sábado, 5 de outubro de 2013

Wenger e a pedra filosofal


O Arsenal foi uma das vítimas do Verão. Wenger até anunciou um rompimento com o passado recente e agitou o cheque pelo qual os adeptos há tanto ansiavam... mas, algures no caminho, os gunners pareciam ter desaprendido a fazer as coisas como gente grande. A novela-rainha foi Suárez, onde um Liverpool longe do velho status chegou mesmo ao ponto de gozar com a cara do rival. Nos entretantos, sucedeu-se a chuva de nomes da alta sociedade europeia, com as tampas mais dolorosas a virem de Higuaín, que preferiu trocar o Real por uma Serie A esquecida, e de Luiz Gustavo, que, titular do Escrete, partiu do campeão europeu para jogar, em vez, no meio da tabela da Bundesliga. No último dia do mercado, o mesmo Arsenal que não ganhava nada há oito anos parecia um nobre não só falido, como profundamente desacreditado. Depois das dezenas de capas de jornais a alimentarem a codícia da sua multidão, a sua única cara nova... nem isso fora. Flamini limitara-se a regressar a casa, numa viagem abençoada pelo Milan a título gratuito.

Por tudo isso, ninguém podia verdadeiramente imaginar o que estava para vir. Que, em cima do gongo, o comprador da jóia mais graúda do leilão fosse mesmo um coleccionador de arte francês emigrado no Norte de Londres, há tanto tempo esquecido da sua própria glória. Na penumbra do mercado, com o sangue frio de um verdadeiro especulador, Wenger bluffou até ao último minuto. Formado em Economia pela Universidade de Estrasburgo, ainda não seria desta que "O Professor" fraquejaria na sua ideologia, pagando fortunas que não concebia justificadas. Por uma vez na vida, contudo, Arsène perdeu mesmo a cabeça. Por uma vez na vida, gastar 50 milhões de euros numa gema pareceu-lhe uma ideia ridiculamente perfeita. Wenger encontrara o bloco sobre o qual reconstruir a sua Igreja.

Ver o impacto desmesurado de Ozil no novo Arsenal é uma dádiva para toda a gente que gosta de futebol. Desde o primeiro momento em que as botas do Mago de Oz pisaram um relvado britânico, que aquela camisola pareceu ter esperado a vida toda por ele. Quando Wenger chegou a Londres, o pequeno Mesut estaria ainda a tocar a bola nas ruas de um qualquer bairro turco de Gelsenkirchen; a verdade é que ele é a imagem e a semelhança de tudo o que o Arsenal personifica. Partilham ambos cada bocado do mesmo adn futebolístico: bola no pé, criatividade, carrossel, classe, classe e mais classe. Há jogadores que se diz tornarem melhores todos os outros à sua volta. Ozil é evidentemente esse estudo de caso. Ao ver a liderança na Premier League e a superioridade no grupo da morte da Champions, ao ver, acima de tudo, as brutalidades que este Arsenal anda a jogar, o alemão não parece um futebolista. Parece um guia espiritual, o autêntico guardião de um estilo que, sem ele, já não parecia poder voltar a ganhar.

Curiosamente, um dos mais entusiasmantes onzes europeus da nova época nem tem podido contar com cavalaria do quilate de Cazorla, Walcott ou Podolski. O Arsenal continua a padecer de uma onda de lesões estapafúrdia, em quantidade e em preponderância; a diferença é que, agora, nada disso é assim tão importante. Na vez deles, têm surgido todos quantos necessários, do novo comboio galês da Premiership a uma canhota francesa que começa a exorcizar humildemente a assombração de Van Persie. Agora, joguem os que jogarem, parece que vai sempre funcionar. É que, enquanto o senhor dos 100 milhões continua a vegetar num ocaso constrangedor em Madrid, há um Harry Potter que vai inundando Londres de magia, por metade do preço.

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