Fergie, por exemplo -, mas, no fim, não há como evitar a magia daquilo. O sorriso a cada trago, plasmado da mais sincera cumplicidade e camaradagem entre tamanhos e tão pessoalizados ícones. Ouvir que Gary Neville, da primeira vez que viu Giggs jogar, pensou que, se a medida era aquela, tinha de ir embora na semana seguinte. E que, por isso, todos os dias trabalhou mais para merecer estar lá. É esse carácter que, na opinião Beckham, levou a que todos o respeitassem tanto como capitão. Ouvir o quão incrível foi que um tipo tão franzino, lento e asmático como Scholes tenha sido um futebolista tão fascinante. 'The Ghost' era um purista, um introvertido, mas tinha as melhores one liners de sempre e eram imperdíveis as vezes em que que treinava as suas bolas a 40 metros, sempre que, em Carrington, um colega ia fazer do bosque casa de banho.

Ver a reverência com que se fala de Magic Ryan, o mais precoce e estupendo de todos. Ou como ele recorda, com um brilho nos olhos, que Beckham foi o símbolo mais mediático dessa geração e de toda a revolução cultural que a acomodou, mas que, no vestiário, nunca deixou de ser, nem por um segundo, o mais trabalhador e o mais acessível, "o velho Becks com quem crescemos". O 'Pretty Boy' que inventou o empate ao minuto 89 no Camp Nou, não porque podia ser campeão da Europa, mas porque Schmeichel tinha subido à área contrária e porque o matava se ele falhasse. Ou como Fergie o avisou de que não ia ter sempre sorte, quando marcou o seu mítico golo de meio-campo ao Wimbledon, só para Cantona rebater que "era certo mesmo se não tivesse entrado, miúdo."

De como Phill Neville era a alma e a electricidade do balneário ou como Nicky Butt era a sabedoria da rua, o sobrevivente do bairro mais difícil, e aquele que os outros levariam sempre para a guerra, sem pensar segunda vez. Ouvi-los falar dos primeiros carros, das primeiras festas e do privilégio impensável que foi viverem cada bocado daquilo juntos, numa Inglaterra efervescente que eles próprios transformaram. E vê-los, por fim, voltar ao balneário e ocupar instintivamente os seus lugares, só para Scholes e Beckham constatarem, com um orgulho mal escondido, que a meio deles ainda pendia a camisola de Giggs.

The Class of 92 é uma gema para qualquer amante de futebol. Tem um carisma vivo, arrepiante, quase difícil de acreditar. É uma peça histórica, emocional e indispensável, que isola o jogo até à partícula de Deus que o define como maior espectáculo do mundo.

8.5/10

Sem comentários: