domingo, 10 de fevereiro de 2013

Life of Pi


Mais um a confirmar que 2012 foi um ano de cinema de luxo.

Life of Pi é a aventura da vida de um rapaz indiano, Pi, como o número, que um dia é forçado a partir com a família da Índia pós-colonial, à procura de uma vida melhor na América do Norte. Na terra-natal, o negócio da família era não menos do que um zoológico, e a viagem para o Canadá faz-se num cargueiro japonês, qual Arca de Noé, necessário para acomodar os muitos animais que seriam vendidos, e que proporcionariam à família o novo começo. A odisseia homérica dessa viagem faz o filme.

What has mamaji already told you? 
He said you had a story that would make me believe in God. 

Life of Pi é um filme extraordinariamente espiritual e introspectivo. É um filme de fé, mas sem os vícios da religião. Sem dogmas, com uma subtileza e uma sensibilidade imensas, desconstruindo o próprio espectro religioso, ao converter o seu protagonista, simultaneamente, a três religiões diferentes. É um filme essencialista, que fala de sobrevivência, de paz interior e da descoberta de si próprio, por parte de um miúdo a viver uma tragédia de proporções bíblicas, onde o legítimo era que ele fosse vergado ao peso das circunstâncias, pusesse tudo em causa e falhasse. A sequência final do argumento, é, porventura, o corolário mais genial do ano, e consolida Life of Pi como um filme de excepção, capaz de roçar o brilhante. Trabalho muito bom de David Magee, norte-americano de 50 anos que, em 3 longas-metragens escritas, foi 2 vezes nomeado ao Óscar (a outra por Finding Neverland, em 2004), aqui a adaptar o livro homónimo do canadiano Yann Martel (2001).

O filme nem sempre é fluido, tem tempos mortos que o afectam, e, mesmo com uma matriz sóbria, há ocasionalmente um lirismo exagerado, e mal contido, também precipitado pelo facto de Suraj Sharma, o protagonista, ficar sempre aquém do que o papel poderia ter sido. Certo é que, quando acaba, e podemos perceber todo o seu significado, não há como não o reverendar.

As performances individuais não deixam marca. Sharma, o protagonista, é o único que o poderia ter conseguido, mas falta-lhe sofrimento, afectação, coração. A Irrfan Khan (o protagonista, mas mais velho, no tempo do filme) e Rafe Spall (o escritor preparado para contar a sua história), falta-lhes mais tempo para se evidenciarem, mas são sempre cativantes, na sua componente narratória do filme. Quem abunda poder e tempo de antena, e merece o destaque, é Richard Parker... um monumental Tigre de Bengala, que é um espectáculo de todas as horas, e que será, por mérito próprio, um dos ícones da temporada, tal como Uggie, o Jack Russel Terrier que brilhou em The Artist, no ano passado.

Um grande texto, mesmo que com algum sub-rendimento na acção e no cast, e, sem dúvidas, um monumento a nível visual, uma odisseia cinemática de expressão bíblica, que acumula cenas constantemente esmagadoras. Não é à toa que Ang Lee chancelou a sua terceira nomeação para Melhor Realizador (ganhou com Brokeback Mountain, em 2005). É um trabalho de um poder avassalador, de mestre, com estilo, sensibilidade e majestade, que deleita a tempo inteiro, e que justifica todo o reconhecimento, mesmo que estejamos a falar de uma obra com mais computador e menos câmara.

Nomeado para 11 Óscares, incluindo Filme, Realizador e Argumento Adaptado, a forma mais justa de resumir Life of Pi é dizer que é um filme de uma singularidade e profundidade extremas, daqueles que podemos ter a certeza de que vamos ver muito poucas vezes num ano. Um obrigatório.

8/10

1 comentário:

Anónimo disse...

boa análise