segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

The Wolf of Wall Street. A vitalidade de Scorsese, o génio de DiCaprio e um filme que alguém se esqueceu de cortar


2013 ofereceu um catálogo vasto e multifacetado. Histórias altamente aguardadas, ideias de risco e performances de celebração bastante antecipável. Blockbusters, filmes de autor e clássicos de peso. Todo um manancial que sugeriu, contudo, uma certeza maior do que as outras: se Scorsese e DiCaprio iam entrar em campo, a coroa da pré-época era entregue ainda antes do jogo começar. 12 anos depois da primeira vez, a parceria entre os dois já era pouco menos do que um trilho gravado a ouro e pedras preciosas. De Gangs of New York a Aviator, de Departed, e do histórico primeiro Óscar de Scorsese, a Shutter Island, para mim o melhor de todos, a carteira de uma das parelhas mais icónicas do último quarto de século dispensava, sequer, considerações. O Lobo vem entrar neste palmarés como, possivelmente, o mais subjectivo dos seus elementos. É o filme mais longo (três redondas horas) e, de forma algo surpreendente, o mais arriscado. A máxima de que os dois juntos jamais podem fazer um filme mau mantém-se intocável, mas acho que, desta vez, o produto final ficou à margem do que poderia ter sido. Com uma realização admirável e uma excepcional performance individual, mas a ser incapaz de, no fim das contas, ser efectivamente um filme inesquecível.

Como é possível que um grande lead e uma grande câmara façam um filme discutível? Na minha opinião foi essencialmente um problema de conceito e considero que, de facto, se pode ser muito bom a fazer algo que devia ter sido melhor pensado. Acho que, por esta altura, já toda a gente deve ter visto um trailer, lido qualquer coisa ou ouvido algum comentário. A biografia é a de Jordan Belfort, nome histórico e excêntrico de Wall Street, um self made millionaire no mundo surrealista da especulação em Bolsa dos 90s, que viveu a sua jornada com direito a tudo - e o tudo é literal, sendo o filme fiel a isso -, até ter soçobrado numa investigação de fraude financeira, ainda precoce à catástrofe natural que aconteceria anos depois. Numa palavra, a vida de Belfort era uma overdose. De dinheiro, mulheres, carros, casas, festas, excentricidades. E de droga, claro. Muita, muita droga. Toxicodependente assumido, o seu dia-a-dia era uma permanente viagem de todas as cores e a todas as velocidades, capaz dos excessos mais brutalizantes. Foi por aí que Scorsese lhe pegou.

The Wolf of Wall Street é um filme de três horas em fast forward. Não porque passa muito rápido, mas porque tudo o que acontece em cena é esbaforido, intenso, levemente doentio. Nesse quadro de fundo, o trabalho de Scorsese é, de facto, brilhante. A vitalidade, a energia e a criatividade que um dos maiores de sempre é capaz de continuar a imprimir aos 71 anos é qualquer coisa de alucinante. A vontade de se reinventar e de arriscar não pode deixar ninguém indiferente e essa realização de desfazer o sistema nervoso rende cenas que deslumbram, desafiando a nossa concentração e correndo quase sempre à nossa frente. Isso resulta muitas vezes e, acima de tudo, é sempre muitíssimo bem executado. Ao fim de três horas, porém, torna-se um pouco auto-destrutivo.

The Wolf of Wall Street acaba por ser um filme exaustivo que, ao materializar o excesso do seu protagonista, se excede ele próprio no interesse para o espectador e no engenho da narrativa. É, em suma, um filme que gasta, que, apesar da cadência, não consegue ser importante o suficiente para justificar uma tão longa segunda metade e que, ainda por cima, é acabado de uma forma inócua demais para fazer-lhe jus. Os méritos de Terence Winter não são questionáveis (argumentista principal de Sopranos e criador de Boardwalk Empire) e a sua adaptação do livro de Belfort é óptima na caracterização do espaço, do ambiente e dos personagens. Parte substancial da própria acção é igualmente forte. No global, porém, faltou-lhe inspiração para destrinçar formalidades cronológicas da história e para acabar com o lance deslumbrante que se exigia.

DiCaprio é um monumento, ao nível do que de melhor já fez na sua prodigiosa carreira. Se o olharmos nos olhos, jamais podemos deixar de acreditar que ele é o próprio Belfort e que viveu cada bocado daquela luxúria inebriante, cada passo daquela loucura descompassada. Fora as chapas assombrantes que acumula, o que é verdadeiramente notável é a intensidade que empresta a cada um dos 180 minutos da fita, como se as pilas e as suas pastilhas nunca se pudessem gastar. É uma interpretação esmagadora e genial que o coloca, automaticamente, como o meu favorito para chegar ao Óscar que, para lá de tudo o que é racional e crível, ainda não tem. Os Globos já lhe deram um aperitivo (ainda que na ridícula partição de categorias, tenho sido o Melhor Actor... Comédia), mas agora é a vez da Academia ajustar contas com o passado. Perder para Mat McConaughey, no filme mais fácil do ano, seria uma barbaridade histórica.

Devo reconhecer que também fiquei contente com a nomeação de Jonah Hill, que os Globos esqueceram, para Secundário. Depois da primeira indicação injustificada com Moneyball, Wolf é um verdadeiro atestado de maioridade num tipo de papel muito característico, de alguém que nunca se imaginou poder vir a jogar neste campeonato. Esta crónica não estaria completa sem falar em Margot Robbie, que desconhecia, e que deve ter transtornado, no sentido mais apaixonante de todos, qualquer alma que já tenha visto o filme.

The Wolf of Wall Street é uma obra importante e com grandes predicados. Um corte a direito na última hora e um fim menos linear, quiçá num pico da história, eram a fórmula para tê-la eternizado num outro patamar.

7/10

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